Marcelo Semer, do Terra Magazine
Desta vez não são os emergentes asiáticos que expõem a risco o sistema econômico internacional, mas os filhos da tradicional família europeia.
Não foi uma república de bananas que teve sua nota rebaixada pela agência de investimentos por um possível calote, mas a toda-poderosa pátria de Tio Sam.
O quebra-quebra urbano depois da violência policial não se deu nas estreitas vielas das favelas do Rio de Janeiro, mas na Londres dos lendários policiais desarmados.
E o terrorista fundamentalista que matou dezenas num acampamento de jovens, em nome da fé e da pureza, é um cristão nórdico, branco e de olhos claros.
Que surpresas mais nos aguardam nesse admirável mundo novo, um planeta de cabeça para baixo?
Revoluções no mundo árabe buscaram abrir alternativas de liberdade que superassem ditaduras e teocracias, mas não comoveram aqueles que sempre pretenderam exportar, à força, seus modelos prêt-à-porter de democracia.
As praças da Espanha se encheram de indignados, descontentes com a falta de perspectivas e de empregos, e os políticos se espantam e desprezam os movimentos espontâneos, apenas por que não os atingem nas primeiras urnas.
Na Grécia, as ruas explodiram de revolta pela contrariedade ao sacrifício de quem já vem sofrendo. Cortes sociais permanecem sendo a única resposta formulada pelos agentes que produziram as crises. Por incrível que pareça, são justamente os alunos reprovados que continuam impondo as regras, que, por óbvio, jamais os atingem.
O documentário Trabalho Externo (Inside Job), vencedor do Oscar, explicou bem porque a maioria dos economistas norte-americanos não foi capaz de enxergar a crise brotando na frente de seus olhos. Boa parte da intelligentsia econômica estava na folha de pagamento do sistema financeiro que a criava.
Quando a imprensa tenta nos alertar desesperadamente sobre os riscos advindos da web, à custa de alguns poucos crackers em ações inexpressivas, eis que a vida real mostra que o perigo mora em cima.
A Inglaterra descortina grampos e desmandos da grande mídia e as relações para lá de incestuosas entre Murdoch e os governos.
Mas nem é preciso tantos crimes expostos, para entender os riscos que o excesso de poder e concentração pode provocar.
Quando a imprensa toma partido e faz políticos reféns, resguardando-se o direito de influir na política com o peso desproporcional de quem cria celebridades, destrói reputações e instaura pânicos, qualquer processo democrático se vicia.
Bom, nem tudo é novidade no globo.
Crianças africanas seguem morrendo escandalosamente de fome expondo a crueldade insensível de uma distribuição injusta de riquezas, enquanto os países ricos encontram mecanismos mais eficientes de fechar suas fronteiras para novos imigrantes. Se for o caso, que eles morram de fome à distância. Cairo, Santiago, Londres, Tel Aviv. Parece cada vez menos crível que a paciência dos indignados se eternize.
Com o tempo, vai ser preciso mais do que comentaristas econômicos de jornais e TVs para convencer o povo que reverenciar o sistema financeiro e seus estratosféricos lucros, é a melhor forma de proteger o planeta e salvar nossas almas.
Espetáculo de texto.
ResponderExcluir