terça-feira, 23 de março de 2010

Cineasta Akira Kurosawa faria 100 anos nesta terça-feira


Texto de Paulo Camargo ( da Gazeta do Povo)

Nesta terça-feira (23) é  comemorado o centenário de nascimento do japonês Akira Kurosawa, um dos maiores nomes do cinema mundial de todos tempos. Autor de clássicos como Rashomon, no qual uma mesma história, um crime, é narrada da perspectiva de diversos personagens, colocando em xeque o conceito de verdade, e de Ran, releitura brilhante da peça Rei Lear,de Wil­­liam Shakespeare, transposta para o Japão feudal, Kurosawa era um gênio da mise-en-scène. Mas não desfrutava no Japão do mesmo prestígio que tinha no Ocidente.

Embora o cinema de Kurosawa tivesse quase sempre o Japão como cenário, seu olhar ultrapassava as fronteiras do arquipélago asiático. Mergulhava em dilemas da condição humana – o que o aproximou da obra de Shakespeare, também relida em Trono Manchado de Sangue, sua versão para Macbeth. O cineasta japonês soube beber do cinema clássico ocidental e tinha paixão confessa pelos westerns de John Ford, influência visível em seu épico samurai Kagemusha (1980), Palma de Ouro no Festival de Cannes.
 
Para os nipônicos, entretanto, Kurosawa tinha um sotaque estrangeiro no seu cinema, algo que os incomodava. O grande mestre do País do Sol Nascente, no entender de seus habitantes, era Yasojiro Ozu,. Sua visão da sociedade japonesa do pós-Segunda Guerra, sob o impacto da presença invasiva (em todos os sentidos) norte-americana, e a sensibilidade para retratar a vida privada, os códigos familiares do país, justificam essa reputação. Outra das marcas registradas de Ozu era a câmera inconfundível, que enquadrava a ação muitas vezes ao nível do chão, onde os japoneses se sentam para as refeições,

Comparar Kurosawa e Ozu é uma bobagem, se o intuito é escolher o melhor – ou o maior. Não precisamos optar entre Orson Welles e John Ford, ambos americanos. Ou escolher quem era o mais brilhante, Jean Renoir ou Roberto Bresson, expoentes do cinema francês pré-Nouvelle Vague.

Kurosawa é um tesouro japonês, mas, sobretudo, um mestre da imagem em movimento, um esteta que, antes de rodar, tinha o hábito de desenhar, em cores, todos planos de seu filme em story boards. E sua capacidade de absorver traços da produção ocidental sem perder a identidade – um defeito, para alguns de seus detratores japoneses – foi uma virtude que possibilitou a degustação de sua obra mundo afora.

É difícil apontar um título que resuma a vasta filmografia de Kurosawa, o melhor filme de todos. Além dos já citados, há outras obras-primas, como Dersu Uzala, realizado numa coprodução com a União Soviética, e Os Sete Samurais, espetacular épico que eletriza e hipnotiza até hoje, dando um banho em grande parte do que se faz no gênero e influenciando. Em 1960, o longa teve um ótimo remake americano, o western Sete Homens e Um Destino, de John Sturges, mas também se veem ecos dos samurais de Kurosawa em Quentin Tarantino, um apaixonado pelo cinema japonês.

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