sexta-feira, 27 de maio de 2011

Entre Marx, Freud e Sartre



Por Maria Elisa Cevasco, da Folha de São Paulo

RESUMO
O crítico cultural americano Fredric Jameson comenta o conceito de dialética espacial, desenvolvido por ele para pensar as relações entre centro e periferia; reflete sobre os efeitos da globalização na produção intelectual e comenta aspectos de sua formação, lastreada nas teorias de Marx, Freud e Sartre.

O mais importante problema trazido pela globalização para os intelectuais, segundo o crítico cultural americano Fredric Jameson, é "o surgimento de novas ideias políticas". "É uma tarefa fundamental que ainda precisa ser realizada. É muito estimulante saber que existem novos problemas para serem resolvidos, novas ideias para serem concebidas", afirmou o crítico em entrevista à professora Maria Elisa Cevasco, por telefone, traduzida por Paula Carvalho.
Teórico da pós-modernidade e um dos mais influentes pensadores marxistas, o autor de "A Virada Cultural - Reflexões sobre o Pós-Moderno" veio ao Brasil abrir a série de oito conferências da edição 2011 do ciclo Fronteiras do Pensamento.

 Em "Valences of Dialectic" (2009), o sr. desenvolve a ideia de dialética espacial, a fim de criar uma descrição mais adequada à globalização. Quais são as especificidades de pensar o sistema mundial do centro e da periferia?
Precisamos desesperadamente, na política, de um contrapeso ao poder americano. Antes, os países socialistas faziam esse contrapeso. A esperança é que da aliança de Brasil, China, Índia etc., os poderes do Terceiro Mundo, -se é que ainda podemos chamá-los assim-, apareça uma nova força contrária.
As revoltas islâmicas também podem contrabalançar a centralidade americana. Não digo essas novas revoluções, mas o movimento jihadista era, até certo ponto, antiamericano, mas não era anticapitalista. A questão é onde, no mundo, esse movimento pode tomar um rumo não capitalista.

Isso mudaria a forma como pensamos o sistema mundial?
Mudaria um pouco, sim. O que permitiria tornar outras coisas possíveis. O peso do dinheiro americano é tão grande que é difícil ver como outros modos de vida podem se desenvolver e não serem influenciados pelo americano.
Acredito que as políticas alternativas que estamos procurando não são nem socialistas, nem capitalistas, mas gaullistas, no sentido de [Charles] de Gaulle [presidente da França, 1959-69]. Ele fez com que a França se tornasse independente dos poderes americano e soviético.
A China pode ser independente dos EUA, mas recebeu entusiasticamente o modo de desenvolvimento americano. O Brasil era mais distante dos EUA em relação aos países latino-americanos, por isso tem uma tradição cultural e política diferente bastante promissora.
Para o Primeiro Mundo capitalista, é muito importante pensar num espaço que está fora de nós. Um país como o Brasil nos permite pensar um tipo diferente de desenvolvimento, um espaço onde é possível imaginar a existência de coisas inconcebíveis dentro desse sistema.

No seu prefácio a "Jameson on Jameson" (2007), o sr. afirma que a nova globalização inaugura um conjunto estimulante de novas atividades intelectuais, levando a uma reinvenção da vocação dos intelectuais. Como isso se dá?
A passagem da globalização da era dos imperialismos para a realidade global contemporânea precisa ser transcodificada, a fim de que as linguagens e os problemas do passado sejam traduzidos para a atualidade -é uma eterna reinterpretação dos conceitos do passado. Hoje, temos novas formas e experiências, novas temporalidades e manifestações artísticas, que ainda precisam ser descritas. O mais importante, no entanto, é o surgimento de novas ideias políticas. É uma tarefa fundamental que ainda precisa ser realizada. É muito estimulante saber que existem novos problemas para serem resolvidos, novas ideias para serem concebidas.

O artigo "Metacommentary", de 1971, inaugura uma série de "invenções categóricas" que incluem o inconsciente político, a transcodificação e o mapeamento cognitivo. Essas categorias estão a serviço de quais necessidades?
A ideia de inconsciente político está ligada à interpretação do texto, o que está por trás dele, e, no final das contas, à própria ideologia e à natureza da ideologia como uma forma de inconsciente. Tentei explorar, e até desvelar, um conceito mais novo e complexo de ideologia que o tradicional. Não chamaria de freudo-marxismo, mas seria uma combinação de Marx e Freud. Assim como para Freud há um inconsciente, que se volta para experiências da infância etc., há também um inconsciente marxiano, que é a fonte da ideologia.
E Sartre também foi importante para mim nessa questão, já que ele também estava muito interessado na formação dos princípios ideológicos na criança, para além do tipo freudiano. O inconsciente político cobre essa área como um problema, não como um conceito ou uma solução.
O problema freudiano é saber onde nos situamos em relação a outros indivíduos, e como eles nos veem e como nós os vemos, enquanto que o problema marxiano é saber onde nos posicionamos em termos nacionais, e como isso se relaciona com o posicionamento em termos nacionais de outras pessoas, como elas nos veem etc. É um nível coletivo cuja importância não é reconhecida da mesma maneira que o inconsciente individual freudiano, por exemplo.
Não só devemos saber onde nos posicionamos individualmente, quem somos, qual é a nossa identidade, mas também temos de refletir sobre a nossa posição no sistema mundial e como isso afeta as nossas identidades coletivas. Acho que está subentendido que, para certas pessoas que vivem em determinadas partes do mundo, é mais fácil mapear a própria posição em relação ao resto da humanidade do que em outros lugares.
Por exemplo, temos um problema especial nos Estados Unidos. Não é só por sermos um país de grandes dimensões, como Rússia e China, que nunca pensamos no mundo lá fora; há também uma certa cegueira do centro, que dificulta a compreensão dos contextos de outros países e do significado de atos culturais e políticos.
Já países que sofrem o peso de forças e centros vindos do fora (como o Brasil) conseguem ter uma visão mais clara do mundo lá fora, e da posição que ocupam nesse mundo em relação a esses centros. Portanto, a margem tem uma vantagem epistemológica sobre o centro e, talvez, os seus mapeamentos cognitivos sejam mais reveladores, ricos e interessantes dos que aqueles disponíveis nos centros de poder.

Que formas de arte incorporam as contradições sociais da atualidade?
Isso muda de acordo com o momento histórico. Em certos momentos históricos, uma forma de arte -como a pintura- concentra todas as outras formas...

Como a influência do romance no século 19?
Sim, mas, nas artes literárias, também a poesia. Na pós-modernidade, seriam formas visuais, como a fotografia. Há sistemas de belas-artes que passam por transformações constantes, em que um aspecto dominante se torna, em seguida, subordinado.

Que formas de arte chamam mais a sua atenção hoje?
As artes literárias tornaram-se mais subordinadas. A gastronomia se tornou uma grande arte. Para mim, a pintura é uma arte bastante reveladora. Mas a meu ver, todas as artes estão passando por uma crise. Talvez a própria escrita da teoria seja essa arte dominante.

Gostaria que comentasse sobre a sua formação e suas influências intelectuais.
Não sei se a dialética é o eixo central da minha obra. Embora possa discorrer sobre a minha formação intelectual, não gosto muito de autobiografias intelectuais. Mas posso dizer que a minha formação filosófica é sartriana, não só em termos existencialistas, mas também por um forte hegelianismo, e, numa fase posterior, uma maior ênfase no marxismo. Ou seja, a tradição francesa.
É importante ressaltar que, por vários acasos na minha vida, fiquei fluente em francês e alemão e, por isso, tive acesso a textos estruturalistas, dialéticos e psicanalíticos. Talvez seja essa combinação que forneça ao meu trabalho sua distinção identitária. Ainda me surpreendo com o quanto ainda sou sartriano. Mas, claro, que tive outras influências.

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