terça-feira, 18 de maio de 2010

Coletânea resgata lado poeta de Machado de Assis


Por Marco Rodrigo Almeida, da Folha de São Paulo  

Mesmo quem não é especialista em literatura conhece frases como "Marcela amou-me durante quinze meses e onze contos de réis" ou "Não tive filhos, não transmiti a nenhuma criatura o legado de nossa miséria", ambas de "Memórias Póstumas de Brás Cubas".

Muito mais difícil é achar quem saiba um verso do mais importante escritor brasileiro. Também no meio acadêmico a pesquisadora Rutzkaya Queiroz dos Reis constatou essa situação quando começou a estudar as poesias de Machado de Assis (1839-1908) em 1999.

Tal "estranheza" motivou sua tese de mestrado e ganha as páginas de livro com o lançamento de "A Poesia Completa". O livro traz 214 poemas, entre obras originais e traduções feitas por ele, além da recepção dos críticos da época.

Há ainda uma paródia da "Divina Comédia", de Dante, atribuída a Machado e publicada só agora em livro. Recuperada em 2008 pelo pesquisador Eugêncio Vinci de Moraes, a poesia foi escrita em 1874 na revista "Semana Ilustrada".

Outra preocupação da pesquisadora foi corrigir os inúmeros erros dos quais a produção poética de Machado foi vítima em edições anteriores. Segundo ela, é comum encontrar poemas com versos suprimidos e palavras trocadas. Apesar de relegada a um segundo plano na obra de seu autor, o "lado poeta" foi constante na carreira de Machado. Em 1854, aos 15 anos e muito antes de escrever os primeiros romances, publicou um soneto no "Periódico dos Pobres".

Dez anos e muitos versos depois, surge o primeiro livro de poemas, "Crisálidas". Os elogios, se não foram unânimes, foram os melhores que o Machado poeta recebeu em vida: havia ali, segundo um crítico da época, "robustas esperanças da poesia nacional".

Os seguintes, "Falenas" (1870) e "Americanas" (1875), porém, não corresponderam às expectativas. Eram tidos como de estilo "tardio e inadequado". Os elogios só voltariam em maior número no último volume poético de Machado, "Poesias Completas" (1901), que, aos livros anteriores, acrescentava as obras de "Ocidentais", hoje tidas como suas melhores.

Mesmo assim, com sérias restrições. Em texto da época, Múcio Teixeira disse que Machado encheu 376 páginas de versos "sem poesia" e de "uma monotonia soporífera". "Pelos parâmetros da crítica", avalia Reis, "Machado, de um modo geral, ficou com a imagem de ser, além de mau poeta, um poeta conservador". Antonio Carlos Secchin, poeta e membro da Academia Brasileira de Letras, diz que o Machado poeta foi eclipsado pelo "peso arrasador" do prosador.

"Ele tem apuro técnico, faz uma poesia mediana. Acontece que os poemas são sempre medidos pelos romances e, aí, a comparação é imensamente desfavorável aos poemas." Valentim Facioli, professor da USP e dono da editora Nankin, é um dos raros defensores dos versos machadianos.

"Machado não embarcava nos valores nacionalistas ou paisagistas. Como nos romances, era mais um poeta do pensamento do que da emoção. Por isso não foi compreendido". Acrescenta ainda que a poesia machadiana é rica em formas, rimas e metáforas. "No século 19, apenas Gonçalves Dias e Cruz de Souza foram maiores que ele na poesia brasileira".

A POESIA COMPLETA
Autor: Machado de Assis
Organização: Rutzkaya Queiroz dos Reis
Editora: Nankin/Edusp
Quanto: R$ 100 (752 págs.)

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