quinta-feira, 27 de outubro de 2011

O inverno árabe


Por Cláudio Lembo, do Terra Magazine
Morreu Kadafi. Os meios de comunicação ocidentais comemoram. Algumas personalidades internacionais demonstram satisfação. Todos proclamam a importância do fim de mais uma ditadura.
Restam, no entanto, perguntas não respondidas. A História da Líbia é de conflitos permanentes. Desde a antiguidade, a área geográfica, onde se situa o país, foi invadida por inúmeros povos: fenícios, gregos, romanos, vândalos e bizantinos.
Em tempos mais recentes, italianos, alemães, ingleses e franceses estiveram ocupando os desertos que se estendem, a partir do Mediterrâneo, no norte da África.
Beberes e árabes formam a população líbia que, a partir do governo de Mohamede ben Ali - em 1840 - adotou o islamismo como religião, a partir de uma seita que se tornou altamente popular.
Aqui a primeira pergunta sem resposta. A queda violenta de um governante, ainda que ditador, não gerará um clima de humilhação e revolta em grande parcela da população?
Esta é muçulmana. Durante os últimos séculos, foram vítimas do colonialismo e do imperialismo que, sem escrúpulos, utilizou as riquezas naturais dos povos dominados.
Até há pouco, os governantes europeus cortejavam Kadafi e o utilizavam para negócios exuberantes. De repente, o dirigente morto caiu em desgraça.
Para derrubá-lo, somaram-se as maiores e mais poderosas forças armadas. Estados Unidos aliados à OTAN - Organização do Tratado do Atlântico - bombardearam sem piedade populações civis.
Quando se realizam operações militares contra alvos indiscriminados restam traços de rancor e desamor nas coletividades agredidas. Até hoje, apesar das aparências em contrário, as populações das cidades alemãs bombardeadas na última Grande Guerra - particularmente Dresden, Frankfurt e Berlim - guardam a dor pela perda de seus antepassados.
O Ocidente, em sua ânsia de dominação, vai semeando ódio e desencanto por toda a parte onde se encontram presentes os muçulmanos. Ontem, foi o Iraque e o Afeganistão. Hoje, a Líbia.
Esta macabra escalada precisa conhecer paradeiro. Ser finalizada. Irá tornar a falsa primavera árabe em rigoroso inverno, nas relações entre os povos.
Os dias de hoje recordam o dramático e brutal episódio das cruzadas. Agrediram populações que as receberam calorosamente. Saquearam. Mataram. Violentaram. Em nome de valores religiosos, praticaram atrocidades inomináveis.
Repetir a História é tolo. O Ocidente sempre a repete se fundamentado em princípios intrinsecamente valiosos. Fala em democracia. Omite que esta, para ser implantada, exige condicionantes culturais e sociais.
Na verdade, o que se constata é o interesse econômico nas áreas integrantes da chamada falsamente Primavera Árabe. Está se gerando, na verdade, uma grande reação dos povos que adotam o Islam como religião.
O futuro demonstrará que, apesar das intervenções econômicas que virão, um substrato de animosidade restará presente. Quem é agredido, mais cedo ou mais tarde revida.
É lamentável que os países europeus e os Estados Unidos conheçam apenas as armas como diplomacia. Seria oportuno adotarem o diálogo como forma de resolver conflitos.
Chegou-se ao Século XXI com os mesmos vícios da antiguidade. Não se busca a paz. Deseja-se a guerra. Violam-se princípios. Aplaude-se a morte de pessoas indefesas.
Não é assim que se educa para a democracia. O devido processo legal e o direito de defesa são sustentáculo de valores perenes. O espetáculo selvagem visto nos últimos dias empobrece a humanidade. Envergonha seus autores.
A Primavera Árabe transformou-se no inverno dos mais elevados valores concebidos no decorrer do tempo. Continuam selvagens, como sempre.

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