Soterrado - Colecionador obsessivo, Ota vive em casa cheia de gibis
Por Ivan Finotti, da Folhapress
Crédito da foto: Luciana Whitaker
Ota anda bem preocupado esses dias. Sua reputação de maluco, nojento e grosseirão que não toma banho, duramente construída após 30 anos à frente da edição brasileira da revista de humor "Mad", está em jogo. Tem gente achando que ele está virando bonzinho.
É que, recentemente, o velho e bom Ota, 56, deu para abandonar as melecas, as piadas infames e o politicamente incorreto para se dedicar a um singelo joguinho para crianças. Pior: trata-se de uma brincadeira on-line que quer ensinar história do Brasil de um jeito divertido às crianças a partir dos 5 anos.
Fãs se revoltam no Facebook (onde tem 638 amigos) e no Twitter (possui 4.714 seguidores). Na manhã de anteontem, um deles deu para xingar o Ota de "velho carola, beato e certinho".
Ota respondeu à altura: "Vai tomar no c*, seu filho da p&%$", para logo depois emendar que era uma brincadeira e explicar suas razões.
"Estou gostando desse negócio de trabalhar com crianças. Mas é uma fase. Depois eu volto a ser o velho Ota."
O velho Ota, quem já foi um adolescente conhece. Ele foi o responsável pela edição da revista "Mad" desde o seu primeiro número, em 1974, pela editora Vecchi.
Foi o responsável pela "Mad" quando ela trocou de casa para ser lançada pela Record, em 1984. Foi o responsável quando ela veio para São Paulo, pelas mãos da editora Mythos, em 2000. E também quando passou a ser lançada pela Panini, em 2008 (ainda em circulação).
Foi, enfim, o responsável por incutir na cabeça de milhões de adolescentes brasileiros -em seu auge, em meados dos anos 1970, a revista vendia quase 200 mil exemplares mensais- sátiras de diversos aspectos da vida, do entretenimento, da política, das celebridades e da cultura popular em geral.
Orgulhoso, Ota considera que, nesses 30 anos à frente de "Mad", ele ensinou "as pessoas a pensar". Mas, demitido da revista pela quarta vez (todas as editoras acima o demitiram; a última foi há dois anos), precisou correr atrás de outras coisas. Aí surgiu a ideia de fazer o tal do joguinho infantil.
É por isso que Ota anda preocupado. E resume: "Hay que enternecer, pero sin perder la grossura jamás".
Editor da "Mad" guarda desde gibis que fez aos seis anos de idade até páginas de quadrinhos de diversos jornais
No ano passado, Otacílio d'Assunção foi procurado para ser objeto de um documentário. "Ota, The Movie", em pré-produção, vai contar histórias engraçadas de sua vida, como o dia em que colocou fogo no próprio pé na redação do "Jornal do Brasil", ou quando, demitido da editora Vecchi, passou a vender camisetas no Rio com a inscrição "desempregado".
Mas a chegada do documentário desencadeou uma espécie de processo de revisão dos arquivos de Ota. Agora ele quer encontrar tudo: seus primeiros gibis, feitos aos seis anos, a revista que lançou em 1993, os santinhos da campanha em que se lançou para vereador em 1988 (com o lema "menos cocô nas praias") e muitas outras coisas que só ele lembra.
O problema é que ele vive no meio de um arquivo, em constante risco de despencar sobre sua cabeça. Ota é um colecionador compulsivo e seu apertado apartamento na zona central do Rio é um infindável corredor com jornais, revistas, caixas e uma papelada amarelada que mais parece um lote de pergaminhos alexandrinos.
Ota tem em sua sala, por exemplo, todas as cartas que leitores da "Mad" enviaram para a editora Record entre 1984 e 2000. "Não sei se tenho as da época da Vecchi, nos anos 1970", comenta.
Ota tem, em seu quarto do meio, coleções da "Mad" brasileira, americana, australiana etc, etc, etc. Sem falar nos quadrinhos de terror, de caubói, de super-heróis, de ficção científica, de aventuras na selva. "Vendi recentemente parte das réplicas, quero dizer, as que eu possuía duas ou três edições idênticas", esclarece.
No escritório, Ota tem cem CDs com fotos de mulheres peladas (não pornôs) que baixa todas as manhãs da internet e organiza em pastas. "Acho bonito", diz.
VHS
No quarto de dormir, há apenas um colchão no chão. E prateleiras com 800 fitas VHS, apesar de não ter um videocassete que possa reproduzi-las. "Quando o Cartoon Network apareceu, comprava uma caixa de fitas por semana para gravar todos os desenhos da Hanna Barbera", esclarece.
A obsessão de Ota é assim: "Hoje, é fácil baixar os desenhos pela rede ou comprar DVDs com temporadas inteiras dos Flintstones ou Pepe Legal. Mas, talvez, nessas fitas, eu tenha uma dublagem diferente e que não está mais disponível." Por isso, o editor aguarda o dia em que tiver dinheiro suficiente para digitalizar seu inestimável acervo.
Por enquanto, ele não dirige, não pinta o cabelo -apesar de muitos acharam que sim-, inveja o iPad que sua mãe de 84 anos comprou e ainda se considera um adolescente: foi casado por três anos, dividiu casa com mais duas mulheres, namorou dezenas de outras. O problema, sempre, é o colete -é que Ota faz questão de andar por aí com um colete de fotógrafo.
Anteontem, carregava em seus seis bolsos: uma caneta hidrográfica preta para desenhar, um fanzine que ganhou de presente, um isqueiro, um guardanapo de papel, um maço de Marlboro, um recibo de banco, um bloco para desenhar, uma reportagem sobre Carlos Zéfiro recortada d'"O Globo", um celular e sete outros papéis indefinidos.
"Disso, elas reclamam. E quando tenho que escolher entre elas ou o colete, fico com o colete. Sei que é difícil conviver comigo", admite.
Nesse momento de reflexão sincera, ele concede: "Se eu voltasse no tempo, acho que seria menos obsessivo. Ainda colecionaria, mas não precisaria ser coleções completas, né?"
RAIO-X
OTACÍLIO D'ASSUNÇÃO
VIDA
Nasceu no Rio de Janeiro, em 1954, é formado em jornalismo pela UFRJ
REVISTAS
Editou a revista "Mad" entre 1974 e 1981 (editora Vecchi), 1984 e 2000, (Record), 2000 e 2006 (Mythos) e 2008 (Panini). Foi editor de outros gibis, como "Spektro", "Ken Parker" e "Love and Rockets"
LIVROS
Escreveu "O Quadrinho Erótico de Carlos Zéfiro" (1984) e lançou no ano passado "O Relatório Ota do Sexo"
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