segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Dom José Maria Pires: O saber adquirido deve ajudar a toda comunidade


No mês de janeiro, mais especificamente no dia 15,  quando da Colação de Grau das turmas concluintes 2010.2 do Campus I da UEPB, realizada no Spazzio, o discurso efetuado pelo Paraninfo Geral, Dom José Maria Pires emocionou os presentes. Dom José guarda em seu currículo um relevante histórico de lutas, principalmente em benefício da população menos abastada do ponto de vista financeiro, dos negros e índios, atuando com reconhecida coragem no tempo da ditadura militar. Com a ajuda do chefe de gabinete da Reitoria, professor José Benjamim, a ASCOM/UEPB publica na íntegra a mensagem positiva de Dom José, que pode ser interpretada como um libelo para aqueles que desejam seguir uma carreira de sucesso, a partir da premissa  que o conhecimento adquirido deve ajudar a  toda comunidade.

Confira o discurso

Magnífica Reitora da Universidade Estadual da Paraíba,
Professora Marlene Alves Sousa Luna,
Senhores e Senhoras Professores,
Distintos Funcionários e Funcionárias da UEPB.
Senhoras e Senhores:
Meus caros concluintes do semestre letivo 2010.2 do Campus I da UEPB:

Há menos de um mês celebrávamos as festas natalinas e a piedade dos fiéis repetia em tons e em cores alegres a mensagem dos anjos: “Glória a Deus no mais alto dos céus e, na terra, paz aos homens por Ele amados” (Lc. 2,14).
Na condição de Paraninfo Geral das Turmas Concluintes do Semestre Letivo 2010.2 do Campus I, Campina Grande, da Universidade Estadual da Paraíba, eu devo não só apontar rumos a vocês, caros concluintes, mas também interpretar os sentimentos de alegria e de justo orgulho dos pais, dos mestres e dos funcionários desta universidade. Todos contribuíram de maneira eficaz para que vocês chegassem à condição em que se encontram agora. Todos eles respiram hoje alegres e aliviados e dizem para si mesmos: “Missão cumprida!”. Mas se “a glória de Deus é o homem pleno de vida”, como sentenciou Irineu, Deus é o primeiro a se alegrar como o esforço diuturno de vocês para dominar os diversos ramos do saber, enriquecendo-se de conhecimentos inalienáveis que valem mais do que outro, do que prata, mais do que qualquer outra riqueza material. Deus também está dizendo: “Missão cumprida, ao menos por enquanto”. Glória a Deus!
Nas muitas solenidades de formatura a que estive presente quando ainda arcebispo da Paraíba, o que eu mais admirava era a felicidade dos pais ao conduzirem um filho ou uma filha para o momento da colação de grau. Quantas vezes aquele pai que era um homem simples e de pouca leitura, se via forçado a tirar o lenço para enxugar não o suor, mas as lágrimas, lágrimas de emoção, lágrimas de felicidade. Ele lutou, ele se sacrificou, talvez tenha se privado de algo importante para si ou para alguém de sua família, mas estava feliz por ver formado/a, seu filho ou sua filha. Pois essa também é a alegria de nosso Deus. Parodiando o canto popular, podemos também dizer que hoje “é festa em Campina Grande e é festa no céu também. Glória a Deus nos mais altos céus!"
Essa festa no céu e na terra deve expandir-se no tempo e no espaço para atingir o maior número possível de participantes. Aqui tem início a tarefa confiada a vocês que hoje comemoram o final do curso e ingressam no selecionado grupo dos que conseguiram concluir o 3º grau. A festa tem que se estender a outros membros da família humana e a outros tempos que não somente o dia de hoje. Cabe a cada um de vocês participarem ativamente na realização desta utopia que ultrapassa os limites do indivíduo e atinge a dimensão cósmica.
Os primitivos pensaram em construir uma grande cidade e nela levantar uma torre que chegasse até o firmamento, uma espécie de arranha-céu que ultrapassasse as nuvens, uma obra que conservasse para sempre a memória deles. E tentaram, mas o que saiu foi Babel, quer dizer: confusão. Os operários não se entendiam e a construção teve que ser abandonada. Mas o projeto deles teve maravilhosa e inesperada realização muitos séculos depois, quando em pentecostes, o espírito santo produziu o milagre das línguas: os discípulos de Jesus movidos pelo Espírito louvavam ao senhor. A multidão atraída pelo barulho ouvia e entendia homens e mulheres entoando louvores a Deus, “e diziam: estes homens que estão falando não são todos galileus? Como é que nós os escutamos na nossa língua de origem?     Nós que somos pardos, medas e elamitas, habitantes da Mesopotâmia, da Judéia e da Capadócia, do Ponto e da Ásia, da Frigia e da Panfília, do Egito e da parte da Líbia próxima de Cirene, romanos, Judeus e prosélitos, cretenses e árabes, todos nós os escutamos anunciando as maravilhas de Deus em nossa própria língua” (At. 2, 7-11). O projeto de Deus para a humanidade é pois, um projeto de comunhão, de partilha de entendimento. Sintam-se, pois, convocados para dar total colaboração na realização deste projeto em que toda criação se oriente no sentido da comunhão cósmica universal, natureza, família humana, Divindade, o que Paulo resumiu nessas belas palavras: “tudo é vosso, mas vós sois de Cristo e Cristo é de Deus” (1 Cor. 3, 22-23).
O protótipo dessa comunhão universal nos foi oferecido pelo próprio Deus quando fez o mundo e encarregou o homem e a mulher de dominá-lo e aperfeiçoá-lo. Dom Helder costumava dizer que Deus é o criador e nós somos co-criadores, chamados a dar total colaboração, porque cada um de nós tem o dever de contribuir para conservar e aperfeiçoar a obra de Deus. A ecologia e a economia devem andar de mãos dadas a serviço da obra de Deus. Qual é essa obra de Deus que Ele quer que seja conservada e aperfeiçoada? A obra de Deus é um mundo bonito para uma humanidade feliz. A Bíblia nos mostra que Deus não criou um vale de lágrimas. O que ele fez foi um paraíso um grande jardim com muita água (eram quatro rios) com muitas arvores frutíferas, muitos animais e muitas flores. Só depois de preparar essa mansão para a humanidade, foi que Ele criou o homem lhe confiou este jardim para que cuidasse dele e encontrasse nele tudo o que fosse necessário para a sua sobrevivência. Criado por Deus para dirigir e desenvolver toda a sua criação, o homem precisava ter atributos divinos, pois foi feito a imagem e semelhança de Deus. Como Deus é? Deus é uma só, mas não é totalitário: Ele subsiste na trindade de pessoas. Para que o homem seja verdadeira imagem de Deus, é necessário que ele também não fique só, não se isole. A mulher é criada por Deus antes de tudo para que o AMOR que Deus é possa ser retratado na sua criação. Eis porque o homem ao despertar do profundo sono e vendo ao seu lado a mulher criada por Deus, não teve de imediato a reação normal do sexo: não quis possuí-la. Mas sentiu-se empolgado, como que encantado, extasiado diante da obra maravilhosa de Deus e proclamou entusiasmado: “Esta sim. É osso dos meus ossos, é carne da minha carne” (Gen. 2, 23). Agora temos realmente na criação um ícone, uma imagem e semelhança de Deus, porque Deus é amor e só o amor constrói, só o amor conduz a Deus.
Poderá alguém sentir-se frustrado com essa linguagem e pensar consigo mesmo que fui convidado para solidarizar com cidadãs e cidadãos que estão se formando em diversas áreas do saber humano e não para fazer catequese sobre Deus e a criação. É que essa catequese que nos reporta às origens e ao sentido da vida humana é fundamental para quem quer como vocês, jovens concluintes, colaborar na construção de uma sociedade mais justa e sobretudo mais fraterna. É isso que exige que a festa de formatura não termine hoje, não termine aqui, mas adquira o sentido de um compromisso permanente com uma causa maior, compromisso que vocês selaram quando nessa solenidade fizeram o juramento de praxe colocando-se a serviço do bem comum.
Partindo da consciência de que outro mundo é possível, cabe a cada um de nós a tarefa de identificar e organizar as forças de transformação que se acham dispersas na natureza. É missão de todos nós, é a dimensão política de toda vocação humana. Nós, os mais antigos temos bem viva ainda a lembrança de como a juventude, sobretudo a universitária, acreditou na possibilidade de um mundo diferente. Acreditou e lutou para que acontecesse, os jovens da geração dos anos sessenta pensavam e diziam: fazer um curso universitário era, na época, privilégio de um pequeno número. Nós fazemos parte desse pequeno número de privilegiados. Nossos estudos se realizam com a contribuição de todo o povo. É ele, o muitas vezes sacrificado povo brasileiro, que paga os impostos e assim dá condições para que haja universidades públicas. Por isso, nos sentimos na obrigação de uma vez formados, partilhar com o povo os benefícios recebidos. A partir dessas considerações muitos jovens, principalmente animados pela JUC – Juventude Universitária Católica -, se decidiam a oferecer para o povo as primícias de sua profissão. Não pensavam em conseguir, logo depois de formados, um emprego com bom salário e outras benesses: contentavam-se com moradia e alimentação. Os dois primeiros anos de vida profissional eram sua oferta à sociedade que lhes permitiu um curso superior, só após cumprirem esse dever de gratidão era que se sentiam no direito de pensar na própria vida e na família a ser constituída.
Eu conheci muitos desses jovens idealistas e convivi com alguns deles. Vários, já durante as férias escolares formavam grupos que iam para as comunidades da zona rural ou da periferia das cidades para fazer alfabetização pelo método Paulo Freire. Nessa atividade procuravam viver a vida dos moradores. Comiam a comida deles, dormiam como eles em redes precárias, ajudavam a fazer cercas e caminhos, trabalhavam nos roçados. As moças iam com as mulheres lavar roupa no açude ou descascar mandioca nas casas de farinha. À noite era sempre reunião das comunidades com os cursos de alfabetização não a partir de teorias e conceitos pedagógicos em linguagem desconhecida do povo, mas sempre tendo como base a própria vida e o trabalho dos destinatários. Até que veio o golpe de 1964 que feriu de morte as organizações juvenis e estudantis. Os jovens principalmente os universitários e os operários – JUC e JOC – foram submetidos à rigorosa vigilância e impedidos de formar grupos. A própria Universidade passou por reformas no seu currículo que deixou de ser por cursos. Introduziu-se um sistema de créditos que facilitava a desmobilização da juventude.
Como não recordar com emoção, nomes de jovens universitários recém-formados como Celso Generoso Pereira formado em Medicina, Miriam Graça, formada em Enfermagem, João Parente, Engenheiro Civil, Maria Letícia, doutora em Letras, como muito outros jovens universitários, esses quatros decidiram dar os dois primeiros anos de exercício de suas profissões a uma pequena cidade do interior de Minas Gerais. Em dois anos de atividades eles transformaram a fisionomia da pequena Sabinópolis, pelo trabalho profissional e pelo relacionamento com a comunidade. O médico e a enfermeira não só atendiam os enfermos como ensinavam a medicina preventiva através da mudança de hábitos na higiene e na alimentação. O engenheiro mostrava ao povo como ter casas simples e bonitas usando material que eles encontravam na natureza ou podiam fabricar. Letícia, professora de literatura desenvolveu nos jovens e nas crianças o gosto pela leitura, pela poesia e pelo teatro. Sendo católicos os quatro, as celebrações dominicais animadas por eles, foram se tornando vivas e atraentes. Quem não se encantava vendo o médico fazendo uma das leituras, o engenheiro orientando a procissão das ofertas, a enfermeira e a professora cuidando da ornamentação e dirigindo o canto litúrgico? As famílias que formavam grupos fechados de acordo coma filiação partidária, foram abandonando as filiações partidárias para com os adversários e passaram a relacionar-se independentemente da filiação partidária. Sabinópolis já não era mais a mesma antes e depois da presença desses quatro recém-formados.
Nem é preciso recorrer as Minas Gerais para encontrar exemplos da generosidade da parte dos jovens universitários recém-formados. Aqui em nossa Paraíba tivemos, em passado não muito distante, testemunhos eloquentes do poder transformador da juventude universitária. Gláucia está viva, é médica e pode confirmar minhas palavras. Seu esposo Genaro continua em atividade entre nós. É paulista, é educador. Veio passar férias no Nordeste com vários outros estudantes universitários atraídos pelo desejo de conhecer outra realidade do Brasil. Genaro veio, conheceu, voltou para São Paulo, terminou seu curso universitário, veio definitivamente para a Paraíba. Veio trabalhar em Educação. Casou-se com Gláucia. Não ficaram ricos. Levam vida modesta e orientam na mesma direção seus filhos. Ganham o suficiente para viver com dignidade. Confirmei recentemente com Gláucia a versão que transmito em minhas falas sobre o testemunho que ela deu como jovem universitária. Interpelada pelo pai que não via com bons olhos a participação dela nas atividades dos jovens universitários de medicina que, em companhia de uma de suas professoras, ela também médica, iam para a periferia e para os mangues, colhiam fezes, urina e sangue de moradores, levavam para o laboratório da Universidade, faziam os exames e análises e voltavam com os resultados mostrando ao povo como deveriam mudar seus hábitos de higiene e de alimentação para proteger a saúde... O Pai de Gláucia lhe dizia: Minha filha, estou custeando seus estudos e o faço com muito prazer, não para você ficar cuidando de pobres e de favelados, mas para você se formar ter seu gabinete sua casa, seu carro e tudo a que tem direito uma médica. A resposta deixou o pai desarmado: “Ô pai, então vamos resolver logo isso porque eu não quero ser médica para ter vida fácil. Eu vou ganhar sim, porque vou precisar ter instrumentos de trabalho, vou precisar de um escritório bem montado, de ambiente confortável, mas tudo isso para poder cuidar melhor a saúde das pessoas porque é para isso que eu quero ser médica: para combater doenças, ser gente de saúde. O mais vai ser meio para alcançar esse objetivo”. É evidente que o pai concordou e a filha continua realizando seu ideal... Prova de que não é só em São Paulo e em outros estados do Sul que surgem heroínas e santas como Dra. Zilda Arns. Nós os temos também, no Nordeste e na Paraíba. Santos e Santas que se consomem na dedicação do bem aos seus semelhantes.
Sei que a Universidade Estadual de Campina Grande continua procurando manter vivo nos jovens esse idealismo. Estariam os jovens formandos se inspirando na lição e nos exemplo de seus mestres para uma futura intervenção profícua na sociedade? Ou estariam se deixando levar pelo pragmatismo contemporâneo que só valoriza resultados mesmo que seja com sacrifício da verdade e dom bem das pessoas? Ou os jovens estão pensando mais no emprego que vão conseguir, nas facilidades financeiras que terão, nos benefícios sociais que lhes serão concedidos do que naquilo que o povo necessita e eles poderão ajudar a conseguir? Estaríamos nos tornando todos individualistas e perdendo a dimensão social da vida? Estará diminuindo em nós o sentido de fraternidade? O brasileiro sempre primou pela hospitalidade, sempre se dispôs a acolher, a orientar e até a hospedar quem quer que cruzasse seu caminho ou batesse a sua porta pedindo ajuda. E se encontrávamos algum desconhecido procurávamos nos aproximar para saber de onde era e se necessitava de alguma coisa. E, com prazer, o orientávamos e, se fosse o caso providenciávamos para ele hospedagem e transporte. E nos sentíamos gratificados pelo que fizemos... Hoje,quando vemos o desconhecido, nos perguntamos interiormente: Será um assaltante? Onde está a minha bolsa? Não nos comportamos como irmãos. Somos todos suspeitos uns para com os outros, quando desconhecidos. Esse clima penetrou a sociedade. Igrejas e universidades, escolas e clubes, comércio e indústria, todos vivemos num clima de medo e desconfiança.Não éramos assim. Não vivíamos sob o signo do medo. No Natal e na passagem do ano podíamos deixar nossas casas e nos reunir nas igrejas ou nos clubes. Hoje até o horário das missas foi alterado por medo. Em muitos lugares não se celebra mais, no Natal, a missa de meia noite, a missa do galo como se dizia antigamente. Estamos cedendo cada vez mais terreno ao nosso adversário,o medo.
Vocês que pertencem à classe privilegiada dos que puderam fazer um curso universitário tem obrigação de colaborar com todas as suas energias para mudar essa situação e convencer aos  outros jovens e a toda a sociedade que um mundo diferente é possível. Não menosprezem a força que vocês representam. Por serem jovens e por terem diploma de curso superior vocês se tornam líderes  com o poder e a força das minorias abraâmicas. É outro conceito muito caro a D.Helder. Ele dizia que em toda sociedade, há um grupo de 10% que puxa pra trás, mostrando-se contrário a qualquer mudança. Esses não têm projeto nenhum: só querem que tudo permaneça como está. Há um grupo numeroso – 60% - que forma a coluna do meio. Esses se mostram diferentes: mudar ou continuar como está é, para eles, a mesma coisa. E há 10% que desejam e lutam por uma sociedade melhor, inclusiva, participativa, o que exige profundas mudanças sociais. Muitos da coluna do meio seguem os 10% que querem avançar e promover mudanças necessárias que, por isso, acontecem graças à ação corajosa de uma minoria  abraâmica. Esperamos e desejamos ardentemente que vocês estejam sempre entre esses 10% que representam as forças transformadoras da  sociedade.
E fiquem certos de que não vão partir da estaca zero. Nem estarão sozinhos nessa aventura. Quem como vocês conhece o Carnaval em Campina Grande sabe que um mundo diferente é possível. Sem excluir ninguém, sem condenar ninguém, Campina Grande que já tem o melhor São João do Mundo, faz também o Carnaval mais diferente do mundo, um carnaval que coloca ao lado  dos folguedos momescos muito reduzidos, o espaço para o diferente, para uma nova consciência. São heranças do passado a serem enriquecidas e transmitidas aos pósteros. Campina já conquistou, nova consciência pra viver o tempo carnavalesco, já tem o melhor São João do mundo. No presente desfruta das novas conquistas sociais: maior número  de empregos formais, mais famílias com casa própria, os benefícios do Programa de Saúde da Família, a democratização dos cursos universitários, melhorou sensivelmente a situação econômica do povo. É esse rico patrimônio passado às novas gerações, que é confiado  a vocês, jovens concluintes da Universidade Estadual. Se assumirem este legado com espírito patriótico  e o passarem enriquecido à geração que vai sucedê-los, vocês terão a gratidão dos coetâneos e o prêmio prometido aos corajosos: “Vossos nomes inscritos no céu.” Lc 10,20.

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