Por Nely Mesquita de Castro, da Revista Piauí
No mundo inteiro, a internet é tida como território dos jovens. No Brasil, segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, a PNAD, a idade média dos usuários é de 28 anos. A turma de mais de 50, no entanto, forma o grupo que mais cresce no uso da rede. Há cinco anos, a dona de casa mineira Nely Mesquita de Castro, de 80 anos, tornou-se uma internauta de mouse cheio. Moradora de Brasília, onde vive sozinha, sua rotina inclui pelo menos quatro horas por dia on-line. Domina o Google, lê jornais pela rede, se comunica com familiares espalhados por todos os cantos. Em cliques rápidos, traz o mundo para a sua tela.
Confira o diário que ela escreveu no mês de julho:
DIA 02_São sete da manhã e minha caixa postal já está cheia. Dos 46 e-mails que me esperavam, encaminhei catorze, com piadas ou roteiros lindos de viagens, para parentes e amigos. Aquelas correntes religiosas ou tratados sobre ervas milagreiras para curar tudo – de câncer a osteoporose –, nem passo adiante.
Como fui tão turrona de resistir ao computador? Meus filhos insistiam para que eu aprendesse a mexer na internet, mas relutava nem sei por quê. Até que ganhei um micro. Entrar no mundo da informática foi uma descoberta.
A internet é um lugar maravilhoso. Aprendemos coisas novas, conhecemos lugares longínquos e estranhos, hábitos de povos diferentes, nos reciclamos demais. Tem-se de tudo: músicas e danças, trechos profundos de pensadores e escritores, fofocas da vida dos famosos e dos políticos e um quadro geral da situação do país. Ficamos sempre antenados, sem aquela de não saber onde a banda toca. Descobertas científicas, experiências com células-tronco, que salvarão muitas vidas. E, ainda, a parte humorística. Quem não gosta de uma boa piada para desopilar o fígado? Lições de gramática, novas receitas culinárias, é um instrumento completo que temos nas mãos.
Não sou fanática de ficar com o mouse na mão o dia todo, mas quando entro na internet, me enriqueço demais. Vejo os noticiários, recebo notícias da parentada que mora longe, dos filhos, dos netos e, quando há fotos dos bisnetinhos então, aí ganho o dia. Falo com a família diariamente, muito mais vezes do que quando tínhamos só o telefone. Eu, tida como a matriarca, dou notícia de uns para os outros. Tenho 42 contatos de e-mail. Nem sei se ainda se usa telegrama para informar algo mais urgente. Cartas, há muito tempo não recebo, hoje tudo é no correio eletrônico, bem mais acessível e rápido. Nunca pensei em viver para compartilhar esta facilidade.
DIA 03_ Meu filho veio hoje instalar uma nova impressora. A outra era a laser, tão boa e cara, e não durou nada. Já é a segunda que compro, apesar de usá-la pouco. Também já tive que trocar o computador. Era novo, tinha uns dois anos, mas começou a ficar muito devagar, demorava uma eternidade para aparecer uma foto ou um e-mail. No ano passado, ganhei de aniversário um novo, com a tela fininha. Hoje, mandar consertar fica o preço de um novo, é tudo descartável, não compensa. Antigamente, uma geladeira durava quarenta anos – a minha tem 37 e ainda funciona muito bem. Vai ver que é para ser assim mesmo: efêmeros e discretos.
DIA 04 _Acabei de fazer um grande passeio pelo lago Baikal, maravilhoso. Sempre tive a Sibéria como uma região gelada e sem atrativos. Como estava enganada. Ela tem lugares belíssimos, mesmo no inverno, e o gelo chega a ser azulado.
Estava matutando: todos os meus contatos na internet são de pessoas bem mais jovens, ninguém da minha faixa etária. Preciso convencer alguma amiga dos benefícios da internet. Algumas julgam ser um bicho de sete cabeças, mas que nada! Quando se começa, vem o embalo e nos leva a mais conhecimentos, novas amizades, e esse sopro de pessoas mais novas é essencial. Por mais idade que tenhamos, é capital manter a cabeça aberta e aceitar as novidades.
DIA 05 _Dia tranquilo, somente catorze mensagens pela manhã. Recebi notícias dos netos que moram no Rio e na Califórnia, de uma sobrinha da África do Sul e de um de Barreiras, na Bahia. Também de um filho que está passando uns dias com a mulher e uma filha no Ceará. Pegando sol na praia, saíram do frio de São Paulo.
Meu filho fez uma coisa interessante no meu computador, que facilita muito a organização dos meus e-mails: do lado esquerdo, pôs o nome de todos os parentes e, quando chega uma mensagem deles, já cai ali. Fica em negrito e é só clicar em cima para ler.
Mandaram um e-mail curioso: só a cada 823 anos acontece o que houve agora, de um mês de julho ter cinco sextas-feiras, cinco sábados e cinco domingos. Nunca tinha reparado nisso.
Até hoje não sei o que significam as letras na carreira de cima do computador. Vão de F1 a F12. Vou me lembrar de perguntar ao primeiro neto que aparecer. Agora, vou ver um espetáculo lindo de tango entre homens, perfeito.
DIA 06 _Hoje demorei para entrar no computador porque estava sofrendo com o jogo de vôlei do Brasil contra Cuba, um grande adversário. Jogo apertado, mas fiquei feliz com a vitória do nosso time. Recebi um e-mail de um sobrinho que está em Barcelona a passeio, e eu nem sabia. Que fotos lindas ele me mandou, e como parece estar aproveitando.
DIA 07_A minha vida se resume a leituras, televisão e internet, principalmente. Eu me acomodei muito, com as dificuldades de locomoção, de subir escadas, de entrar e sair de um carro. Pela manhã, costumo ficar uma hora, ou mais um pouco, no computador. Depois, desço com minha funcionária, ando um pouquinho para ativar a circulação e fico sentada tomando sol uns vinte minutos.
Volto para casa e vou me inteirar das notícias. Acho muito bom porque na internet já tem o resumo de tudo. Eu clico naquele globinho que fica enfileirado na parte de baixo da tela e as notícias já aparecem.
Ao longo do dia, entro mais umas três vezes na internet. Divido bem meu tempo, pois recebo telefonemas de amigas, visitas e, às vezes, vem um profissional para consertar alguma coisa em casa. Também tenho tempo para minhas palavras cruzadas. A internet nos evita a ociosidade. Fico sempre com a impressão de que estou aprendendo alguma coisa, e não ficando passiva na frente da tevê.
DIA 08_Estava sofrendo, acompanhando o vôlei da Seleção contra a Rússia. Fui jogadora de vôlei na adolescência, e não deixei de vibrar e me interessar pelo esporte. Quando os jogos são de madrugada, coloco o despertador para assisti-los.
Hoje já recebi 21 mensagens e ainda não respondi à metade delas. A manhã foi movimentada. Um filho veio se despedir, vai passar uns dias no Rio. Depois, minha nora e uma neta vieram me ver e conversamos bastante. Como é bom receber a visita de familiares.
Chegou um e-mail repassando os conselhos de um médico muito camarada. Ele recomenda andar pouco, já que se caminhar muito fizesse bem à saúde o carteiro seria a pessoa mais saudável do mundo. Também diz ser preciso fazer poucos exercícios e comer bastante porque, se nadar o dia inteiro e se alimentar de peixes e ervinhas fosse o ideal, a baleia seria muito magrinha. Que bufa.
Chegaram três novenas, inclusive uma para Santo Antônio, o casamenteiro (estou fora).
DIA 10_Escrevi que não tinha contato na internet com ninguém da minha faixa etária, mas tinha me esquecido de uma grande amiga cearense, pouco mais velha do que eu, que é mestra em computador. Ela me mandou um lindo cartão pelo e-mail.
Logo que ganhei meu primeiro micro, não sabia nem como ligá-lo. Minha filha contratou um rapaz para me orientar. Com paciência, ele foi mostrando o funcionamento. Eu já conhecia o teclado, pois fui datilógrafa, só que o do computador tinha muito mais opções. Se eu enfrentava alguma dificuldade, pedia auxílio a um dos netos.
Às vezes, a internet me assusta porque percebo que é uma porta para pessoas inescrupulosas, sempre querendo se dar bem na vida sem trabalhar. Hoje, recebi uma mensagem dizendo que meu marido, falecido há 28 anos, tinha compradocotas de um clube na Pousada de Águas Quentes, em Goiás, turismo de primeira. Mas, dizia no e-mail – que tinha meu nome completo e tudo mais – que, para receber o título definitivo, faltavam três cotas no valor de 30 mil reais.O despachante tão interessado falava que se encarregaria de resolver tudo, cobrando pouco. Eu daria um adiantamento para começar e não me arrependeria. Fiquei até comovida com tanto desprendimento.
Já é noite e ainda não acabei de responder às mensagens de hoje, ao todo, 31. Há pouco, chegaram dois e-mails me desejando um bom sono e um despertar tranquilo. Era um cartão com um gatinho cor-de-rosa que abria e fechava os olhos. Outro, vaticinando que terei um sonho com certos números, e que devo anotá-los, pois são os de uma Mega-Sena acumulada, mas terei de repassá-los a oito pessoas. Ah, repartir o grande prêmio? Destino: “delete”!
DIA 11_Ontem à noite, levei 45 minutos escrevendo um longo texto para esse diário e, na hora de clicar o Enviar, cometi um erro que não consegui reverter. O e-mail simplesmente se evaporou. Já lancei um SOS a um filho; amanhã, quando sair do trabalho, virá aqui ver qual a besteira que fiz e colocar tudo no lugar. Depois, ainda amarguei a Seleção de vôlei masculino não ganhar a grande final da Liga Mundial.
Estava sentindo falta dos e-mails da filha de uma grande amiga, com quem me correspondo diariamente. Pensei que ela estivesse viajando, mas hoje notei que o nome dela estava oculto na minha lista. Vi um sinal ao lado do nome de outra pessoa e cliquei. Aí, surpresa, apareceu o nome dela e 23 mensagens que ela havia me mandado e eu não havia visto. Então, já aprendi: tendo um sinal ao lado, clicar no nome e aí aparecem todos. Errando, clicando, vai-se aprendendo.
Mandaram um jogo de memória interessante. Vou repeti-lo, mais devagar, para ver se acerto todas. O objetivo do teste é manter “o alemão” (o velho Alzheimer) bem longe de nós, idosos. Também me mandaram um anúncio de cursos de dança. Para mim, chegou tarde, Inês é morta. Já o site de culinária, enviado por uma sobrinha, tem receitas muito boas, principalmente para quem está começando no fogão. Vou repassar.
DIA 12_Não é toda piada que a gente pode passar para a frente. Principalmente sobre política. Quase todo dia recebo uma gozação sobre o nosso ex-presidente Lula ou o PT. Dos meus filhos, só um não é fã e admirador do Lula. Então, quando eu repassava as piadas, eles chegavam a brigar comigo e diziam não achar graça nenhuma. Parei, para evitar aborrecê-los. Mas com os sobrinhos e a maioria dos amigos, trocamos piadas engraçadíssimas sobre o ex-presidente.
Agora à noite, excepcionalmente, só recebi dois e-mails, um agradecendo a mensagem de pesar pelo falecimento do marido de uma prima e o outro de propaganda de loja. Ultimamente, lendo o obituário no jornal, vejo que as pessoas da minha idade estão indo embora. Quero ficar mais um tempo por aqui, curtindo minha família e me encantando com os bisnetinhos.
DIA 13_Estou meio embaraçada para mexer com os últimos e-mails. O nome do meu filho de São Paulo, com todas as mensagens que ele me mandou, desapareceu, não sei o que houve. Ninguém ainda pode vir aqui consertar, então vou fazendo o que dá.
De 25 e-mails em minha caixa hoje, sete eram malhando o governo. Por que alguém me manda um e-mail mostrando a foto de uma modelo que caiu na passarela? Ora, ora, que falta de assunto. Em lugar de dar notícias sobre a situação financeira atual da Grécia, da Itália e de Portugal... O mundo está em crise!
DIA 14_Não digo que os netos são uma tábua de salvação? Pois uma neta minha, muito querida, veio aqui e, de uma sentada rápida, resolveu o problema que eu havia criado para abrir os e-mails. Ela ligou para o pai, que ficou passando as instruções pelo telefone. Agora, meus contatos já voltaram a ficar visíveis e recuperei tudo o que o meu filho de São Paulo havia me mandado pela internet. Chegou uma piadinha engraçada e meio picante, mas seria de mau gosto reproduzi-la.
Mais convites para entrar no Facebook. Não vou, não. Quando estava na moda o Orkut, meu neto fez uma conta para mim. Um dia, recebi uma mensagem de um homem horrível, que tinha o nome de “Chico Pinga”, dizendo: “Oi, Nely, vamos dar um rolê por aí?” Fiquei com medo. Ele sabia meu nome e conseguiu me localizar, aí pedi para o meu neto me tirar daquilo. Depois, soube que era um sobrinho-neto de São Paulo, muito espirituoso, que usava esse personagem para brincar com as pessoas. Mas não quis entrar novamente.
Não sinto falta das redes sociais. Fico pensando como se namora pela internet. Só pode acontecer na cabecinha de jovens, pois para mim é uma verdadeira caca. O bom do namoro é você conhecer o parceiro, conversar muito e ficar por dentro de seus ideais, do que pensa da vida, e isso demora. Os jovens acham divertido, mas sei de casados que, para passar o tempo, engatam um namorico virtual, sempre escondido da mulher, apenas para se divertir, e tudo termina em pizza, salvo algumas decepções e prejuízos.
DIA 18_Uma sobrinha me mandou um texto do Luis Fernando Verissimo, de quem sou fã pela sua inteligência e criatividade. Ele conta que, aos 14 anos, por influência de um amigo, entrou para o mundo das drogas musicais. Embrenhou-se naquele mundo baixo, até que se recuperou graças à MPB, a Mozart e Chopin. Repassei para a minha neta e ela respondeu dizendo que não deve ser ele o autor, porque o texto é um horror e está muito mal escrito. Como alguém coloca o nome de um escritor famoso e divulga isso na internet? Não dá processo?
DIA 19_Agora à tarde, três lojas me contataram oferecendo artigos com preço de liquidação. Engraçado como pegam nosso nome e endereço eletrônico para mandar tantas ofertas. Como será que descobrem isso?
Ouvi músicas cantadas pelo Charles Aznavour, belíssimas. Que C’est Triste Venise... Como a música nos eleva, nos acalma e nos encanta.
Antes de dormir vou responder a oito mensagens que restam, não gosto de acumular para o dia seguinte e nem deixar ninguém sem uma réplica. Quem teve a lembrança e gentileza de me enviar um e-mail precisa de resposta, e gosto tanto das pessoas que se lembram de mim.
DIA 20_Às três da tarde havia só quatro e-mails. Dois me desejando um bom-dia e oferecendo produtos; um, para variar, de corrente para salvar uma criancinha e um outro da Receita Federal. Ora, todos sabem que a Receita não se comunica por e-mail, então deletei logo sem abri-lo.
Gosto quando recebo fotos de uma grande cidade, tiradas há mais de oitenta anos, e posso acompanhar seu desenvolvimento até os dias de hoje. São as roupas dos habitantes, os bondes nas ruas, as lojas, tudo tão diferente, acho muito positivo poder comparar o progresso. Mas, para mim, a grande invenção do século foi mesmo o computador.
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