Por José Carlos Ruy, do Portal Vermelho
Fundador do realismo literário moderno, o escritor francês Honoré de Balzac, sem ser aquilo que se convenciona chamar de romancista histórico, deu à literatura quase uma dimensão histórica- ou, dito de outra forma, deu expressão literária aos fenômenos políticos, sociais, econômicos, de seu tempo. Um tempo em que a burguesia emergia como a força social dominante, lançando os tentáculos do dinheiro e de sua forma de viver não só sobre o proletariado que estava sob seu tacão mas também sobre a velha aristocracia derrotada nas revoluções do final do século 18 e que, mesmo quando conseguiu restaurar parte de seu poder, só pode fazê-lo sob as formas e a lógica tipicamente burguesas.
Mesmo sendo um monarquista e partidário da aristocrqacia, Balzac (cujo aniversário se comemora no dia 20 de maio; ele nasceu em 1799 e viveu até 1850) não deixou suas convicções politicas embotarem o realismo com que encarou e descreveu a sociedade de seu tempo.
Esta é a tese defendida por Engels na carta endereçada à escritora socialista inglesa Margaret Harkness. Escrita em 1888, foi um dos textos onde Friedrich Engels manifestou opiniões elogiosas a respeito da obra de Honoré de Balzac.
Harkness foi autora de vários romances publicados no final do século 19 e havia enviado a Engels um exemplar de seu primeiro livro, “City Girl”. O ardor socialista naqueles anos. Mas hoje ela é lembrada principalmente pelos comentários de Engels a sua literatura.
Fundador do realismo literário moderno, o escritor francês Honoré de Balzac, sem ser aquilo que se convenciona chamar de romancista histórico, deu à literatura quase uma dimensão histórica- ou, dito de outra forma, deu expressão literária aos fenômenos políticos, sociais, econômicos, de seu tempo. Um tempo em que a burguesia emergia como a força social dominante, lançando os tentáculos do dinheiro e de sua forma de viver não só sobre o proletariado que estava sob seu tacão mas também sobre a velha aristocracia derrotada nas revoluções do final do século 18 e que, mesmo quando conseguiu restaurar parte de seu poder, só pode fazê-lo sob as formas e a lógica tipicamente burguesas.
Mesmo sendo um monarquista e partidário da aristocrqacia, Balzac (cujo aniversário se comemora no dia 20 de maio; ele nasceu em 1799 e viveu até 1850) não deixou suas convicções politicas embotarem o realismo com que encarou e descreveu a sociedade de seu tempo.
Esta é a tese defendida por Engels na carta endereçada à escritora socialista inglesa Margaret Harkness. Escrita em 1888, foi um dos textos onde Friedrich Engels manifestou opiniões elogiosas a respeito da obra de Honoré de Balzac.
Harkness foi autora de vários romances publicados no final do século 19 e havia enviado a Engels um exemplar de seu primeiro livro, “City Girl”. O ardor socialista naqueles anos. Mas hoje ela é lembrada principalmente pelos comentários de Engels a sua literatura.
Na carta, Engels refere-se ao realismo de Balzac que faz o escritor francês superar suas opiniões reacionárias ao descrever com cores fortes a ascensão dos valores burgueses na sociedade francesa de seu tempo.
Confira a carta enviada por Friedrich Engels a Margaret Harkenss:
Londres, início de abril de 1888
Cara Srta. Margaret Harkness
Agradeço muito por me enviar seu "City Girl", através dos Srs. Vizetelly. Eu o li com o maior prazer e avidez. É, na verdade, como meu amigo Eichhoff seu tradutor diz, kleines Kunstwerk ein ... (uma pequena obra de arte).
Se tenho algo a criticar, seria o fato de que talvez, afinal, o livro não é realista o suficiente. Realismo, em minha opinião, implica, para além da verdade dos detalhes, na reprodução de verdadeiros personagens típicos em circunstâncias típicas. Agora, seus personagens são típicos o suficiente, tanto quanto possível. Mas talvez as circunstâncias que os cercam e os fazem agir talvez não sejam parecidas. Em "City Girl" a classe trabalhadora é retratada como uma massa passiva, incapaz de ajudar a si mesma, não podendo mesmo demonstrar (fazer) qualquer tentativa de esforço nesse sentido.
Todas as tentativas de arrastá-la fora de sua apática miséria vêm de fora, de cima para baixo. Agora, se esta era uma descrição correta por volta de 1800 ou 1810, nos dias de Saint-Simon e Owen Robert, ela não pode aparecer assim em 1887 a um homem que durante quase cinquenta anos teve a honra de participar na maioria das lutas do proletariado militante. A reação de rebeldia da classe trabalhadora contra o meio opressivo que a rodeia, suas tentativas - convulsivas, semi-inconscientes ou conscientes - para recuperar sua condição de seres humanos, pertencem à história e devem reivindicar um lugar no domínio do realismo.
Estou longe de ver como uma falha o fato de você não ter escrito um romance socialista à queima-roupa, uma "tendenzroman" (um romance de tendência), como dizemos em alemão, glorificando o ponto de vista social e político do autor. Não é isso que quero dizer. Quanto mais as opiniões do autor permanecerem ocultas, melhor para a obra de arte. O realismo a que me refino revela-se a despeito das opiniões do autor. Deixe-me referir, por exemplo, a Balzac, a quem considero um mestre do realismo ainda maior do todos os Zolas do passado, presente e futuro. Em A Comédia Humana Balzac nos dá uma história maravilhosamente realista da "sociedade" francesa, especialmente do monde parisien (ao mundo social parisiense), descrevendo, na forma de crônica, quase ano a ano de 1816-1848 a ascensão progressiva da burguesia sobre a sociedade de nobres, que reconstituiu após 1815 e estabeleceu outra vez, na medida em que pode, o padrão da viellie politesse française (o refinamento francês).
Ele descreve como os últimos remanescentes deste mundo, que encarava como uma sociedade modelo, sucumbiram gradualmente ante a invasão dos vulgares arrivistas endinheirados, ou foram corrompidos por eles, como a grande dama cujas infidelidades conjugais não passavam de uma maneira de se acomodar com o modo como ela foi preparada em seu casamento, cedeu lugar à burguesia, e chifrava o marido por dinheiro ou cashmere. Em torno desta figura central Balzac agrupou uma história completa da sociedade francesa na qual, mesmo em pormenores econômicos (por exemplo, o rearranjo de bens móveis e imóveis após a Revolução), aprendi mais do que de todos os historiadores professos, economistas e estatísticos do período juntos.
Bem, Balzac era politicamente um legitimista; sua grande obra é uma elegia constante sobre a decadência inevitável da boa sociedade; suas simpatias são todas para a classe condenada à extinção. É por tudo isso que sua sátira nunca é aguçada, sua ironia nunca é amarga, mesmo quando ele põe em movimento os próprios homens e mulheres com quem simpatiza mais profundamente - os nobres. E os únicos homens de quem ele sempre fala com indisfarçável admiração, são os seus mais ferrenhos adversários políticos, os heróis republicanos do Cloître Saint-Méry, os homens, que na época (1830-6) foram de fato os representantes das massas populares. Que Balzac tenha sido obrigado a ir contra suas próprias simpatias de classe e preconceitos políticos, que tenha visto a necessidade da queda dos seus nobres favoritos, e que os tenha descrito como pessoas que não mereciam melhor sorte; e que tenha visto os verdadeiros homens do futuro no púnico lugar onde então eles só podiam ser encontrados – isto é o que considero um dos maiores triunfos do realismo, e uma das maiores características do velho Balzac.
Devo admitir, em sua defesa, que em nenhum lugar do mundo civilizado são os trabalhadores menos ativamente resistentes, mais passivamente submissos ao destino, mais hébétés (confusos) do que no East End de Londres. E como posso saber se você não tem boas razões para, contentando-se com uma imagem inicial da passividade da vida da classe trabalhadora, não tenha reservado o lado ativo para um outro trabalho?
Friedrich Engels
Confira a carta enviada por Friedrich Engels a Margaret Harkenss:
Londres, início de abril de 1888
Cara Srta. Margaret Harkness
Agradeço muito por me enviar seu "City Girl", através dos Srs. Vizetelly. Eu o li com o maior prazer e avidez. É, na verdade, como meu amigo Eichhoff seu tradutor diz, kleines Kunstwerk ein ... (uma pequena obra de arte).
Se tenho algo a criticar, seria o fato de que talvez, afinal, o livro não é realista o suficiente. Realismo, em minha opinião, implica, para além da verdade dos detalhes, na reprodução de verdadeiros personagens típicos em circunstâncias típicas. Agora, seus personagens são típicos o suficiente, tanto quanto possível. Mas talvez as circunstâncias que os cercam e os fazem agir talvez não sejam parecidas. Em "City Girl" a classe trabalhadora é retratada como uma massa passiva, incapaz de ajudar a si mesma, não podendo mesmo demonstrar (fazer) qualquer tentativa de esforço nesse sentido.
Todas as tentativas de arrastá-la fora de sua apática miséria vêm de fora, de cima para baixo. Agora, se esta era uma descrição correta por volta de 1800 ou 1810, nos dias de Saint-Simon e Owen Robert, ela não pode aparecer assim em 1887 a um homem que durante quase cinquenta anos teve a honra de participar na maioria das lutas do proletariado militante. A reação de rebeldia da classe trabalhadora contra o meio opressivo que a rodeia, suas tentativas - convulsivas, semi-inconscientes ou conscientes - para recuperar sua condição de seres humanos, pertencem à história e devem reivindicar um lugar no domínio do realismo.
Estou longe de ver como uma falha o fato de você não ter escrito um romance socialista à queima-roupa, uma "tendenzroman" (um romance de tendência), como dizemos em alemão, glorificando o ponto de vista social e político do autor. Não é isso que quero dizer. Quanto mais as opiniões do autor permanecerem ocultas, melhor para a obra de arte. O realismo a que me refino revela-se a despeito das opiniões do autor. Deixe-me referir, por exemplo, a Balzac, a quem considero um mestre do realismo ainda maior do todos os Zolas do passado, presente e futuro. Em A Comédia Humana Balzac nos dá uma história maravilhosamente realista da "sociedade" francesa, especialmente do monde parisien (ao mundo social parisiense), descrevendo, na forma de crônica, quase ano a ano de 1816-1848 a ascensão progressiva da burguesia sobre a sociedade de nobres, que reconstituiu após 1815 e estabeleceu outra vez, na medida em que pode, o padrão da viellie politesse française (o refinamento francês).
Ele descreve como os últimos remanescentes deste mundo, que encarava como uma sociedade modelo, sucumbiram gradualmente ante a invasão dos vulgares arrivistas endinheirados, ou foram corrompidos por eles, como a grande dama cujas infidelidades conjugais não passavam de uma maneira de se acomodar com o modo como ela foi preparada em seu casamento, cedeu lugar à burguesia, e chifrava o marido por dinheiro ou cashmere. Em torno desta figura central Balzac agrupou uma história completa da sociedade francesa na qual, mesmo em pormenores econômicos (por exemplo, o rearranjo de bens móveis e imóveis após a Revolução), aprendi mais do que de todos os historiadores professos, economistas e estatísticos do período juntos.
Bem, Balzac era politicamente um legitimista; sua grande obra é uma elegia constante sobre a decadência inevitável da boa sociedade; suas simpatias são todas para a classe condenada à extinção. É por tudo isso que sua sátira nunca é aguçada, sua ironia nunca é amarga, mesmo quando ele põe em movimento os próprios homens e mulheres com quem simpatiza mais profundamente - os nobres. E os únicos homens de quem ele sempre fala com indisfarçável admiração, são os seus mais ferrenhos adversários políticos, os heróis republicanos do Cloître Saint-Méry, os homens, que na época (1830-6) foram de fato os representantes das massas populares. Que Balzac tenha sido obrigado a ir contra suas próprias simpatias de classe e preconceitos políticos, que tenha visto a necessidade da queda dos seus nobres favoritos, e que os tenha descrito como pessoas que não mereciam melhor sorte; e que tenha visto os verdadeiros homens do futuro no púnico lugar onde então eles só podiam ser encontrados – isto é o que considero um dos maiores triunfos do realismo, e uma das maiores características do velho Balzac.
Devo admitir, em sua defesa, que em nenhum lugar do mundo civilizado são os trabalhadores menos ativamente resistentes, mais passivamente submissos ao destino, mais hébétés (confusos) do que no East End de Londres. E como posso saber se você não tem boas razões para, contentando-se com uma imagem inicial da passividade da vida da classe trabalhadora, não tenha reservado o lado ativo para um outro trabalho?
Friedrich Engels
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