sexta-feira, 20 de maio de 2011

“Sociedade precisa dar valor aos cientistas”, diz coordenador do CNPQ e ex-assessor da UEPB


Por Joana Rozowykwiat, Do Portal Vermelho

Em entrevista ao Portal Vermelho, o coordenador do Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia, Olival Freire [*que também assessorou a Universidade Estadual da Paraíba por muitos anos], fala sobre os desafios do setor no país. Para ele, é preciso investir mais em inovação, incentivar a participação de empresas privadas nessa área, ampliar o peso da produção com maior conteúdo tecnológico na indústria brasileira e, principalmente, fazer com que a sociedade valorize a ciência e a tecnologia.

“Se o Brasil pretende ter uma inserção soberana na área internacional, é preciso alterar o perfil da indústria brasileira, para ampliar o peso da produção com maior conteúdo tecnológico”, avalia Olival Freire, que aponta ainda uma clara assimetria no desenvolvimento científico e o tecnológico no Brasil.

Segundo ele, fazer com que este setor avance ainda mais é uma questão que depende não só do governo, mas também do Congresso Nacional e, mais ainda, da sociedade. Olival defende que os parlamentares precisam rever a nova legislação do pré-sal, que terminou por pulverizar recursos antes destinados especificamente ao desenvolvimento científico e tecnológico.

Olival Freire também chama a atenção para o fato de que não há, no país, uma cultura de valorização dos cientistas. “A sociedade precisa valorizar seus engenheiros e cientistas da mesma forma que valoriza seus jogadores de futebol, suas atrizes e seus cantores, para chegar a uma comparação extremada”, diz.

Questionado sobre o contingenciamento de recursos da pasta de Ciência e Tecnologia, definido no início da gestão da presidente Dilma Rousseff, Olival afirmou que ele não será um problema para os projetos em curso. Mas advertiu que, caso essas restrições permaneçam ao longo do governo, a situação será grave, porque significaria limitar uma expansão necessária. “Limitar a expansão no Brasil hoje seria um quadro seríssimo”.

Como o senhor avalia o cenário da Ciência e Tecnologia no país hoje? 
Nós temos um cenário que, por um lado, é marcado por um grande progresso da ciência brasileira, que resulta do esforço acumulado nos últimos 50, 60 anos, mas, em particular, de um esforço concentrado a partir da década de 1970 e, mais em particular ainda, de um esforço de apoio a partir do ano 2000, especialmente nos dois governos Lula.

Temos vários indicadores desse avanço. O Brasil forma hoje quase 12 mil doutores por ano, ocupa, no ranking das nações com números de publicações indexadas em revistas qualificadas, uma posição muito boa, é o 13º.

Em alguns setores da economia há uma clara interação positiva entre desenvolvimento científico e tecnológico e desenvolvimento econômico. Como exemplo, temos o caso da indústria do petróleo, da aeronáutica. Nós não podemos conceber a Embraer que existe hoje sem a criação do ITA, no início dos anos 1950. E há razoável consenso de que, sem a Embrapa, não teríamos chegado à posição que temos hoje em relação ao agronegócio.

Por outro lado, esse cenário não pode nos levar a uma posição de acomodação, de tranquilidade. Porque temos desafios para o desenvolvimento do país, que dependem crucialmente do desenvolvimento em ciência, da tecnologia e da melhoria das condições de educação.

Que desafios são esses?
O principal deles diz respeito ao seguinte: a força econômica do Brasil hoje está muito concentrada na produção de commodities, em mercadorias como petróleo, minerais, agricultura e pecuária. E, em geral, nossa produção não incorpora um volume muito significativo de conhecimento tecnológico.

Então, se o Brasil pretende ter uma inserção soberana na área internacional, e esse é o projeto do governo, nós temos que alterar o perfil da indústria brasileira, de modo a aumentar o peso daquela produção com maior conteúdo tecnológico.

Aqui no Ministério (de Ciência e Tecnologia) se costuma utilizar um número que ajuda a ilustrar essa questão: pra importar uma tonelada de circuitos integrados – todos esses computadores e aparatos de informática que o Brasil importa – o valor disso é basicamente o equivalente ao valor de 21 mil toneladas de minério de ferro ou 1,7 mil tonelada de soja.

Esse cenário é agravado por um desequilíbrio que o Brasil passa a ter nas contas, na medida em que os valores que temos gasto com importação nos últimos anos, em produtos de alta tecnologia, tem aumentado consideravelmente.

E, normalmente, os setores que exigem maior conteúdo tecnológico são setores da economia que oferecem empregos mais qualificados. Costumo sempre comparar dois extremos, os trabalhadores da construção civil, com os da Embraer. É evidente então que temos interesse em um número maior de empregos mais qualificados.

Quais os principais problemas na gestão de Ciência e Tecnologia?
Olival Freire: Nós temos um problema crucial que diz respeito à inovação. O número que normalmente chama a atenção é o de que, em qualidade da pesquisa, a gente está em 13ª posição no cenário internacional. Mas, quando olhamos, por exemplo, o número de patentes, a gente vai lá para trás. Vamos para a 40ª posição, coisa desse tipo.

Então temos uma clara assimetria no desenvolvimento científico e tecnológico no Brasil. Vários fatores têm contribuído para isso. Um deles é o fato de que o investimento privado em ciência e tecnologia no país é extremamente limitado.

Temos 1,2% do PIB investido em Ciência e Tecnologia. Mas, quando a gente desagrega esse número e o compara com outros países em desenvolvimento, vemos que o investimento público e estatal no Brasil não é um problema absolutamente crucial, ainda que precise ser ampliado. É no investimento privado que nós perdemos feio.

E como resolver essas questões?
Temos que aumentar o investimento privado, por exemplo, com a criação de centros de pesquisa, com atração de centros de pesquisa estrangeiros para o Brasil. A GE, por exemplo, está construindo um centro de pesquisa na ilha do Fundão, junto à UFRJ.

O ministério está trabalhando também a ideia de criação de novos fundos setoriais, fundos de captação de recursos de setores da economia para financiar o desenvolvimento tecnológico daqueles setores. Estamos propondo fundos dos setores automotivo, financeiro, da construção civil e da mineração. Essa é uma fórmula que foi muito positiva nos últimos dez anos, por exemplo, com o fundo do petróleo, que tem sido essencial no desenvolvimento científico e tecnológico da área da cadeia do petróleo.

Outra questão que já tinha sendo tratada e que o ministério pretende enfatizar é que as dificuldades não são só do lado das empresas, mas no mundo acadêmico brasileiro. Nós temos ainda uma cultura avessa, na academia, à interação com as empresas.

Já nas gestões anteriores, o governo tomou uma série de providências no sentido de colocar bolsas de pesquisas para a colocação de doutores em empresas e medidas desse tipo. Outra medida que está sendo analisada é a transformação da Finep em um banco de inovação, de modo que ela possa ter uma estrutura mais robusta de financiamento à inovação, com mais recursos e mais flexibilidade.

Também há a expectativa de um plano pró-engenharia, que envolve desde a oferta de bolsas para formar engenheiros, alguns estímulos para atrair e manter os estudantes nas escolas de engenharia, quanto a reformulação do ensino de engenharia, de modo que esse conjunto de esforços possa fazer face a um gargalo que há nessa área.

Qual o papel da Ciência e Tecnologia no governo Dilma? Quais as expectativas para esta área?
A sinalização é, no mesmo sentido do governo interior, de incremento na área. O assunto foi tema de campanha, foi tema do primeiro discurso da presidente Dilma e um aspecto importante é que ela tem colocado a ciência e tecnologia na agenda da diplomacia brasileira. Por exemplo, nos entendimentos com a China e os Estados Unidos, o componente ciência e tecnologia teve papel muito importante.

Então, certamente, todos nós temos uma elevada expectativa quanto a esse compromisso. O que não significa que não existam dificuldades, especialmente momentâneas, relacionadas a esses ajustes que o governo vem promovendo no início da gestão.

O contingenciamento de recursos pode afetar projetos em andamento?
Eu acho que o problema desse corte no orçamento não é tanto comprometer os projetos em curso. O problema é que vivemos uma fase de expansão, e uma expansão absolutamente necessária. E é claro que, se prevalecessem essas restrições ao longo de todo o governo, nós estaríamos diante de um quadro problemático, porque estaríamos limitando a expansão. Limitar a expansão no Brasil hoje seria um quadro seríssimo.

Então a nossa expectativa e luta é por uma modificação nesse cenário. Agora é uma luta que é do ministério, certamente a presidente Dilma tem uma posição favorável, mas é uma posição que depende também do Congresso Nacional e da sociedade brasileira.

Depende do Congresso porque, por exemplo, antes, havia um percentual do fundo do petróleo que era destinado especificamente para ciência e tecnologia. E, depois que a legislação do pré-sal foi aprovada,a distribuição desse percentual está descrita de forma genérica entre o que se chamou de obrigações sociais, e distribuído também com estados e municípios.

Temos consciência de que, com isso, não enfrentamos uma apagão de ciência e tecnologia em 2011 porque o presidente Lula, no último dia do governo, baixou um decreto, sustando por um ano a aplicabilidade desse aspecto da legislação do pré-sal. Então nós temos que modificar essa legislação.

E como sensibilizar para essa mudança?
O ministro esteve na Câmara e no Senado, aparentemente a reação inicial foi positiva, mas, em minha opinião, a ciência e tecnologia ainda são pouco valorizadas no cenário da cultura brasileira.

A sociedade precisa valorizar seus engenheiros e cientistas da mesma forma que valoriza seus jogadores de futebol, suas atrizes e seus cantores, para chegar a uma comparação extremada. De maneira mais específica, me chamou a atenção, por exemplo, que na composição do Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia, não tenha nenhuma central sindical.

O que significa isso? Não interessa ao trabalhador brasileiro a política de ciência e tecnologia? Eu acho que interessa. Agora por que não tem central sindical? Certamente isso é um vício do decreto que regulamentou esse conselho há muito tempo, mas expressa também pouco empenho das centrais em interferir nas questões de ciência e tecnologia.

Então tem que convencer o Congresso a reformar a lei, e tem a questão cultural. E a questão cultural às vezes está em uma camada do nosso imaginário que é mais profunda do que a questão política. Ninguém vai dizer que ciência e tecnologia não é um gasto tão relevante, mas no fundo age como se não fosse.

O CNPq está fazendo 60 anos. Que contribuição o senhor avalia que o conselho tem dado à ciência brasileira?
Eu comecei esta entrevista dizendo que temos um progresso nessa área que é resultado de um esforço de 50, 60 anos. E nesse período, nós tivemos marcos fundamentais, como a criação do CNPq.

No pós-guerra o mundo compreendeu claramente o papel da Ciência e Tecnologia. O radar e a bomba atômica tiveram papel crucial na guerra. Então o mundo saiu da 2ª Guerra entendendo que não pode ter país desenvolvido ou independente se não tiver desenvolvimento científico e tecnológico.

Nesse espírito, o Brasil criou o CNPq e a Caps, no mesmo ano, e também foi criado o ITA. Muito do que temos hoje de positivo na ciência brasileira tem uma fórmula simples: se você leva 60 anos apoiando uma atividade, com incentivos e bolsas, essa atividade vai frutificar.

O povo brasileiro não é nem mais nem menos inteligente que qualquer outro povo. Nesses 60 anos, com o CNPq dizendo que quem produzir e publicar vai ter incentivo, a sociedade brasileira passou a encarar a atividade científica como uma atividade importante. O CNPq, mais que uma agência financiadora, é um símbolo, um ícone.


* Nota da ASCOM/UEPB

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