sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

O Tratamento pela Escrita - Reescrevendo sua história

REGISTRO -  Izabel escreve até hoje sobre as emoções que 
sente após ter sido tratada de um tumor cerebral


Por Monique Oliveira, da Revista Istoé

Há muito a psicologia clínica indica que mudar as emoções diante de um evento é uma maneira eficaz de conseguir viver em paz com uma experiência dolorosa. Agora, a ciência confirma que a escrita não só é uma ferramenta importante nesse processo como pode alterar as respostas fisiológicas a doenças crônicas, melhorando o quadro de saúde de pacientes. Ao escrever os doentes tornam suportável uma experiência tida anteriormente como pesada demais. Ela passa a integrar a biografia de quem vive o trauma, abrindo o caminho para a recuperação, como se cada um reescrevesse sua história.

Por essa razão, a chamada “expressive writing” (algo como expressão pela escrita, em inglês) ganha cada vez mais espaço na medicina. Na última semana, por exemplo, dois novos estudos reforçaram o poder do método. O primeiro, aliás, apontou uma evolução interessante. Cientistas da Universidade de Haifa, em Israel, descobriram que a técnica, quando usada em blogs pode ser tão ou mais eficaz que no papel. Os pesquisadores chegaram à conclusão após analisar a reação ao experimento por eles organizado com a participação de 161 adolescentes com ansiedade e fobia social. Os jovens foram divididos em grupos que receberam orientações distintas. Alguns, por exemplo, deveriam escrever em blogs abertos, com comentários, e outros, em blogs fechados.

Depois de dez semanas escrevendo pelo menos duas vezes semanalmente, todos apresentaram melhora na autoestima, na autoconfiança e na capacidade de se sentir confortável em situações sociais que evitavam antes de iniciar a prática da escrita. Mas aqueles que escreveram em blogs com espaço para comentários manifestaram melhora mais significativa. De acordo com os autores do estudo, as características da internet e das qualidades da “expressive writing” podem ser potencializadas no blog. “Ele fornece uma combinação única de espaço confortável para a autoexpressão com um ambiente de interação social”, escreveram.

O segundo trabalho, da Universidade de Waterloo, no Canadá, mostrou a eficiência da técnica no controle do peso. Nele, a psicóloga Christine Logel demonstrou que as mulheres convidadas a escrever sobre seus sentimentos e valores perderam, em média, 3,4 quilos, enquanto as que não participaram da oficina ganharam cerca de 2,7 quilos. “Escrever funcionou como um incentivo”, disse Christine à ISTOÉ. A pesquisadora observou que a escrita ajudou as participantes a se sentir bem com elas próprias na medida em que descreviam o que consideravam importante em suas vidas. “E elas não utilizaram a comida como escape”, explicou Christine.

De fato, um estudo da Universidade de Baylor (EUA) com 48 portadores de câncer de testículo revelou que escrever sobre as emoções relacionadas à doença acelerou a recuperação dos participantes. Como justificativa, os cientistas levantaram a hipótese de que, como a escrita auxiliou no controle do estresse ocasionado pela enfermidade, o sistema imunológico entrou em equilíbrio. Resultado: ele deixa de reconhecer como nocivos agentes inofensivos, causando complicações como alergias, e continua a luta contra a doença.

Outras pesquisas também demonstraram os efeitos positivos da escrita no tratamento de doenças infecciosas, como a Aids, e diversos tipos de câncer. A dona de casa Izabel Modesto de Araújo, 47 anos, de São Paulo, por exemplo, encontrou na escrita uma maneira de amenizar o sofrimento após passar por três cirurgias para retirar um tumor cerebral. No processo de recuperação, ela começou a escrever já na cama do hospital. Acabou escrevendo dois livros e mantém o hábito da escrita até hoje, já recuperada. “Mesmo nos momentos mais difíceis não precisei tomar antidepressivo”, conta. “Escrever é minha terapia.”

No Rio Grande do Sul, a psicóloga Ana Maria Rossi, presidente da seção brasileira da International Stress Management Association, organização internacional para o controle do estresse, indica a escrita terapêutica para pacientes que não conseguem lidar com o acesso de raiva. “Ela tem efeitos positivos naquelas pessoas com dificuldade de descrever a experiência sem se descontrolar ou ficar extremamente emocionadas.”

Não basta, entretanto, apenas escrever. “É preciso ter um propósito. A escrita organiza o pensamento e facilita o autoconhecimento”, diz a professora Solange Pereira Pinho, que comanda uma oficina de escrita terapêutica em Brasília. Isso é possibilitado porque, sob orientação correta, o paciente não somente descreve a reação ao evento, mas o que foi sentido no momento.

Também não é qualquer conteúdo que surtirá resultados positivos. Na literatura médica, as investigações do pesquisador americano James Pennebaker, que descreveu o poder da escrita terapêutica em “Abra o Seu Coração: O Poder da Cura Através da Expressão das Emoções” (Editora Gente), apontaram que escrever sobre os aspectos emocionais afeta a saúde positivamente, mas descrever apenas os fatos da experiência traumática pode surtir o efeito contrário.  

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