quinta-feira, 7 de julho de 2011

Kahn, Kadafi, gênero, violência e poder


Por Juliana Rosas, da ASCOM/UEPB

Não sou fã do status quo que apresenta o noticioso global Jornal Nacional, porém, a edição da última sexta-feira (01) me surpreendeu ao exibir uma reportagem sobre violência doméstica após a matéria sobre a reviravolta no caso do ex-diretor do Fundo Monetário Internacional (FMI), o francês Dominique Strauss-Kahn.

Strauss-Kahn foi detido em 14 de maio deste ano, em Nova York, EUA, sob acusação de agressão sexual a uma camareira em um hotel local. Submetido à prisão domiciliar e estrita vigilância, ele foi colocado em liberdade na última sexta-feira (01), após declaração da justiça estadunidense de que a acusadora havia “mentido deliberadamente” ao tribunal, pondo em risco sua credibilidade.

O tom da notícia, que registrava fortes acusações à camareira (suposta vítima), deixava margem agora para uma virada de opiniões e tomadas de partido. A, a princípio, frágil, camareira, mulher, em situação desigual, não poderia estar mentindo e era, de fato, uma vítima. Era a opinião dominante até então. Mas com as acusações de que seus depoimentos eram contraditórios, que ela havia ligado para um traficante logo após o suposto crime e também de agora sabermos que ela é uma imigrante nos EUA que teria mentido durante o processo de estadia, tendemos a mudar de pensamento.

Os machistas ou desconfiados de plantão deveriam estar pensando (e transcrevo aqui uma versão educada do que muitos realmente diriam) “eu sabia, essa vadia, só queria se aproveitar, mulher é assim mesmo...”.

Eu, como cidadã totalmente antimachista e preocupada com os valores humanos, pensei “Já era. Verdade ou não, agora todas as opiniões se voltam contra a suposta vítima e devem estar pensando ‘essa vadia mentirosa... ’.”

Para minha surpresa, uma reportagem sobre violência doméstica veio logo em seguida. E desta vez, não deixava margem para a defesa do machismo (pelo menos não em uma mente sadia). Até o apresentador William Bonner começou a cabeça da matéria num tom denunciador contra a violência: “Hoje, no estado de São Paulo, quase acabou em tragédia uma história de violência silenciosa. Um caso daqueles em que a mulher agredida reluta em pedir ajuda ou não denuncia o agressor.” A matéria mostrava uma mulher que tinha sido espancada brutalmente e mantida presa em sua casa pelo ex-marido, tendo quase sido morta e salva pela ação de policiais.

O agressor não admitia a separação e já a tinha violentado anteriormente. Ela havia prestado queixa, mas resolveu não seguir com o processo. A reportagem atentava para o fato de que as mulheres não deveriam fazer isso, que esse tipo de atitude empodera o agressor e fragiliza a vítima, abrindo margem para novas agressões, como foi o caso mostrado.

Nós, pessoas comuns, podemos não perceber, mas fazendo um esforço não é difícil notar as evidências da dominação masculina no mundo. Até nas menores coisas, mesmo nas sutilezas. São séculos de dominação que ainda persistem e que, infelizmente, não desaparecerão de uma hora para a outra. No entanto, devemos prestar atenção para que não deixemos nossos anseios primitivos falarem antes de saber a verdade. O cotidiano privado e também o midiático estão cheios de crimes de gênero e atrocidades que ainda se cometem contra as mulheres.

O ditador líbio Muamar Kadafi está sendo acusado pelo Tribunal Penal Internacional (TPI) por usar o estupro como arma de guerra. A possibilidade dos militares terem recebido medicamentos como Viagra para aumentar a libido durante o combate, como parte de uma política oficial de estupros, está sendo investigada.

“Tivemos dúvidas no início, mas agora estamos mais convencidos de que Kadafi decidiu castigar mulheres mediante estupros”, afirmou o procurador do Tribunal Penal Internacional, Luis Moreno-Ocampo. “É algo terrível, além dos limites, eu diria”, enfatizou o jurista numa matéria publicada no Portal Terra (08/06/2011).

Esse fato, entre tantos outros de violência, castigos, crimes, etc., contra as mulheres é execrável. Por que não nos inflamos a ouvir tal notícia? Por que não temos o mesmo desejo de justiça? Por que não ouvimos tais casos serem levados a tribunais, como no caso Strauss-Kahn?

Segundo o sociólogo francês Pierre Bourdieu, que inclusive é autor de um livro chamado “A dominação masculina”, esta se mantém não só pela preservação de mecanismos sociais, mas pela absorção involuntária, por parte das mulheres, de um discurso conciliador. Os pensamentos do sociólogo são sofisticados. Claro que esse essas ações são recobertas pelo fino véu do cotidiano, por discursos escamoteados, por ações dúbias. Em casos como a falta de respeito às mulheres em alguns países do Oriente Médio, é simplesmente uma estupidez de países ainda sem democracia, ou seja, que não respeitam seus habitantes como indivíduos, como iguais e muitas vezes nem como seres humanos. Não conseguiram a laicidade do Estado, mascarando práticas horrendas sob uma má interpretação da religião. Utilizando-se do discurso religioso para manipular as massas e justificar seu poder.

Em tempo
Testes forenses haviam confirmado o encontro sexual entre o ex-diretor do FMI e a autora da acusação. Favorito nas pesquisas presidenciais francesas de 2012, Strauss-Kahn continua respondendo por sete acusações baseadas em tentativa de estupro e violência sexual, passíveis de até 74 anos de prisão. Sua próxima audiência está prevista para o dia 18 de julho.

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