Por AD Luna, do Jornal do Comércio
“Basta o terrível Senhor Acaso resolver aprontar e tá decidido. Ele pode acordar com algum prurido perturbador e inexplicável, e aí salve-se quem puder, é capaz de pregar uma peça numa cidade inteira!”. Ditas em 2001, as palavras de Fred Zeroquatro, vocalista do Mundo Livre S/A, ainda tentavam expressar o choque e as dores da perda e da ausência de Francisco França, o Chico Science, que morrera em um acidente na semana pré-carnavalesca de 1997. Hoje – exatos 15 anos após sua partida –, as ideias e a obra musical do artista perpetuam-se no DNA sonoro de inúmeros músicos locais e nacionais e atraem o interesse de uma geração que não teve o privilégio de vê-lo ao vivo nos palcos.
O estudante de administração e músico Jáder Cabral, 17 anos, faz parte desse grupo. Ele canta, toca guitarra e violão em uma nova banda chamada Projeto Sal e diz que passou a conhecer o som de Chico somente há dois anos, quando pegou emprestado os CDs de seu pai. A partir daí, a admiração pelo cantor foi surgindo. “Ele foi um cara que inovou bastante e conseguiu criar um novo ritmo. Chico, Alceu Valença e Luiz Gonzaga são os três maiores de Pernambuco”, defende Jáder.
Mesmo sem vivenciar o período no qual Chico Science encantava plateias, a jornalista e produtora cultural Thaís Vidal, 21, encontrou inspiração e estímulo para realizar projetos e eventos nas atitudes e realizações de Science, em particular, e na movimentação manguebeat, como um todo. Essa relação começou nos tempos de colégio, no ensino médio, onde Thaís passou a pesquisar sobre a música de Pernambuco.
“Fiz uma monografia no colégio que falava sobre como a manguebeat e Chico Science mudaram o cenário da música no Recife. Me impressionou a forma como eles se organizaram e sacudiram a cultural local. Eles inovaram e surpreenderam. E a Nação Zumbi continua a surpreender”, elogia Thaís. Na visão dela, a eclosão do mangue injetou maior senso de responsabilidade e uma busca por excelência tanto de músicos quanto de quem trabalha para e com eles. “A coisa ficou mais profissional”, opina.
Para o baterista e estudante de letras Leandro Barbosa, 20, o que o chamou mais atenção no som e Chico Science e Nação Zumbi foi – por motivos óbvios – a percussão e a mistura de ritmos. “Sempre ouvia falar deles por meio do meu pai e do meu tio. Daí, comecei a ouvi-los por mim mesmo e a internet ajudou bastante. É bem interessante o modo como eles misturam maracatu e outros sons locais com elementos do rock, funk, pop, acabando por criar algo novo”, ressalta.
O futuro cientista social Pedro Farias, 25, também destaca o ineditismo do som dos malungos. “Sempre ouvi muita música e até o surgimento de CSNZ, ninguém havia incluído as alfaias em uma banda de maneira tão enfática”. Três anos mais nova que Pedro, Camila Távora segue a mesma linha de raciocínio e completa: “Estávamos vivendo num marasmo e não havia uma identidade própria da cena, com eles vivemos um recomeço”.
Sempre cercado por gente de várias gerações, o cantor e compositor Lula Queiroga opina sobre esse fascínio da garotada por Chico Science: “O trabalho dele era visceral, libertário e bastante jovem. Essa energia contagia os mais novos”.
Memorial Chico Science
Administrado pela Prefeitura do Recife e funcionando desde abril de 2009, no Pátio de São Pedro, Centro, o Memorial Chico Science é um espaço que, além de servir como ambiente de divulgação e perpetuação da obra do mangueboy, serve como difusor da música pernambucana e de outras manifestações culturais.
A criação do lugar foi inspirada em uma das muitas ideias de Chico, mais especificamente a do Antromangue: uma espécie de central de distribuição de conhecimentos musicais, literários, cinematográfico, científicos, entre outros temas.
Chico Science e manguebeat atraem interesse de pesquisadores
Chico Science e o próprio o manguebeat foram e continuam servindo como tema de pesquisas acadêmicas de estudiosos do Brasil e do exterior. No site do Memorial Chico Science encontram-se listados 21 trabalhos que podem ser acessados pelos interessados.
Entre esses pesquisadores, está o norte-americano Jeff Duneman, que ensina percussão e toca bateria na banda americana Red Earth, do Estado do Novo México. Eles fazem, basicamente, rock com pitadas de funk, jazz, música indígena e até ritmos brasileiros como o coco. A canção Key of pain é um exemplo disso.
Jeff Duneman tinha um professor na Universidade do Novo México que conhecia quase tudo sobre música brasileira. Ele sempre o apresentava a coisas novas. Quando soube que Jeff ia para o Brasil em 2000, mostrou-lhe um CD. O disco era o Afrociberdelia, segundo álbum de CSNZ. “Senti que a força que a percussão poderia exercer sobre uma banda contemporânea, sem ser ‘tradicional’ mas ou mesmo tempo ligada às raízes. É impressionante como esse groove daí do Recife continua conquistando muita gente. Hoje em dia, temos grupos que tocam maracatu em vários cantos do planeta”, comemora Jeff.
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