quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

Construa seu tempo em 2011


Por Iara Biderman
Ilustração sobre foto de Eduardo Knapp/Folhapress

   
Preciso fazer uma entrevista sobre o tempo. E tem que ser hoje. Para encaixar minha urgência nas agendas alheias, as conversas são marcadas por e-mail e feitas por telefone.
Do outro lado da linha, uma entrevistada comenta que, enquanto conversa, aproveita para arrumar a bagunça em cima da mesa. Mais uma dessas pessoas multitarefas, que fazem mil coisas ao mesmo tempo e vivem lamentando a falta dele?
Não. Sem lamentos e sem dispersão mental, quem fala comigo é a monja Coen, primaz da Comunidade Zen Budista. "Se você estiver presente no que está fazendo, tem tempo. Se a mente está voltada para outras coisas, não", afirma.

ATENÇÃO DIVIDIDA
Mas, então, não é para fazer só uma coisa de cada vez? "Tem coisas que dá para fazer ao mesmo tempo. Não posso conversar com você e ler os papéis em cima da minha mesa, mas posso arrumar os objetos. Se for algo que não exige divisão da minha mente, por que não aproveitar?", pergunta.
Com esse pequeno exemplo, a monja mostra que estar inteiramente presente no que faz e ter tempo não são coisas tão estratosféricas quanto podem parecer para a maioria de nós, mais acostumada à sensação cotidiana de ansiedade pelas tarefas ainda não cumpridas.
Parar de pensar em coisas que não existem ou não podem ser resolvidas no momento é uma forma de usar melhor o tempo.
"Não dá para brigar com o tempo, porque ele não é algo separado de nós, que está nos escapando. Nós somos tempo, ele é nossa vida. O que importa é o que fazemos com ela", afirma.
A coisa fica um pouco complicada porque nossa vida se passa nesse mundo que está sempre nos acelerando, segundo a terapeuta corporal Andréa Bonfim Perdigão, autora do livro "Sobre o Tempo" . "Queremos existir com a velocidade da tecnologia, que é rápida e dá a ilusão de que podemos fazer tudo simultaneamente", diz.
Perdigão conta que começou a refletir sobre o assunto ao observar como as pessoas que chegavam ao seu consultório tinham pressa para se livrar da dor, desprezando o tempo natural da cura.

RITMOS DO CORPO
Para ela, as pessoas querem existir na velocidade da tecnologia, mas os ritmos do corpo continuam os mesmos: precisamos das mesmas horas para fazer a digestão ou dormir, dos mesmos nove meses para dar à luz .
"É possível viver pressionando a saúde desse jeito? Acredito plenamente que dá para lidar com o tempo, mas temos que fazer escolhas, abrir mão não de uma, mas de dez coisas. Isso é um exercício de resistência diário, porque as demandas externas vão continuar te pressionando a fazer tudo."
Se a escolha for errada, paciência, aconselha a monja Coen. "Não é para se lamentar, isso seria perda de tempo. Quem sempre acha que entrou na fila errada e fica mudando para a outra não chega a lugar nenhum."
Uma forma para equacionar melhor as horas a partir de escolhas (e renúncias) é olhar mais longe.
Planejamento estratégico, diriam os mais pragmáticos. Nada contra, muito pelo contrário. Organizar e planejar não tira o sentido da vida, pode dar mais tempo para ela.
"Saber usar o tempo é saber viver a vida. Estar no "aqui e agora" não é essa coisa mágica de fluir com o cosmos e deixar todo mundo te esperando porque você sempre chega atrasado aos compromissos", ensina a monja.
Simples e óbvio: para fluir com o tempo e deixar de brigar com ele, compre uma agenda. E use.

TEMPO PSICOLÓGICO

Além do limite de velocidade corporal, o tempo psicológico que levamos para assimilar, entender ou apreciar qualquer coisa também não acompanha a rapidez das informações e dos estímulos contemporâneos.
"Somos solicitados a experimentar diferentes tempos simultaneamente. Isso é como viver várias noções de tempo sobrepostas, e ainda não aprendemos a lidar com isso, porque subverte as noções clássicas de temporalidade", diz o psicanalista Bernardo Tanis, editor da Revista Brasileira de Psicanálise.
O físico André Ferrer Martins, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, lembra que a noção de tempo não é única para todas as civilizações, épocas ou culturas.
"O senso comum do tempo, na nossa sociedade, está muito mais próximo da perspectiva histórica e linear do cristianismo e do conceito do século 18 do físico Issac Newton, que afirmou que o tempo tem existência própria e é igual para todos."

MULTIPLICIDADE
As definições dos novos tempos, múltiplos e ultrarrápidos, ainda estão sendo elaboradas, segundo o psicanalista BernardoTanis. "Estamos aprendendo a lidar com essa multiplicidade, mas ainda não sabemos que tipo de pessoa está sendo criada com isso."
O psicanalista e filósofo Marcio Tavares D'Amaral, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro, acredita que o sujeito dessa época hiperacelerada vive o futuro -que é um tempo virtual, aquilo que ainda virá ou não. "É irreal, mas nos enxergamos nele. O tempo que interessa hoje, em que vale a pena investir, é o futuro."
E isso é ruim? "A ideia de voltar a outro tempo é reativa, ressentida. Nada disso é para ser eliminado, nem será. Mas talvez devêssemos nos empenhar na procura do equilíbrio entre as dimensões reais e virtuais da vida. Podemos passar menos horas consumindo tecnologia, sem abrir mão dela."
O caminho pode ser aprender a discriminar as infinitas ofertas do mundo e se esquecer delas de vez em quando.
"Com a roda viva de estímulos, perdemos a barreira que nos ajuda a discriminar o que é necessidade, vontade pessoal e o que vem de fora, e nunca nos saciamos. O mundo nos convida a ficar sempre ligados, mas o psiquismo humano também precisa se desligar de tempos em tempos", diz Tanis.

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