Por Riad Younes, Portal Terra
Homenagem a meu querido amigo Luis Nasr, que recentemente nos deixou. Cedo demais!
Todos nós vamos um dia morrer. Disso ninguém duvida. Até algumas décadas atrás, morrer parecia ser um evento natural, comum, inexorável, pré-determinado. Dependendo das convicções filosóficas ou religiosas, cada um de nós encara este evento natural, inescapável, de seu jeito particular. E hoje em dia, convenhamos, a medicina e a ciência aumentaram muito as expectativas de vida da população em geral. Quem nasce hoje em São Paulo teria uma razoável esperança de viver até 2080. Os avanços são inegáveis. O impacto não se limitou a nos distanciar da morte. Empurrá-la para um pouco mais longe. Mudou, rapidamente, nosso modo de olhar para a morte. De um evento natural, tornou-se um inimigo a ser combatido a todo custo. Não mais uma consequência da própria vida. E não discutimos muito a morte, filosoficamente. Entre fatalistas, religiosos e descrentes, perdemos nosso foco em relação ao papel social da morte, e ao papel da sociedade na morte.
Nos encontros de salão, não queremos nem falar disso. Nossa memória de dias maravilhosos do passado, de acontecimentos memoráveis que florearam nossa vida, nos dá a implícita certeza que, em prolongando nossa vida, mais dias felizes e eventos agradáveis serão uma consequência automática! Após a morte, por outro lado, não conseguimos imaginar nada melhor de que nossa vida pregressa. Exceto para os que incorporaram um sentido religioso, filosófico ao além túmulo. Queremos mais do mesmo mundo, da mesma vida, que já experimentamos. Infelizmente, ninguém consegue garantir isso. Simplesmente aumentando o número de semanas com vida não implica em boa qualidade da mesma. Nosso corpo. Nossos órgãos podem não funcionar. E o sofrimento pode ser ainda maior.
O prêmio da vida longa pode não valer a pena. Muitos médicos têm dificuldade em lidar com a morte de forma integrada. Um professor de oncologia de uma Universidade americana afirmou, dois anos atrás em palestra magistral, que a morte não de passa de uma sequência de doenças evitáveis. Bastaria eliminá-las uma a uma! Diariamente a morte ronda os hospitais e os médicos. Os assombra e os tira o sono. Médicos, pacientes e familiares têm a clara consciência de sua proximidade. Sentem seu vulto a cada procedimento. Mas nem por isso sua aceitação como fato da vida se torna mais fácil.
Um grande número de pacientes, sob os cuidados de especialistas extremamente capazes e detentores do saber e da experiência médica, fica dias, semanas, e até meses em tratamentos intensivos, sem perspectiva real de melhora e de retorno a uma vida digna, socialmente frutífera e adequada. O sofrimento destes pacientes parece interminável, enquanto que famílias e médicos se apegam à luta diária de combater, uma a uma, complicações e deteriorações da qualidade fundamental da vida e do funcionamento do corpo. Aceitar a morte está, em geral, fora de questão. Às vezes, mais parece que perdemos totalmente a perspectiva. O valor real da própria vida. A morte se tornou o símbolo máximo do Mal. A morte é sem dúvida a inimiga da boa vida. Mas, sinceramente, quando a continuidade de uma vida boa não for possível, a morte não necessariamente seria o pior dos males.
Faz todo sentido que a medicina combata algumas causas e doenças que levem à morte, mas não faz nenhum sentido considerar a morte como um inimigo absoluto da medicina. Está na hora de, médicos, paciente e familiares, claramente diferenciar prolongar a vida, de retardar a morte. Pois, de certo, a morte não mudou... O que mudou foi nossa percepção da vida.
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