segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

Clint Eastwood: "O trabalho me mantém jovem"

Por Elaine Guerini, da Revista Época

Aos 81 anos, o ator e cineasta Clint Eastwood não dá sinais de cansaço. Apesar da pele envelhecida e da voz mansa, ele conserva o charme e a determinação dos caubóis que interpretou no passado. E tem uma receita: levanta pesos todos os dias de manhã, antes de encarar um dia de filmagem. Mas é o trabalho, mais do que tudo, que para ele o mantém com espírito jovial e ainda em atividade. Na semana passada, aceitou ser capa da revista do jornal francês “Le Monde”, sob a condição de não ter suas rugas apagadas pelo Photoshop. “Esperava ter me aposentado 30 anos atrás. Como não aconteceu, será preciso mais que uma dor nas costas para me fazer parar’’, brincou Eastwood, em entrevista à ISTOÉ em Los Angeles. Ele está lançando “J. Edgar”, protagonizado por Leonardo DiCaprio, com estreia agendada para a sexta-feira 27 nas telas brasileiras. A cinebiografia reconstrói a trajetória profissional e pes­soal de J. Edgar Hoover, chefe do FBI (Federal Bureau of Investigation) por 48 anos. Eastwood quis contar a história dessa lendária figura pública dos EUA porque, além de fascinante, a sua vida permite traçar paralelos com personalidades atuais. “O fato de ninguém con­seguir tirá-lo do cargo me lembra alguns figurões de hoje, pessoas que se recusam a perder o poder, seja o pre­sidente de um estúdio de Hol­lywood, seja um magnata das comunicações”, diz o cineasta na entrevista a seguir.

O sr. está lançando “J. Edgar”, mais um filme em que apenas dirige. Não sente falta de atuar? 
Clint Eastwood  - Não. Mas não descarto essa possibilidade. Confesso que no set de “Gran Torino’’, que dirigi e do qual fui o protagonista, muitas vezes eu me perguntava: por que estou atuando? Para que fazer os dois trabalhos? 

A que conclusão chegou?
Como eu estava lidando com um elenco de atores não profissionais, funcionava um pouco como professor de interpretação, independentemente de ser o diretor. Mas é verdade que, dependendo do meu humor, eu me pergunto: por que você ainda se importa com tudo isso?

Fazer filmes não é mais uma prioridade?
Tenho com o cinema a mesma relação que tenho com o golfe. Adoro jogar golfe, mas não quero ter a obrigação de praticá-lo todos os dias. Claro que aprecio o fato de eu ainda ter o que fazer, o trabalho me mantém jovem. Pelo menos é assim que entendo. Ainda não estou preparado para me aposentar. O que poderia fazer? Certamente, ficaria bebendo cerveja pensando no que passou e nas coisas que eu poderia ter feito diferente.

É verdade que o sr. gosta de se exercitar antes das filmagens, montando uma academia de ginástica no set? 
Não chega a ser uma academia. Gosto de levantar peso quando chego ao set, bem cedinho. É para melhorar a minha circulação. 

Isso faz parte do seu ritual matinal?
Sim. Procuro me cuidar. Nos estúdios da Warner há uma ótima academia e, às vezes, eu passo por lá. Acho ótimo me exercitar pelo efeito que isso me proporciona, tanto físico quanto mental. Muitas vezes, o exercício ajuda a tirar a minha mente do que estou fazendo. Assim, quando eu volto ao assunto, tenho um olhar revigorado.

O sr. acha que J. Edgar Hoover aprovaria o seu novo filme?
Não sei. Talvez ele o odiasse. Hoover não foi um cara necessariamente mau. Prefiro pensar que ele foi um homem bom que ultrapassou os limites. A maioria das pessoas que comete excessos não gosta de admiti-los.

Hoover gostava de se vangloriar na vida real. A cinebiografia não faz o mesmo com o personagem? 
Se eu não tivesse preenchido lacunas na sua vida, não teríamos filme algum. São poucos os livros publicados sobre ele e muitos apenas fazem especulações. Mesmo quando Hoover estava vivo, ninguém sabia muito sobre o homem, a não ser o que saía nos jornais.

Como ele era tratado pela mídia na época?
Como um dos policiais mais admirados e temidos do país. Eu mesmo cresci tendo Hoover como um herói. Só muito mais tarde descobri que a história não era bem assim.

O que mais o fascina na personalidade de Hoover? 
A sua obsessão pelo poder. Ele comprova a teoria de que as pessoas sempre fazem coisas estranhas quando estão no topo do mundo. A verdade é que ninguém deveria ficar no mesmo cargo por tanto tempo. No seu caso, foram 48 anos, é tempo demais. Muitas vezes, vemos os governantes perder a noção do que fazem em apenas alguns anos de administração.

Por que essa história é relevante nos dias de hoje? 
Podem ser feitas muitas analogias entre a trajetória dele e a sociedade atual. A paranoia que o levou à caça aos comunistas não é muito diferente do sentimento pós-11 de setembro, que mantém o mundo em constante tensão diante dos terroristas. O fato de ninguém conseguir tirá-lo do cargo também me lembra alguns figurões de hoje, pessoas que se recusam a perder o poder, seja o presidente de um estúdio de Hol­lywood, seja um magnata das comunicações. Essas pessoas esquecem que, ficando tempo demais num cargo, perdem a sua utilidade. 

Que excessos de Hoover mais o incomodam? 
Ele foi maldoso com muitos, inclusive com o senador Robert Kennedy, que detestava. Quando o presidente John Kennedy foi assassinado, Hoover deu a notícia de uma forma cruel. A maneira como ele usava a informação para exercer a autoridade era terrível. Foi Hoover quem indiretamente ajudou Lyndon Johnson a se tornar o vice-presidente de JFK. Johnson era seu amigo e ele impôs o seu nome ao ameaçar expor a conduta sexual de JFK. O FBI tinha um arquivo meticuloso sobre esse tópico. 

Ironicamente, o filme trata com bastante sutileza a suposta homossexualidade do ex-diretor do FBI.
O roteiro procurou incorporar todas as especulações sobre o personagem, inclusive a hipótese de que ele gostava de se vestir de mulher. Não seria justo, contudo, apresentar isso co­mo verdade. No filme ele só põe o vestido da mãe quando ela morre. E o que isso quer dizer? Que ele era gay ou que queria apenas se sentir perto da mãe? Tratamos da mesma maneira o seu suposto envolvimento com o seu assistente Clyde Tolson. Quem poderia saber se eles realmente foram amantes?

Ele gostava de circular por Holly­wood. O sr. o encontrou alguma vez?
Não. O mais perto que cheguei foi conhecer algumas pessoas que trabalharam com ele no FBI. Eu me lembro bem de vê-lo posando com estrelas de cinema. Recordo da foto em que aparece beijando Shirley Temple nos jornais, nos anos 1930. Como eu era garoto, vê-lo ensinando a menina a montar num cavalo mecânico me marcou. Na medida do possível, fiz questão de incluir situações que fizeram parte da minha infância. As fotos do bebê Lindbergh que mostro no filme são reais (a trama aborda o sequestro do filho do aviador Charles Lindbergh, um caso que Hoover ajudou a solucionar).

Leonardo DiCaprio correspondeu às suas expectativas para o papel?
Completamente. Leo é mesmo um dos atores mais aplicados de sua geração e não tem medo de trabalhar duro. Como Morgan Freeman, Gene Hackman ou Hillary Swank, outros que adorei dirigir, ele chega ao set preparado para tudo. E é assim que eu gosto.

Não pensou em usar um ator mais velho para a fase final de Hoover e, assim, evitar o uso de uma maquiagem pesada? 
Eu queria Leo dos 20 aos 70 anos. Entendo que a plateia observe a maquiagem por alguns segundos, tentando imaginar se será assim mesmo que ele ficará na velhice. Espero, no entanto, que o público supere isso rapidamente e siga o personagem, sem pensar mais no assunto.

Por que o sr. não gosta de filmar uma cena muitas vezes?
Muitos atores acham que podem fazer melhor a partir da segunda tomada, mas nem sempre é verdade. O próprio Leo me pediu para fazer de novo algumas cenas. Às vezes, ele estava certo, apresentando uma melhora na nova tomada. Outras vezes, não. O problema é que muitas vezes o ator quer buscar a perfeição. 

E isso não é bom?
Claro. Mas não é preciso. Conheço atores que são bons até quando erram (risos).

Lembra de algum caso específico?
Quando dirigi Meryl Streep em “As Pontes de Madison’’, eu lhe mostrei uma versão inacabada do filme e ela reclamou. Disse: “Você guardou todos os meus erros! Eu respondi: “Claro! Eles são tão bons” (risos).

Com a experiência, não acha que tem muito mais a dizer? 
É verdade. Eu nunca me conformei com o fato de Billy Wilder, que viveu até os 90 anos, ter se aposentado aos 60. Eu me perguntava por que o cara que fez “Quanto Mais Quente Melhor’’ e “Crepúsculo dos Deuses’’ parou de filmar. O mesmo eu sentia com relação a Frank Capra, que costumava visitar. Até hoje não entendo o que aconteceu. Não sei se eles é que deixaram o cinema ou se foi o cinema que os deixou. 

O sr. se vê como o cineasta português Manoel de Oliveira, na ativa aos 103 anos?
É cedo para dizer. Conheci Manoel no Festival de Cannes, anos atrás. quase perguntei: qual o uísque que o sr. toma? Manoel ainda tem muita vitalidade, como quem está determinado a chegar aos 110. Às vezes, até fico desconfiado. Ou ele é mesmo incrível ou andou mentindo. Talvez Manoel esteja com 60 anos e diga ter passado dos 100 só para ouvir as pessoas dizer como ele ainda está bem para a idade (risos).

Já sabe qual será o seu próximo filme?
Eu ia filmar “Nasce uma Estrela’’ com Beyoncé. Mas tive de adiar porque ela ficou grávida. Adiamos o projeto por um tempo. Talvez o façamos num futuro próximo. 

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