Por Fausto Martin de Sanctis, desembargador federal.
A Câmara dos Deputados recentemente aprovou legislação que afrouxa as restrições aos agricultores no uso de suas terras, inclusive na Amazônia. Uma mudança que preocupa a todos os cidadãos, não somente os ambientalistas, diante do fundado temor do aumento do desmatamento ou mesmo da total extinção das condições para uma sobrevivência limpa e saudável. As alterações, é certo, estão na direção de permitir, a par de uma leniência estatal, a plena capacidade e o aumento exponencial da produção agroindustrial. O projeto faculta aos produtores o cultivo nas margens dos rios e nos topos de montes, além de anistiá-los das severas multas aplicadas até julho de 2008, a despeito do eventual desmatamento ilegal da cobertura vegetal.
Embora estejam livres de punições já impostas, grandes produtores terão que replantar as suas terras devastadas ou adquirir outras e preservar na mesma proporção do desmatamento. Os pequenos produtores, por sua vez, não possuirão igual dever de replantio por fatos ocorridos antes de 2008. Tenta-se remover, pois, para eles, todas as obrigações impostas na preservação da cobertura verde. É real, no entanto, o risco de cheias, de assoreamento de rios, de erosões, além do impacto evidente nas nossas florestas, que possuem uma nobre e essencial função: a de absorção do dióxido de carbono. Sabe-se que 20% delas já se foram.
O texto, que ainda não é definitivo, altera conceitos importantes (nascente, olho d'água, topo de morros, restingas, manguezais) de forma a fulminar o pouco que ainda resta. Doutra parte, produtores sentem-se traídos pelas regras de preservação consideradas extremamente duras, o que, segundo eles, alijaria o país de seu potencial econômico. Aí reside o dilema. Nos meses de março e abril deste ano, constatou-se um aumento em seis vezes do desmatamento se comparado com o mesmo período do ano passado. Efeito do projeto ainda não totalmente aprovado? Fácil concluir, por si só, pela ausência de controle ou pela existência de frágil fiscalização quanto ao que teria sido desmatado, tornando duvidosa a eficácia da obrigação de recomposição vegetal.
Quem viaja pelo país constata que esta constitui uma necessidade premente, diante do tamanho da volúpia do descaso com a atual legislação florestal e a gana por ganhos imediatistas. O ser humano deve agir com justiça, com corresponsabilidade. A propósito, a justiça é inerente à sua condição e não pode se desassociar de sua utilidade. A morte constitui o momento mais sublime do ser humano, já que permite questionamentos, uma rica e emocionada ocasião para indagações, mesmo que tenhamos consciência da impossibilidade de se obter respostas convincentes. A conclusão aqui não é a mesma. A ótica exige uma postura que leve em conta a luta de nossos antepassados e o olhar sobre o futuro. Se no presente pontua-se obra realizada no passado e ele é o passado do que virá, somos responsáveis para com as novas gerações.
Será que ao constatarmos, já neste momento, terras arrasadas e sem vida, não seria o bastante para prever as consequências de medidas pouco eficazes que comprometem as glebas ainda em seu pleno vigor? É da natureza intrínseca do capitalismo a busca incessante de lucros e o antagonismo ainda não resolvido entre economia e miséria, algo esmagador e humilhante. Não se deseja a destruição do criativo capital, tampouco da cobertura vegetal. Viver em democracia implica necessariamente a tomada de decisões em prol do próximo para a sobrevivência do todo. O homem só vale pelos valores que agrega desde que, na esteira de Aristóteles, não se afaste da justiça tornando-se o pior de todos os animais. Imperiosa, pois, é a concretização de seu papel ético-cultural, com atuação realista, leal e responsável. Repensemos o modelo para que a solução não acarrete o desprezo de si, da seiva, da vida.
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