O que John Lennon estaria fazendo se estivesse vivo? No próximo sábado, o sujeito dos óculos redondos completaria 70 anos de vida e de música. Talvez compondo músicas pop perfeitas em uma casa no interior da Inglaterra? Em Nova York, apoiando a retirada das tropas norte-americanas do Iraque? Participando da abertura de alguma exposição cult de Yoko Ono? Ou – a melhor das hipóteses – se preparando para tocar junto com Paul McCartney no Brasil, em novembro?
Personalidade das mais influentes do século 20, o britânico descendente de irlandeses é a cara de muita coisa e símbolo para muita gente. Pode também ser chamado de gênio. Músico e escritor, ativista e defensor da paz, John Lennon foi um eterno inconformado. Com o amor, com a política, com as artes, com a música, com a família e, a partir de 1966, até com Paul McCartney, George Harrison e Ringo Starr, os utopicamente inseparáveis companheiros de banda.
Para o jornalista e crítico musical Tárik de Souza, o espírito contestador e irriquieto de Lennon encontraria um fim parecido com o que realmente aconteceu em 8 de dezembro de 1980, quando foi assassinado por Mark Chapman.
“Se tivesse escapado da morte em 1980, ele dificilmente sobreviveria a um franco atirador durante o governo Bush Jr. Principalmente se colocasse numa canção a tese do cineasta Michael Moore sobre a ligação das famílias Bush e Bin Laden”, diz Souza.
Mas, antes do inconformismo político, estava a arte. John Lennon é o criador de músicas indiscutíveis, como “Dear Prudence”, presente no The White Album, de 1968. Mas também, não esqueçamos, da bobinha, porém importante “She Loves You” (esta em parceria com Paul), lançada em um compacto em 1963 e que ficou no topo das paradas da Inglaterra e Estados Unidos por cerca de 14 anos. John Lennon era humano.
“Lennon conseguia inserir reflexões profundas na necessariamente rasa e ligeira música pop. Para medir sua amplitude é só dar a volta ao planeta. Sua música atingiu todas as classes e permanece viva, a despeito da atual lavagem cerebral pelo excesso de informações supérfluas”, diz o crítico.
Dois pontos são cruciais para tentar destrinchar John Lennon. Um é a família. Filho único de Alfred e Julia Lennon, John teve uma infância conturbada. O pai trabalhava na marinha mercante e era ausente. A mãe vivia com um sujeito chamado Bobby Dykins. Até que sua tia, Mimi, ainda que de forma não definitiva, conseguiu a guarda do garoto que já arranhava o violão – mas foi Julia, homenageada na canção homônima que fecha o primeiro disco do The White Album, quem ensinou os primeiros acordes a John.
Outro ponto foi a incrível capacidade de Lennon para acompanhar o mundo. Com os Beatles, reinventou a música pop ao criar canções que começavam pelo refrão (caso de “Help!” e “She Loves You”) ou de dar novo frescor às músicas estilo pergunta-resposta, comum em décadas anteriores a 1960, mas já em decadência.
Outro exemplo: na fase lisérgica, que culminou com o lançamento do magnífico Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band (1967), John, ao contrário de Paul, abraçou a ideia prontamente.
Quando o mundo pedia o fim da Guerra do Vietnã, já no fim da década de 1960, John usou sua fama para protestar também, com canções (“Give Peace a Chance”, de 1969), e intervenções das mais ousadas, como a que ocorreu em Amsterdã, quando ele e Yoko permaneceram por uma semana na cama de um quarto de hotel. Yoko, aliás, é outra prova do passo a frente de John, já que a japonesa, na época, foi tratada como uma artista plástica incompreensível.
“Lennon era capaz de transformar acontecimentos em música, sem cair no mero panfletarismo. Mesmo quando fazia proselitismo, não perdia a mão pop”, diz Tárik de Souza.
Até no período pós-Beatles – John Lennon disse que “queria um divórcio” do grupo em 1968 –, a singularidade do gênio se revela. Em 1970, Ringo Starr lançou o chocho Beaucoup of Blues; Paul, o melancólico McCartney; George, o pop All Things Must Pass, e John se saiu com o cru e esquisitão Plastic Ono Band.
Para o bem ou para o mal, Lennon não esqueceu seus ex-companheiros. Na música “How Do You Sleep?”, canta “The only thing you done was Yesterday” [a única coisa que você fez foi “Yesterday”], desferindo um golpe certeiro em Paul ao referir-se à canção deste que ele mais gostava -- e que ele afirma ser a única coisa boa que Paul fez. Era assim o polêmico visionário de indefectíveis óculos redondos.
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