sexta-feira, 3 de junho de 2011

“Deixa ela entrar” e o bullying


Por Juliana Rosas, da ASCOM/UEPB

Há algum tempo atrás, ficou famoso um vídeo no Youtube em que um garoto vítima de bullying se enfeza e dá o troco em seu agressor. O episódio reavivou a já acesa chama das discussões sobre o tema. Algumas das afirmações é que bullying sempre existiu. Apenas reapareceu com nova roupagem – o cyberbullying, por exemplo – e com esse novo nome. Uma vez, assistindo a uma palestra de um professor de História, ouvi algo como, “demos esse novo nome para tal prática, que nada mais é do que a violência escolar”. Sim, é mesmo, pois apesar de o adjetivo bully em inglês se referir a alguém que importuna, usamos bullying nessa conjunção específica de brigas, cerceamentos e ameaças dentro do ambiente de ensino. Práticas semelhantes em ambientes distintos, como no trabalho, por exemplo, as chamamos de assédio moral, sexual, ou o que convier.

Pois bem, o meu título se refere a um filme sueco lançado no Brasil em 2009 (Deixa ela entrar/Lat Den Rätte Komma In/2008) que ficou bem conhecido por se tratar, também, de um filme sobre vampiros. E a onda vampiresca, advinda da saga Crepúsculo, estava em voga. Claro que “Deixa ela entrar”, justamente por ser sueco, não é o besteirol escancarado, nem a vampiraria tradicional que estamos acostumados a ver. É um filme mais decente, bem feito e com enredo mais bem construído. Chegando até onde é o propósito do artigo: há pré-adolescentes como protagonistas e retrata com sinceridade atos de violência escolar de um aluno vítima de bullying. E mais uma vez até onde queria chegar: acontecendo na civilizada Suécia.

Conheci um sueco numa das últimas viagens que fiz e até hoje nos correspondemos. Foi ele que me recomendou este filme, apesar de eu já ter ouvido falar sobre a produção na TV e em jornais brasileiros. Quando eu finalmente o assisti, fiquei espantada com o aspecto do bullying. Eu tinha ouvido falar apenas que era um filme de vampiros. E fui conversar com meu amigo nórdico. Perguntei-lhe se o bullying de fato era comum na Suécia, dada a conhecida civilidade escandinava. Ele disse que sim, era muito comum. Espantei-me mais ainda com o ‘muito’. Insisti no assunto, “mas como assim, se conhecemos os suecos como civilizados, etc, etc...?”. Peter me respondeu: “Sim os suecos são civilizados, são conhecidos por serem pacíficos e não gostam de se envolver em brigas. Mas crianças são crianças.” “De fato”. Foi a primeira coisa que consegui responder.

Crianças são crianças e crianças podem ser más. Este é um fato que muitos adultos tendem a não querer reconhecer. “Não é fácil para a sociedade aceitar a maldade infantil, mas ela existe”, diz Fábio Barbirato, chefe da Psiquiatria Infantil da Santa Casa, no Rio de Janeiro. Ele explica que a criança ou adolescente que tem essa patologia pode se transformar, na vida adulta, em alguém com a personalidade antissocial.

“Um obstáculo para o tratamento de crianças com sinais de transtorno de conduta é o próprio tabu da maldade infantil. O senso comum afirma que as crianças são inocentes – uma crença que resulta da evolução histórica da família. As escolas, porém, desmentem isso: elas costumam ser o palco diário das maldades das crianças com transtorno de conduta. A psiquiatra carioca Ana Beatriz Barbosa Silva, autora do best-seller Mentes Perigosas, diz que crianças e adolescentes com esse distúrbio costumam estar por trás dos casos mais graves de bullying”, diz um trecho da reportagem da Tribuna de Ituverava de 16/04/2010.

Em 2009, na novela Viver a Vida, escrita por Manoel Carlos, havia uma criança má na trama. No decorrer dos capítulos, à medida que aumentava a maldade da personagem mirim, o Ministério Público do Rio de Janeiro começou a acompanhar de perto Rafaela (personagem) e as atitudes desagradaram a Justiça. Tanto que o autor do folhetim chegou a ser notificado. No documento, um pedido para que ele tenha “cuidado ao elaborar a personalidade de personagens cujos atores são menores de idade”. O Ministério Público considerou a personagem pouco adequada: criança, aparentemente, não pode ser vilã.

Já no cinema, é longa a lista de crianças agressoras, possuídas, endemoniadas, psicóticas, “bullies” ou simplesmente más. A TV e a sociedade tradicional ainda querem acreditar na candura infantil. O cinema nunca acreditou na inocência das crianças.

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