segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Carlos Ginzburg: "Não é possível ser audaz e prudente ao mesmo tempo"

Por Leandro Souza

O historiador italiano Carlo Ginzburg, 71, autor de "O Queijo e os Vermes" e um nome central da vertente chamada micro-história, defendeu em recente visita ao Brasil, uma postura combativa ao lidar com pesquisas históricas.
Para ele, o historiador deve agir como um advogado do diabo, apresentando questões difíceis às hipóteses. "Nenhuma afirmação pode ser considerada definitiva", disse. "Mas o ônus [da prova] é de quem suspeita."
Na ocasião, Ginzburg sugeriu uma leitura detida de fatos e circunstâncias, que chamou de "olhar lento, mas não tedioso", em contraposição a uma sociedade mergulhada em "imagens inflacionadas".
Ginzburg foi entrevistado pelo crítico literário e diretor de programação da Feira Literária de Parati (Flip), Manuel da Costa Pinto, e pela professora de história da USP, Laura de Mello e Souza. A mediação foi do jornalista Paulo Werneck. 

Leia a seguir os principais trechos da conversa

Provas
Quando é que podemos dizer ter provado algo? Seria útil que a linguagem nos oferecesse uma escala de provas -algo como prova de força quatro, cinco-, que pesasse o ônus da prova. O ônus é de quem suspeita. Mas nenhuma afirmação histórica pode ser considerada definitiva: toda afirmação é verdadeira até que se prove o contrário.

Advogado do diabo
A prova é como o advogado do diabo. Não é possível ser audaz e prudente ao mesmo tempo, só se você se desdobrar, uma parte formulando hipóteses com audácia, e a outra, apontando dificuldades e requerendo provas.
O advogado deve fazer as perguntas más, como se houvesse uma prova correta, criando um antagonismo.
Lévi-Strauss foi um advogado do diabo. Quando li pela primeira vez seu "Antropologia Estrutural", foi um encontro com um mundo muito distante. Foi esse desafio à história que me fascinou em Lévi-Strauss. Nos anos 70, o diálogo era intenso entre historiadores e antropólogos.
A antropologia, para mim, foi muito importante. Existe ainda hoje isso do antropólogo como figura inquisitiva.

Micro-história
Insisto que o termo micro não tem a ver com pequenez, com aquilo que esteja à margem dos objetos. Diz respeito a um olhar analítico, microscópico. É possível ver a perna de uma mosca no microscópio ou a textura da pele de um elefante. Esse elemento me é caro. Busco o excepcional, aquilo que nos dá um quadro da anormalidade.
A anomalia, por definição, contém a norma, é mais rica do que a norma do ponto de vista cognitivo. Mas eu não busco exaltar a anomalia.

Filologia
A superfície do texto registra tensões subterrâneas, como um sismógrafo. [Usar a técnica da leitura lenta] É como encostar a orelha no chão, como um índio que sente o barulho que vem de longe. Dentro de um texto, há sempre uma pluralidade de vozes e situações. É possível colher ali traços da realidade que está fora dele.

Google
[Os historiadores] Robert Darnton e Roger Chartier se preocupam com as implicações políticas e legais associadas a projetos do Google, que preveem a digitalização de uma quantidade enorme de livros que pertencem a bibliotecas públicas por uma instituição privada.
Eles veem no Google ferramentas de controle do usuário. Mas acho que ele pode ser usado contra as intenções de quem o domina. Na Revolução Francesa, o livro foi usado como instrumento de luta contra o controle. A possibilidade de um uso imaginativo, subversivo do Google não deve ser descartada.

Anomalia contemporânea
Não devemos partir das boas velhas coisas, dizia [Bertolt] Brecht, mas das malvadas coisas novas. Precisamos usar aquilo que nos ataca e nos enoja. Ver o horror, a feiura da realidade é difícil, mas devemos tentá-lo.

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