quarta-feira, 18 de agosto de 2010

O talento e a força criativa de Luiz Barroso

“Revoar” – A dor que se transformou em obra de arte a adornar a Capital da Paraíba

 Por Oziella Inocêncio, da ASCOM/UEPB

Certa feita, o escritor Fiódor Dostoievski deu um conselho a um jovem escritor, que perguntou como poderia alcançar a excelência do autor russo com as letras.  “Para escrever bem é preciso sofrer, sofrer”, respondeu Dostoievski. Se a dor é o combustível dos grandes artistas e das obras que marcam a história da Arte, pode-se dizer que a escultura “Revoar”, de Luiz Barroso, segue esse conceito. Feita em ferro galvanizado e laminado, a obra está situada no Girador do Bessa. Realizada quando o artista plástico passava por um momento adverso – ele havia perdido um filho, que, em suas palavras, permanece presente pela ausência – o artista afirma que é na contemplação e no fazer artístico que encontra alento para continuar sua caminhada pela vida, nesta sociedade às vezes tão desumana e caótica. Quem enxerga Barroso, gentil e sorridente, não imagina que o criador de Revoar e de tantas outras obras presentes em museus da França, Turquia, Quênia, Alemanha e, claro, na Rainha da Borborema – da qual é filho ilustre – encerre em seu interior tanta melancolia reflexiva. As contradições são comuns ao universo dos artistas e justo esse sentimento, aliado a uma intensa alegria - que ele exterioriza a todos – é o motor de sua criação. Nessa entrevista concedida a ASCOM/UEPB, Barroso, que está de volta a Paraíba, morando na Capital, após residir 10 anos na França, discorre acerca da concepção de Revoar, o papel da Arte em sua trajetória, o futuro e o presente.

Em que circunstância surgiu a ideia de fazer Revoar?

Foi a primeira vez que me lancei numa aventura deste porte no Brasil. Quando estava morando na França participei de um projeto de escultura monumental chamado “LAND ART”, só que neste caso foi uma obra efêmera onde os materiais utilizados foram retirados da natureza local e o atelier era a natureza. Essa experiência aconteceu em novembro de 2008, antes de retornar para o Brasil. Revoar integra uma experiência distinta que ocorreu no 1° Concurso de Obras Públicas Jackson Ribeiro, organizado pela Fundação de Cultura da Prefeitura de João Pessoa (FUNJOPE). O edital foi divulgado em outubro de 2009 e de 44 projetos inscritos, foram selecionados e premiados seis, por uma comissão formada por arquitetos, artistas plásticos e críticos de arte. Eu estava entre os seis, o que para mim foi uma surpresa.
A respeito do Concurso, gostaria de salientar que Jackson Ribeiro representa um dos grandes artistas plásticos e escultor da Paraíba do século XX, conhecido nacional e internacionalmente e contemporâneo de Lygia Pape, Lygia Clark e Hélio Oiticica, o qual a este último foi o grande influenciador da sua obra. Porém, Ribeiro foi esquecido pelo povo da Paraíba. Ele é autor de uma grande escultura chamada “Porteiro do Inferno”, que atualmente se encontra em um girador ao lado do campus da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), em João Pessoa.
Somente devido ao seu título, a obra não recebe o valor devido, não é reconhecida, tendo sido colocada e retirada de vários logradouros públicos da cidade. Por este fato é possível ter uma ideia da ignorância de boa parte da população em relação à Arte. Para mim o inferno ou o céu existem em nossas mentes e somos nós que elaboramos estas imagens. O desrespeito pela Arte e pelo trabalho do artista é muito grande aqui.

Para você, o que representa a Arte?

Para mim a Arte é sopro de vida, é a luz no fim do túnel. Através dela posso fazer soar um grito de revolta e vislumbrar horizontes nunca vistos, para que o público possa refletir e reagir no processo de transformação da sociedade. Cada obra tem sua história, que dialoga com a realidade do artista em criação. O fio condutor é a pesquisa constante na experimentação de materiais diversos e acredito que todos os sentidos são canais para exprimir emoção quando falamos de Arte. Eu me defino como um alquimista da Arte!

Michelangelo Buonarroti dizia ter nascido para esculpir e que assim ele libertava a imagem que estava “presa” no mármore. Certa vez, disse aos seus alunos estar vendo um anjo dentro de uma grande pedra de mármore. Obviamente, nenhum deles pôde observar nada além da rocha bruta. Após muito trabalho do mestre, o anjo que ele vira foi mostrado aos alunos. Como acontece o seu processo criativo? De que modo surgem as suas obras?

Acredito que cada artista tem uma forma de lidar com os materiais na relação que o leva ao ato criador. Nós artistas somos visionários, sonhadores acreditamos em utopias, somos até tachados de “loucos” pelo fato de sermos diferentes. Michelangelo Buonarroti é um dos grandes escultores da História da Arte. Tenho como cerne do meu ato criador, a relação que estabeleço com o mundo exterior, vivenciado no desejo de liberdade. É nesse ponto que acontece a simbiose entre realidade e sonho, culminando com a prática artística contextualizada pela minha trajetória.

Qual trabalho está desenvolvendo agora? E o que deseja para o futuro?

Viajei para a França, recentemente. Passei 40 dias participando de projetos com adultos e crianças, onde a prática artística foi a tônica da relação entre elas e eu, num processo de desenvolvimento interior. Na medida do possível procuro viver o presente porque o futuro não existe. O futuro é só presente para mim. No momento, reorganizo minha vida aqui, porque apesar de já fazer um ano e meio que estou de volta a Paraíba, ainda não consegui montar meu atelier.

Como descobriu o caminho da Arte?

Ainda criança, em Campina Grande, num meio nada propício para tal atividade. Na minha solidão me descobri rabiscando nos cadernos da escola primária. Estudava no Instituto São Vicente de Paula e depois, com a criação do Museu de Arte Assis Chateaubriand, fui atraído pelo acervo e, através do incentivo de um dos primeiros diretores daquela casa de cultura, Chico Pereira, fui desenvolvendo meu trabalho passo a passo. Enquanto artista plástico, o tridimensional entrou no meu universo criador em 2005, quando morava na França e preparava trabalhos para exposições do Ano do Brasil naquele país. Tenho 59 anos e mais da metade de minha vida foi direcionada a Arte.


Mais sobre Revoar

Revoar teve como objetivo a implantação de uma obra escultórica, numa perspectiva de comunhão com o verde dos canteiros do Girador do Bessa, visando à comunicação através da Arte. A forma escolhida para representar a obra foi a de um pássaro na evolução coreográfica do seu voo, que ora nos remete a estar emergindo da terra rumo ao infinito, ora surge do infinito para encontrar seu repouso na terra, dando sentindo, assim, ao título numa forte alusão ao ciclo da vida.
Dependendo do ponto de vista, pode-se observar que a figura da ave confunde-se com a do corpo humano, traduzindo a dimensão simbiótica que permeia toda a composição. As asas em agito propõem a ânsia em atingir o inatingível e, ao mesmo tempo, remete-nos ao movimento de um corpo que procura a liberdade. O bico aberto simboliza o canto daqueles que não se deixam calar perante as dificuldades e, numa outra interpretação, o elo existente entre dois corpos num aperto de mão ou num abraço.
Com este bailar, a escultura transmite todo ritmo, harmonia e leveza de movimentos que caracterizam a figura alada, composta através do traçado de suas curvas e retas que se encontram para compor  formas vazadas e integrar-se ao espaço urbano, interrogando o expectador sobre a relação vida / morte.

Nenhum comentário:

Postar um comentário