quarta-feira, 5 de outubro de 2011

Villa-Lobos escreve Oswald com H




Por Pedro Corrêa do Lago, do blog Questões Manuscritas

Além de ser o talento indiscutível, que o tornou sem dúvida o maior compositor brasileiro de todos os tempos, Heitor Villa-Lobos tinha também uma personalidade intensa que lhe valeu grandes amigos e alguns desafetos que resistiram mais ao estilo exuberante de sua personalidade que de sua música.

Sempre cheio de ideias, sempre ativo nas mais diversas iniciativas, Villa-Lobos encantou muito seus contemporâneos, mas teve que construir lentamente sua carreira e galgar apoios fundamentais para um jovem carioca sem fortuna de família e com uma escolha de carreira sempre difícil: tornar-se um músico clássico.

Uma das maiores figuras do mundo musical brasileiro na juventude de Villa Lobos, e um dos compositores nacionais mais talentosos do seu tempo foi sem dúvida Henrique Oswald, cuja obra foi esquecida por várias décadas após sua morte, mas é hoje reestudada e apreciada no seu justo valor.

Oswald é autor de várias peças importantes da música brasileira na primeira metade do século XX e já era um professor respeitado da Escola Nacional de Música quando Villa-Lobos começava sua carreira.

Era comum na época presentear-se amigos e conhecidos com fotografias nas quais escreviam-se dedicatórias mais ou menos respeitosas ou carinhosas dependendo da proximidade. Um pouco como o autor escreve hoje uma dedicatória na página de rosto de seu livro e o dá a amigos ou conhecidos.

A fotografia era já muito presente na sociedade, mas era considerado de bom tom essa troca de amabilidades que havia se tornado uma febre nos anos 1860 com as imagens em pequeno formato chamadas carte de visite e as famílias burguesas formavam álbuns com os retratos de família e aqueles recebidos de amigos e conhecidos.

Moças solteiras naturalmente não distribuíam seus retratos a esmo, mas entre adultos a prática era corriqueira. Artistas tinham uma maior demanda por seus retratos assinados devido à sua notoriedade ou, às vezes, popularidade. Mas era também considerado correto que jovens aspirantes à fama, enviassem para seus colegas mais estabelecidos suas imagens com a dedicatória respeitosa.

Foi o que fez Villa-Lobos ao mandar, aos 25 anos, seu retrato com dedicatória para o mestre Oswald. Pouco depois de fazê-lo, deu-se conta que havia grafado o nome do compositor com H e mandara-lhe sua foto dedicada a “Henrique Hoswald”. Preocupado com a gafe, Villa-Lobos escreve a seguinte deliciosa carta a seguir com a explicação tal:

Rio 7 de julho de 1919
Ao insigne maestro Oswald

"Há males que vem para o bem”

Querendo estampar todo o meu eu na vossa entidade valorosa dediquei-vos sinceramente o meu retrato.

Infelizmente em respectiva dedicatória cometi a involuntária falta de escrever o vosso nome (que infinitamente guardo na célula de minha memória) errado.
Acrescentei um H.


Talvez por destino das coisas, o meu H, ou melhor, a primeira letra do meu primeiro nome esteve ao lado da palavra Oswald se enriquecendo, como Henriqu’esse o nome que tendes.

Pedindo-vos mil escusas, envio juntamente a estas, outro retrato, ou o substituto legal desse que irá talvez ocupar um honroso lugar dos simples e verdadeiros, ao lado dos grandes e legítimos, na galeria das vossas recordações.

Cumprimentos respeitosos a vossa excelentíssima família do vosso elevado admirador Villa-Lobos.

Hoje o ler a carta, fica-se com a impressão de que talvez a emenda tenha sido pior que o soneto, mas é possível que Oswald tenha visto com simpatia a trabalhosa explicação do jovem músico, cujo talento não poderia ter deixado de perceber e com cuja personalidade provavelmente simpatizava.

A carta foi herdada por familiares de Oswald e ressurgiu num leilão do Rio de Janeiro quando foi comprada por seu atual detentor.

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