quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Nelson Rodrigues é o farol que nós temos

Marca paradoxal - Escritor pernambucano fixou um patamar de excelência para a literatura dramática brasileira

Por Antunes Filho - Diretor Teatral

Nelson Rodrigues foi um poeta, foi gênio. Começou o teatro brasileiro, praticamente. Existe o pré-Nelson e o pós-Nelson. Mesmo o pós ainda é Nelson muito forte.
Ele trabalhou com coisas com as quais ninguém lidava. Quando estava todo mundo em Freud, ele já estava em Jung, sabe? Trabalhava com a mitopoesia, com o inconsciente coletivo.
Por meio desse inconsciente, trouxe à tona uma linha desejante de luz nas utopias de seus personagens. E quanto mais utópicos, mais eles se afundavam no lamaçal. É bonita a trajetória de correr atrás da luz e cair no abismo, ser engolido por areias movediças.
Nelson vem das cavernas, vem do homem primitivo e de suas necessidades, angústias e recalques.
No teatro atual, a sintaxe dramática é insuportável. E o Nelson resiste a isso, como resiste ao pós-dramático, à desconstrução, ao Lacan e sua historicidade do outro.
Hoje, não se entende muito as coisas. Só sabemos que o teatro está muito chato, sem saída. Há um certo tédio.
Como sair disso e ir para novos caminhos, como encontrar outras vertentes de luz?
Estamos num momento de transição violenta, e nisso Nelson é sempre útil, porque é poeta. E é isso o que o salva.
Ele é a referência, a luz, o farol que nós temos. E, se é o melhor, vamos tentar superar o melhor. Acontece que é impossível superá-lo, seja por sua vida trágica, seja porque ele foi um jornalista de fatos sanguíneos terríveis.
Ele teve essa sorte, podemos dizer, ironicamente. A tragicidade sempre o rondou.
Quem faz teatro está desesperado. Ao mesmo tempo em que está terrível, a situação é propícia para que estoure algo. O novo está na incubadeira. Pode surgir alguém que supere tudo, dê um caminho ao teatro.


Conheça um pouco mais de Nelson

23-8-1912, Recife (PE)
21-12-1980, Rio de Janeiro (RJ)

Nelson Rodrigues foi o mais revolucionário personagem do teatro brasileiro, abrindo as portas à moderna dramaturgia do país. Percorreu, contudo, um árduo itinerário, marcado pelas tragédias familiares e pela crítica contraditória. Desde seu primeiro texto, A Mulher Sem Pecado (1942), foi considerado ao mesmo tempo um imoral e um moralista, reacionário e pornográfico, um gênio e um charlatão, escandalizando, como nunca, o público e a imprensa especializada da época com seu teatro desagradável. Explorando a vida cotidiana do subúrbio do Rio de Janeiro, preencheu os palcos com incestos, crimes, suicídios, personagens beirando a loucura, inflamadas de desejos e agindo apaixonadamente, até matando, e diálogos rápidos, diretos, quase telegráficos, carregados de tragédia e humor. Quando lançou Vestido de Noiva (1943), montado pelo grupo Os Comediantes, no Teatro Municipal do Rio de Janeiro, renovou o teatro do país, quer pelo texto quer pela direção de Ziembinsky, e obteve sucesso. Nos anos seguintes, no entanto, teve suas peças interditadas pela censura, passou a ser sinônimo de obsceno e tarado e ficou conhecido como autor maldito. Nascido à beira-mar no Recife, mudou-se com a família para o Rio de Janeiro, para o pai tentar a vida como jornalista, em 1916. Foi o filho, no entanto, que brilhou na profissão. Aos 13 anos já era repórter policial do jornal A Crítica. Seu talento estendeu-se a todos os grandes jornais do Rio. Fanático torcedor do Fluminense, foi um grande cronista esportivo, ao mesmo tempo que escrevia reportagens policiais e folhetins romanescos. Obsessivo, escreveu 17 peças, centenas de contos e nove romances. Entre as peças, destacam-se A Falecida (1953), Os Sete Gatinhos (1958), Boca de Ouro (1959), Beijo no Asfalto (1960) e Toda Nudez Será Castigada (1965).

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