segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

A grande depressão e o Mágico de Oz

Por Christiane Marcondes, do Portal Vermelho

Um coração para o homem de lata, um cérebro para o espantalho, coragem para o leão e um lar para Dorothy. Esta é a busca dos personagens de O mágico de Oz, um musical clássico de 1939. A maioria dos fãs compra a versão de que é uma história típica de Hollywood com final feliz. Poderia ser se não tivesse Yip Harpurg como letrista. 

Yip escreveu também o “hino da depressão”, em 1932, no qual narra o engodo do sonho capitalista. O Mágico de Oz resgata o sonho, realizável além do arco-íris, ou das fantasias do mundo imperialista que Yip, socialista, sempre combateu.

Do palco para a depressão

Posso imaginar o letrista Yip Harburg em um bar freqüentado por roteiristas, artistas, compositores da Broadway, logo após a quebra da Bolsa de Nova York em 1929. Os pedintes nas esquinas o deixam indignado. Também inspiram.

Yip começa então a rabiscar num guardanapo a letra da música que se tornaria o verdadeiro hino da depressão norte-americana. Um gole na bebida e um verso: ““Eles me diziam que eu estava construindo um sonho”. Outro gole, novo verso: “Com paz e glória à minha espera”. Engole a seco, conclui a quadra: “Por que então estou aqui na fila/ esperando apenas por um pedaço de pão?”

O título da canção “Brother, can you spare a dime?” pode ser traduzido por “Amigo, você tem um trocado?”. Bing Crosby gravou em 1932 -- muitos outros famosos regravam até hoje -- e foi um retumbante sucesso. 

A música expõe a realidade estúpida do operário -- personagem da letra -- que construiu tudo o que constitui o “american way of life”, de ferrovias a mansões, grandes torres e edifícios, mas não tem um tostão no bolso e fica na esquina, espiando a pressa dos ricos na tentativa vã de ser ouvido na sua pobreza. 

Da depressão para a guerra

O tempo passa, chega 1939. O mundo se confronta com a guerra. Yip cria o Mágico de Oz. Dorothy, o leão, o espantalho e o homem de lata metaforizam o drama e transformam a história em uma fábula universal. 

A canção-tema, “Somewhere over the rainbow”, gravada por Judy Garland, resgata o sonho, não o capitalista, mas o dos direitos humanos, que Yip persegue como bom socialista. O tema principal? Voltar para casa, um espaço onde somos aceitos, compreendidos e amados!

Voltar para casa também é chegar a um lugar além do arco-íris, diz a letra, e esse lugar não tem nada a ver com o tal pote de ouro do folclore popular. Também não tem relação com posse ou poder, conforme explica o medroso leão, na cena em que assume por breves momentos o posto de rei dos animais: “A diferença entre um rei e um escravo é a coragem”. Logo a coragem o abandona e ele rasteja diante do mágico no trono.

Da Broadway para a lista negra

Yip Harburg, filhos de pais imigrantes de origem russo-judaico, conheceu cedo na pele a pobreza e o preconceito e nunca virou as costas ao passado miserável. 
Ao longo da carreira, escreveu letras para mais de 600 canções em parceria com uma variedade de notáveis compositores. 

De 1951 a 1961, durante a temporada de caça a artistas, celebridades e jornalistas supostamente remota ou completamente ligados a comunistas, promovida pelo Senador Joseph McCarthy, Yip foi para a "lista negra" em função de suas idéias políticas sobre cinema, televisão e rádio. A Broadway, no entanto, manteve-se livre desse tipo de censura, só por isso o autor pôde continuar trabalhando, embora perseguido. 

De Hollywood para o Havaí

Yip Harburg morreu em 5 de março de 1981 aos 84 anos. Seu espírito visionário não morreu, muito menos sua obra, que continua inspirando ativistas de todo o tipo, como Israel Kamakawiwo. 

Nascido em Honolulu, Israel nunca ocultou a sua posição a favor da independência do Havaí e de defesa dos direitos dos nativos. Regravou “somewhere over the rainbow” em um mix com “What a wonderful World”. 

O cenário, o humor e o ritmo são outros; o sonho, não sei, mas gosto de pensar que continue sendo o mesmo sonho de Yip.

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