quarta-feira, 21 de março de 2012

Repúdio ao discurso do governador Ricardo Coutinho

Por Marcelo Medeiros da Silva (docente do Curso de Letras da UEPB - Campus VI em Monteiro)


Não estive presente à solenidade de posse dos nossos colegas professores que, recentemente, passaram em concurso para o magistério de nosso Estado. Gostaria muito de ter estado lá, sobretudo, se eu tivesse a oportunidade de conversar frente a frente com o nosso ilustre e insigne governador para poder fazer algumas retificações na fala dele. Não sei até que ponto a nossa Paraíba tem um governo de vergonha. Creio que deveríamos dizer o contrário: um governo que nos faz vergonha pela intransigência, autoritarismo, falta de diálogo, mas, sobretudo, um governo que foi matreiro e agiu de má fé quando a nossa instituição foi compreensiva e aceitou o valor que àquela época o senhor governador, recém-empossado, disse que poderia disponibilizar à UEPB, já que precisava fazer ajustes na conta do Estado. 

Não peço desculpas se estou carregando nas minhas palavras e não o faço porque, como docente da UEPB, aprovado em concurso público, egresso do curso de Letras da UEPB, com mestrado pela UFCG e doutorado pela UFPB, senti-me ofendido quando o senhor governador disse que éramos uma casta. Senti-me profundissimamente atacado porque, caro governador, professor universitário não é privilegiado. 

Nós investimos em nossa formação, desenvolvemos pesquisa, formamos os professores da educação básica, isso só não justifica o salário que recebemos? Se não, então lhe pergunto: o que o senhor faz pelo nosso Estado que possa justificar o seu salário e de todo o seu séquito? Acho que a casta não está instalada em nossa instituição não! Do contrário, por que estaríamos contribuindo para a formação de muitos dos professores que atuam na educação básica? Posso ser repetitivo, mas a repetição, aqui, faz-se necessária: os professores para os quais o senhor, durante a solenidade de posse, pediu respeito foram, creio eu, em sua grande parte, formados pela UEPB. Isso, por si só, mostra que a UEPB desempenha um papel muito relevante em nosso Estado. 

No momento em que o senhor ataca aqueles que, na sua opinião, formam uma casta, queria saber qual a concepção que o senhor tem de educação e, sobretudo, do profissional da Educação e do papel da universidade na promoção de mudanças em todas as esferas sociais. Gostaria de que me respondesse a que se resume o papel de um universidade em sua óptica. Se a UEPB não atingiu todo o nosso Estado, ela ainda não o fez porque nós, que a compomos, acreditamos que a universidade deve ser pública e de qualidade. Para isso, é preciso verba, investimento. E diminuindo o repasse, fixando-o arbitrariamente, o senhor impossibilita que cresça a instituição que para o senhor deveria estar presente em toda a Paraíba. 

Se bem que, a contar pelo perfil de alunos/as, funcionários/as, professores/as, que a UEPB tem, ela, de fato, mais do que estar em todo o Estado, possibilita que pessoas de todo o nosso estado e de outros também façam parte de seus quadros. Logo, a UEPB não é instituição de um único grupo. Mas, voltando, a não ser que, na sua cabeça, universidade resuma-se a apenas sala, quadro, professor e aluno, se for apenas isso, seria muito fácil expandir a UEPB a todos os municípios do Estado. 

Mesmo dentro das limitações orçamentárias, já que a verba, como querem fazer crer, não é apenas para pagamento de folha de pessoal, mas, sobretudo, para investimentos nas mais diversas áreas, a nossa UEPB chegou a regiões de nosso Estado que, durante anos, ficaram esquecidas dos poderes públicos, justamente porque era conveniente para muitos que a populações de tais regiões ficassem no ostracismo sem poder ter vias de reivindicação de novas formas de ser e de existir. Sou docente do curso de Letras do Campus VI, situado na cidade de Monteiro, cidade que aprendi, nesses três anos em que estou no CCHE, a amar porque me encantei em prosa e em verso pela gente e pela paisagem daqui. E a presença de nosso campus VI é uma prova de que, se a UEPB não tivesse desenvolvido o projeto de interiorização, muitos de nossos alunos e alunas teriam restringido a formação deles apenas ao ensino médio e estariam, portanto, sem a possibilidade de vislumbrar um futuro além do cabo da enxada. 

Ao propiciar aos nossos/as discentes a possibilidade de um futuro diferente do que tiveram os pais deles/as e promover uma consequente mobilidade social de sujeitos que, durante muito tempo, estiveram longe das estruturas hegemônicas de poder, a UEPB não está apenas dizendo que os órgãos públicos são do povo. Ela está mostrando, na prática, que os órgãos públicos são do povo e para o povo. O povo paraibano paga com o suor do próprio rosto os investimentos que vêm para a UEPB, e a nossa instituição devolve tal investimento propiciando uma educação de qualidade e fornecendo serviços gratuitos à comunidade, serviços esses que vão desde cursos nas mais diversas áreas, sob a forma de extensão, até tratamentos em muitas das clínicas de que dispõe a nossa instituição. 

Sinto muito, mas as suas palavras, senhor governador, são palavras de quem desconhece as ações da UEPB, ou melhor, de uma pessoa para a qual órgão público é apenas do povo e não para o povo. Não adianta ser do povo, se este não pode desfrutar, se, quando precisa, vai encontrar este ou aquele órgão público sucateado. A vida, com seus altos e baixos, é mais do que belas propagandas televisivas. 

Realmente, senhor governador, a UEPB não abriu apenas sala de aula. Ela criou novos campi nos quais existe mais do que sala de aula. Se para o senhor, governador, educação é correlato de sala de aula, para nós que fazemos a UEPB, educação é bem mais do prédio. Só para lembrar -- em Monteiro, nem campus próprio ainda temos, mas não deixamos de funcionar, de promover mudanças. 

Só para aqueles que acreditam ser a educação produto de e para uma elite (e tenho certeza de que o nosso ilustre governador não faz parte nem comunga dessa ideologia anacrônica e segregadora) é que a UEPB tinha de permanecer com o mesmo orçamento e expandir-se ao mesmo tempo, tarefa tão difícil quanto os doze trabalhos de Hércules. E olhem que a nossa instituição nem um semideus é e muito menos é composta por tais. Mas o pior, mesmo, é defender, sub-repticiamente, que se deve retirar dinheiro do ensino superior porque é preciso ter uma educação básica forte. 

Essa lógica do “descobre um santo para cobrir um outro” não pode ser aplicada em nenhuma esfera e, muito menos, na educação. Se a ela recorrem, começo, então, a temer, pois aqueles que atuam na educação básica passaram pela educação superior. Se a formação em nível superior que lhes foi fornecida não contou com os devidos investimentos, qual a garantia que vamos ter de que a educação básica estará fortalecida? Como se pode notar, discurso muito perigoso esse porque segue uma lógica bastante falaciosa contra a qual devemos lutar. Afinal, a UEPB não vai ser do povo da Paraíba, ela já o é. Tanto é que não é só nossa apenas, uma vez que recebe em suas salas de aulas alunos/as dos mais diversos estados da federação e até mesmo de outros países. Quem conhece a nossa instituição sabe bem deste pequeno detalhe que faz muita diferença. 

Antes de finalizar esta minha fala que já se alongou por demais, gostaria de dizer que o senhor, governador, não está desagradando algumas corporações. Está, sim, afrontando todo o Estado, todos aqueles, professores/as, funcionários/as, alunos/as, que integram uma instituição que é referência para todo o nosso país. Realmente, a UEPB não está sendo refém de grupos não. Ela está sendo refém de uma única pessoa: o senhor mesmo, caríssimo governador, que, cavilosamente, procura manipular o seu discurso e colocar a sociedade paraibana contra a nossa instituição e contra nós, que nela trabalhamos porque a UEPB somos NÓS. 

Fiquemos com apenas uma das várias distorções: viagens, diárias, creio eu que o seu governo, ou qualquer outro, deve disponibilizar para funcionários dos demais órgãos do Estado. Quando a mim, por exemplo, foi ou é concedida uma viagem ou uma diária, tal concessão é feita não para passear ou desfrutar a meu bel-prazer do dinheiro público. Ela o foi porque resultados de pesquisa precisam ser apresentados em congressos, em jornadas científicas. Creio que o senhor deve saber muito bem o que é isso, já que tais eventos são apenas uma das formas de as instituições fortalecerem suas bases e grupos de pesquisa, de melhorarem a educação fornecida. Existe todo um processo burocrático para que nós recebamos o direito a tais viagens ou diárias. 

O senhor deve saber muito bem, já que viagens e diárias são, repito, uma concessão feita não apenas pela UEPB mas também pelo demais órgãos do nosso Estado. Como professor doutor, tenho o direito de requerer, apenas uma única vez por ano, que a universidade custeie minha participação em eventos acadêmicos e, mais ainda, tenho de optar por escolher entre a passagem ou a estadia. Isso acontece também com os que trabalham nos outros órgãos do Estado? Não precisa responder. Quero apenas deixar claro, já que sua fala, senhor governador, pode induzir as pessoas incautas ao contrário, que o custeio de viagens e diárias não é uma prática apenas da UEPB. E, se ela permite, o faz em conformidade com determinados pré-requisitos. 

Por fim, um governo, conforme o senhor mesmo disse na solenidade, que não tem medo de dar as respostas necessárias, também não pode temer os questionamentos e as indagações necessários. Sendo assim, a não ser que os questionamentos de todos nós, que compomos a UEPB, não sejam necessários, não consigo entender por que o senhor, governador, que se demonstrou tão zeloso e preocupado com os professores que estavam tomando posse, parece esquecer-se de tal zelo e preocupação quando o assunto é o real repasse que deve ser feito à UEPB, quando pedimos para que se reveja a ação que culminou no desrespeito à lei de autonomia. 

Queria lembrar que, em uma sociedade democrática, o protesto é uma das formas legítimas de reivindicação de todos aqueles que se sentem lesados. Na falta de diálogo, uma opção menos drástica é protestar. Se o senhor governador encastela-se, fecha-se para o diálogo e a única abertura que faz é para deturpar os fatos, as ações de nossa instituição, seria inocência de sua parte, ilustre governador, que a tal solenidade não comparecessem aqueles que o senhor até então faz questão de execrar. Se, como o senhor disse, a gente dá o que tem, dentro dessa mesma lógica, a gente pode muito bem receber o que dá. Dessa forma, as faixas, os apitos não foram ações de baderneiros, mas, sim, instrumentos de que se valeram aqueles/as que estavam, ali, em prol de uma única causa: REIVINDICAR O RESPEITO À UEPB. E, a eles, junto-me, dizendo: “Governador, respeite a UEPB”. 


Nenhum comentário:

Postar um comentário