sexta-feira, 30 de julho de 2010

Dia do silêncio em um mundo carregado de comunicação e entropia



Por Juliana Rosas, da ASCOM/UEPB


Na primeira quinzena deste mês de julho, a imprensa italiana fez uma interessante manifestação de repúdio à nova ação do governo, ao que estão chamando “lei da mordaça”, do Governo de Silvio Berlusconi, que limita o uso e difusão das escutas telefônicas nas investigações oficiais. A iniciativa, convocada pela Federação Nacional da Imprensa Italiana (FNSI), teve forte repercussão em jornais, rádios, canais de televisão e agências de notícias, o que propiciou ao país viver uma autêntica jornada de “blecaute midiático”.

Os jornalistas alegam que a norma, que prevê penas de até 30 dias de prisão e sanções de até 10 mil euros para os jornalistas que publicarem as escutas durante as investigações, é, sem dúvida, o maior foco de polêmicas enfrentado, atualmente, pelo primeiro-ministro Silvio Berlusconi e representou um novo motivo de divisão interna dentro de seu partido, o Povo da Liberdade (PDL).

No dia da manifestação, 09 de julho, nas bancas do país, somente um número muito pequeno de jornais foi encontrado, entre eles "Il Giornale", o jornal da família Berlusconi. Além de aderir à greve, jornais de referência do país deixaram até seus sites desatualizados e com declarações públicas justificando a iniciativa.

Os jornalistas italianos asseguram que este Projeto de Lei, que limita há 75 dias o tempo que podem durar as escutas durante as investigações e que fixa multas entre 300 e 450 mil euros para os que não o cumprirem, vai contra o direito de informação dos cidadãos.

O fato me fez pensar num artigo que li, já há alguns anos, de Bernardo Kucinski na edição brasileira dos cadernos Le Monde Diplomatique, mas que por coincidência, caiu mais uma vez nas minhas mãos, recentemente. O artigo, que mais tarde veio a integrar o livro deste autor, “Jornalismo na Era Virtual”, editado em 2005 pela Fundação Perseu Abramo/Unesp, intitulava-se “Do discurso da ditadura à ditadura do discurso”. Um belo título para um belo texto. E não só belo. Competente, inspirado e inspirador.


Os paradoxos de Kucinski

Em seu texto, Kucinski relata dez paradoxos do jornalismo brasileiro neoliberal dos tempos atuais. Começa assim: “Nunca houve tanta falta de pluralismo na mídia brasileira como nos tempos atuais de hegemonia do neoliberalismo. Trata-se de um paradoxo porque, o neoliberalismo dá grande importância ao que “chama mercado de idéias”, o intercâmbio livre de idéias e propostas controversas, como melhor meio de se chegar às soluções mais justas e eficazes para o conjunto da sociedade. Esse é o nosso primeiro paradoxo. Não há mercado de idéias no neoliberalismo brasileiro. No espaço midiático em que deveria acontecer esse processo de intercâmbio de idéias, deu-se no Brasil a uniformização ideológica.”.

Claro que o fato motivador do texto atual veio da imprensa italiana. “E o que isso tem a ver conosco?”, podem perguntar. O que tento dizer aqui é, em tempos neoliberais como os nossos, em que teoricamente se esmera a liberdade, tal acontecimento é fato surpreendente. E esse cerceamento da liberdade de pensamento muitas vezes não é percebido nem pelos que deveriam primar e lutar por isso: os jornalistas. Como afirma Kucinski: “O jornalista jovem é hoje, entre todos os brasileiros, o que mais se identifica com o neoliberalismo e, no entanto, o mais estressado pelos processos de alienação no ambiente de trabalho. Esse é o nosso quinto paradoxo.”.

Daí nos causar surpresa o fato de que a quase totalidade de jornalistas de todo um país europeu fazer uma greve, paralisar suas atividades; num ofício que o fluxo contínuo é uma ordem em um mudo onde a democracia é mais exaltada que praticada. É uma ação distinta num meio de falta de pluralidades, como lembra Kucinski. Um puxão de orelha nos donos do discurso numa época de discurso único.


O outro lado

Não podemos deixar de discutir também o outro lado. Creio que a mídia em geral deva ter precauções no manejo das informações. Costuma-se ter um consenso geral de que a liberdade plena é poder divulgar o que quiser e em primeira mão. Deste modo, a informação e a avaliação desta para a população acabam ficando no prejuízo.

Na questão italiana, vemos uma tentativa de o governo restringir as informações do próprio governo. Em especial das investigações deste e sobre os que dele fazem parte. Isso é de fato, um golpe contra a democracia, pois esta se baseia no princípio da transparência do governo e seus representantes.

De todo modo, é uma ação a se reconhecer e refletir, pois como afirma nosso mentor de hoje (Kucinski), vivemos uma era de mesmice jornalística. E mesmice dos jornalistas. “Os estudiosos do nosso jornalismo chegaram a cunhar uma expressão para designar a uniformidade de todos os jornais na era neoliberal: a mesmice jornalística. Os jornais de referência nacional se tornaram tão parecidos que é comum confundir um com o outro nas bancas de revistas. Trazem as mesmas manchetes, as mesmas fotos dispostas da mesma forma, e os mesmos nomes de colunistas.”. Uma sacudida que nos faça lembrar sobre nossa possível responsabilidade diante dos fatos do mundo e os valores da sociedade contemporânea não faz mal a ninguém.

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