Por Martín Granovsky, do Portal Vermelho
Este parece ser o tema do novo documentário de Moore: o coração. Neste caso, o coração desolado pela perda daqueles Estados Unidos de Moore ainda criança. Como disse um desempregado da General Motors, “antes com um emprego na GM era possível sustentar uma família, incluindo quatro semanas de férias e uma visita a Nova York no verão, no meio”. E além disso “mamãe não precisava trabalhar”.
Há certas cenas graciosas, irônicas, grotescas e tristes, mas as melhores imagens de Capitalismo: uma história de amor são as que Michael Moore mostra, pisando a realidade. “Pisando” é literal. Em um trecho do documentário se vê ele com seu pai. Não estão em uma casa. Caminham por um descampado, os dois com seus gorros de beisebol. Michael alto e gordo. O senhor Moore, baixo e magro, com certo lamento no olhar quando observa que no descampado havia a fábrica de velas onde trabalhava. A fábrica vendia autopeças para a General Motors, coração econômico dos Estados Unidos nos anos 50 e 60.
Este parece ser o tema do novo documentário de Moore: o coração. Neste caso, o coração desolado pela perda daqueles Estados Unidos de Moore ainda criança. Como disse um desempregado da General Motors, “antes com um emprego na GM era possível sustentar uma família, incluindo quatro semanas de férias e uma visita a Nova York no verão, no meio”. E além disso “mamãe não precisava trabalhar”.
À primeira vista Capitalismo: uma história de amor parece uma crítica ao capitalismo. Errado. Aqui há zero de Marx. Não há uma interpretação da mais-valia. Nada de censurar o direito de propriedade de, por exemplo, uma grande fábrica. Antes, Moore rememora esses tempos. O seu filme tem um sabor surrealista, em variante documental.
Se há uma crítica, parece-se à de Full Monty, a história dos metalúrgicos demitidos de Sheffield, que se convertem em strippers para sobreviver. É uma crítica à perda dos velhos tempos de pleno emprego e seguridade social, épocas em que, junto aos mecânicos estadunidenses, os metalúrgicos ingleses poderiam conhecer bem um ferroviário de Tafi ou um operário de Valentin Alsina.
No caso de Moore, a história tem um acréscimo. Trata-se de uma família católica com acesso a sacerdotes que não têm problemas em dizer – e assim aparecem, filmados – que o capitalismo é o diabo. Esclarecimento: para uma parte da teologia católica o problema é a usura ou a ganância financeira e o discurso sobre o dinheiro, só o discurso, é distinto do que os cristãos calvinistas esgrimem.
Por isso, Moore chega a se perguntar em que momento da Bíblia (porque ele não sabe) Jesus Cristo teria se tornado capitalista. Um ponto interessante na visão histórica é o enfoque sobre a Segunda Guerra. É clássico dizer que a guerra ajudou aos Estados Unidos porque impulsionou a fabricação de bens, em boa parte bélicos, e acelerou a saída da Grande Depressão dos anos 30. No filme a ênfase é posta no período do pós-guerra, com a tese de Moore de que as empresas automotoras alemãs tinham colapsado por causa da guerra e as estadunidenses avançaram com vantagens sem competição externa por muitos anos.
Outro dado da crítica de Moore: no filme tanto a Alemanha como o Japão aparecem várias vezes. E, num certo momento, como modelo. São apresentados como um exemplo de países em que “os líderes conservadores, quando governam, não destroem a classe média” e onde “os trabalhadores têm voz no comportamento dos executivos da empresa”.
As preferências políticas de Moore estão mais claras. “Um dia os ricos escutaram que algo se aproximava, e pela primeira vez não era outro Martini Seco, mas o condenado norte-americano”, lê-se quando aparece Barack Obama na campanha.
E, ao mostrar esse Michigan que ama, Moore recorda quando Franklin Delano Roosevelt mandou o exército reprimir. Só que, desta vez, não aos operários que haviam tomado uma fábrica; disparou contra a polícia e os capangas que golpeavam as famílias dos operários.
O documentário não parece se alinhar com os radicais, a esquerda norte-americana, mas com os liberais, o progressismo que, com Moore, está dotado de um forte compromisso com o mundo do trabalho concreto como fonte de bem estar e de uma desigualdade razoável. Em sintonia com a opinião do nobel de economia Paul Krugman, mudar essa sociedade por uma muito mais desigual foi uma decisão política das classes dirigentes. Ronald Reagan, duas vezes presidente desde 1981, foi o grande vendedor do novo modelo.
“Reagan encabeçou a destruição industrial para obter lucros no curto prazo e para destruir sindicatos”, disse Moore. O mote dos Estados Unidos? Seguramente. O mote do documentário, sem dúvida: o nome da companhia produtora é traduzido: “o cachorro que come o cachorro”.
É um documentário contra a brutalidade impiedosa que se tornou muito visível desde o começo da década de 1980.
“Já não existe meio-termo, não entendo – disse um grandote. Aqui estão os que têm tudo e os que não têm nada”. O xerife entra numa casa depois de arrombar a porta e pegar a fechadura com uma mão. Um negro é desalojado enquanto uma senhora grita: “Agora até tapumes eles põem nas casas! Nunca se tinha visto isso!”. O carpinteiro que prega os tapumes diz que era só o seu trabalho. O desalojado explica: “Faz 41 anos que vivo nesta casa. É a casa de meus pais”.
Quem acha estranho o fato de que Moore incomoda para ser incomodado e faz jornalismo dessa situação o terão. O gordo Michael sobe num caminhão de carga e recorre ao Goldman Sachs e a AIG, as primeiras firmas quebradas em 2008 depois da bancarrota do Lehman Brothers. Com uma bolsa, pede apenas que lhe devolvam o dinheiro que lhe foi levado do Tesouro, porque ele é de todos os cidadãos.
E há grandes cenas de capitalismo explícito. “O abutre é um oportunista que chega para limpar um cadáver”, diz um abutre que se dedica a confiscar propriedades a preço vil depois da crise das hipotecas-lixo. O senhor, nada distinto do advogado da argentina Carancho, é executivo da empresa Condo Vultures. Condo é uma contração de condomínio. Vultures, traduzido, significa abutres.
“Alguém me perguntou qual era a diferença entre um abutre e eu”, diz o abutre. “Eu não vomito em cima de mim”, sorri. “Nada pessoal”, diria Don Corleone.
Nenhum comentário:
Postar um comentário