Por Jomar Ricardo da Silva - Professor do DFCS da UEPB. Defendeu a Tese na UFRN em 2007 com o título: “A educação da mulher em Lima Barreto. Membro do Neab-Í (Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros e Indígena) e coordenador da Especialização em História e cultura afro-brasileira.
Afonso Henrique de Lima Barreto nasceu em 13 de maio de 1881, no Rio de Janeiro. Neto de escravos e filho do tipógrafo João Henrique Lima Barreto e da professora primária Amália Augusta Barreto, ficou órfão materno aos sete anos de idade. Posteriormente, numa de suas crônicas, deu a conhecer a consciência étnica e social que tinha de si mesmo: “Nasci sem dinheiro, mulato e livre”.
Essa autoconcepção foi proporcionada pela sociedade em que ele vivia, pelas relações com pessoas brancas e pertencentes a extratos sociais superiores aos seus. Isso porque segundo o sociólogo Otávio Ianni, “mais do que os outros habitantes da cidade, eles [negros e mulatos] têm consciência aguda do seu corpo e da sua personalidade”. Sua obra e consciência étnica estavam no âmbito da realidade que dela emerge e que com ela estabelece diálogo. Seus escritos registram os acontecimentos sociais resultantes das redefinições sucedidas no país e no mundo, durante a segunda metade do século XIX.
Nesse período o Brasil passava por transformações de ordem econômica, política e social. Poucos anos após o nascimento de Lima Barreto foi proclamada a República (1889) e sancionada a Abolição da escravatura (1888). Estes dois fatores para a historiador Emília Viotti da Costa, são, na verdade, “sintomas de uma mesma realidade”; repercussões na esfera institucional das mudanças ocorridas na estrutura do país.
Nesse contexto em que Lima Barreto se inseria, havia uma discussão sobre raça e miscigenação que associava o conceito de etnia à perspectiva de desenvolvimento político, social e econômico do país. Entre os intelectuais que debatiam o sentido da nação a partir do conceito de eugenia, encontravam-se escritores, literatos e pensadores sociais.
Ele, ao contrário de autores como Oliveira Viana e Graças Aranha que interpretavam por um viés social as ideias do evolucionismo de Lamarck e Darwin, avaliava a falta de posicionamento crítico em relação ao cientificismo predominante na época e chegou na crônica “Considerações oportunas” (1919) a contestar a adesão a esses princípios na condição de credo religioso: “Afirmava-se como artigo de fé (o que hoje não é), depois dos trabalhos de Lamarck e Darwin, mais com aquele do que com este, que os caracteres adquiridos pelo indivíduo se transmitem por hereditariedade e se fixavam na sua descendência”.
Desse modo, insurgia-se contra uma representação de ciência que, no interior campo social, produzia conhecimento para classificar, discriminar e excluir. Naquela época Lima Barreto já percebia o caráter contingente do saber dito científico e questionava a objetividade das suas verdades: “Cada autor faz um poema à raça de que parece descender ou com que simpatiza, por isto ou por aquilo. Os seus dados, as insinuações, os seus índices [...] são interpretados ao sabor da paixão oculta ou clara de cada dissertador”. Para o escritor carioca, as teorias racistas escondiam ódios às diferenças étnicas e culturais, para com isso legitimar a superioridade de um grupo, com o propósito de garantir os interesses de classe.
A trajetória do escritor Lima Barreto veio demonstrar que a ascensão de pessoas pertencentes à etnia negra, poderia se efetivar pelo desempenho intelectual. Por receber estímulos na família em que nasceu - o pai lia em francês e a mãe foi professora – desenvolveu aptidões intelectuais. Teve a ousadia de querer ser reconhecido como um grande escritor da época, entretanto, apesar de sua capacidade, foi segregado socialmente. Ao invés de responsabilizar o atraso do país por razões raciais, apontou os entraves que a economia exportadora cafeeira e o latifúndio traziam para o crescimento da nação através das obras de ficção, análises conjunturais e crônicas jornalísticas que escreveu.
Lima Barreto retratou em sua obra a cidade do Rio de Janeiro, com as tensões sociais peculiares ao período dos primeiros vinte anos da República. As suas personagens traziam os mesmos problemas que os membros dessa sociedade vivenciavam. Morreu em 1922, ainda jovem, aos 42 anos, em vista a complicações provocadas por excesso de bebida alcoólica, de colapso cardíaco, sem o reconhecimento literário que tanto almejou para si.
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