A ideia de consumo conspícuo foi introduzida por Veblen em 1899 para designar a atitude da classe média norte-americana interessada em adquirir produtos e bens com a função de assinalar sua posição social como classe “emergente”. O consumo conspícuo é um tipo de patologia do reconhecimento. O processo de escolha soa vulgar, a decisão de compra figura imprópria, a performance de uso é inautêntica, e o conjunto cai como “mostração”. Essa demanda de diferenciação realiza um esforço de ajustamento e o legítimo desejo de ser reconhecido como “alguém”. Ela é um apelo ético para suspender a indiferença ressentida que nos transforma em apenas “mais um indivíduo”. Uma aspiração estética genuína a sermos reconhecidos como “únicos” em nossa relação de consumo singular.
O que fazer quando o lugar de onde viemos não combina mais com a posição na qual nos encontramos? Esse é o elemento histórico decisivo na mudança do papel social da cultura na modernidade. Quando pessoas sem origem precisam tomar posição em meio a outras percebidas como donas do lugar, a cultura torna-se signo de ascensão social e terreno real da luta por reconhecimento. Começa a tensão entre cultura popular e erudita. Instala-se a querela do luxo, na qual o consumo é percebido como um mal necessário. A parábola da colmeia (Mandeville, 1714) estabelece a relação liberal canônica entre vícios privados e benefícios públicos. A falsa escolha forçada entre o consumo progressivo de bens inúteis e o entrevamento regressivo em uma cultura de subsistência.
Pelo consumo, três exigências se expressam: autenticidade, autonomia e não dependência. Daí que ele envolva três “soluções típicas” atinentes à forma como nos desligamos de um lugar de origem (não dependência), subjetivamos um complexo de desejos (autonomia) e destinamos o resíduo que acompanha a operação de consumo (autenticidade). Lacan argumentou que a psicanálise precisa fazer a crítica desses três ideais modernos: autonomia, independência e amor concluído (autenticidade). Mas ele pensava o problema do ponto de vista da produção e da autoridade simbólica necessária para sustentar as inversões entre desejo de reconhecimento, reconhecimento de desejo, assim como o destino do que sobra. Quando passamos da produção para o consumo, o terceiro termo ganha primazia. Na querela psicanalítica sobre o luxo, há os que consideram o consumo expressão maior de nossa orientação liberal subjetiva (autonomia), os que resistem de forma romântica a reduzir nossa liberdade a opções de compra (não dependência) e os que acreditam na mutação do supereu como expressão maior do empuxo ao consumo (inautenticidade).
À luz das querelas
Às vezes, o sentido das querelas é iluminar a posição do problema, mais do que decidir os termos de sua solução. Argumento que a controvérsia do consumo admite de uma falsa unidade de seu objeto. Por exemplo, o consumo conspícuo é uma marca dos que preferem “queimar pontes”, deixar as origens para trás, criando uma fuga para a frente como experiência compulsoriamente definida pela necessidade de inventar novos começos. O temor ao passado denuncia a iminente tragédia ou farsa. A coleção de signos funciona como certidão de acesso e antídoto contra a vergonha das origens – como se vê na trajetória de Kurt Cobain, que, apesar da carreira de sucesso, ressentia-se com a solidão.
Mas há o consumo que funciona para reforçar ou comemorar o reconhecimento da origem, impondo-a como decoração obrigatória da nova morada. Atormentados pela ideia de que o triunfo se tornará fracasso, encontram na solidez e permanência do lugar de onde vieram um antídoto para o sentimento de vazio. É o caso de muitos pais demasiadamente protetores, em seu esforço para recriar uma realidade artificial exclusiva para o “consumo interno”, tal qual se viu no caso de Michael Jackson.
Finalmente, há os que tomam como centro de gravidade narcísica o resíduo. Identificam-se com a própria contradição que define seu estilo errante e desprendido. Sem passado nem futuro, desdenham tanto dos ideais de progressivo ajustamento quanto das aspirações de inovação regressiva. São os autênticos que duplicam sua satisfação no consumo pela inveja que inspiram ou imaginam no outro. Consumo conspícuo, críptico e autêntico são modalidades do que Lacan chamou de semblante. Se os primeiros partilham das aparências e os segundos apegam-se à essência das imagens, os autênticos são os que entenderam o verdadeiro conceito de atitude, ou seja, de que a essência da relação de consumo é tomar a aparência como aparência, de acordo com a lição trazida por Lady Gaga.
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