sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

Basta tirar os sapatos

Por Michael Kepp (escritor norte-americano radicado há 27 anos no Brasil)
Ilustração: Vincent Van Gogh - Shoes (1888)


"GENTE INTERESSANTE" não é um clube exclusivo.
Qualquer um pode entrar, porque todos são interessantes para alguém. O grau de interesse depende do que a pessoa revela de si, e não do quanto ela mostra. Não precisa fazer um striptease. Basta tirar os sapatos e esperar os resultados.
Sim, tirar os sapatos traz riscos: chama a atenção para os buracos nas nossas meias.
Mas ser vulnerável humaniza e pode convencer o outro a também tirar os sapatos. A maioria precisa de um empurrãozinho para fazer isso.
Nas minhas crônicas, tiro bem mais do que os sapatos, porque o público está distante e normalmente é simpático.
Por isso, aos leitores já revelei minha transa com uma prostituta, a vez que botei no jornal um classificado amoroso, minhas dificuldades de lidar com a adolescência dos meus enteados, meu derrame e alguns dos meus defeitos (mas não os piores). Eu já escrevi até sobre meu pelo corporal. Mas, mesmo assim, eu nunca tiro tudo.
Todas essas confissões têm o propósito de provocar alguma reação: risos, lágrimas, raiva ou reflexão. Enfim, comover aqueles que conseguem se identificar comigo e se sentir menos alienados, menos solitários. Às vezes, essa cumplicidade se confirma em um e-mail que diz: "Sua crônica expressou algo que sempre senti e queria dizer, mas nunca consegui"."
Há pouco tempo, eu contei a um amigo que, durante uma viagem recente à minha cidade natal, visitei, pela primeira vez, o túmulo da minha mãe, que morreu quando eu tinha dez anos. E quando vi a lápide me emocionei tanto que a abracei como se fosse seu corpo. Daí ele me contou que há dois anos, no Peru, ele visitou a montanha onde ocorreu o acidente aéreo que matou seus pais quando ele tinha 13 anos. Quando viu uma cruz enorme fincada no lugar do desastre, ele se debruçou no solo diante dela e abriu os braços para dar nos seus pais o mesmo abraço simbólico que dei em minha mãe. Foi uma das raras vezes que ele se abriu comigo.
Ele tirou os sapatos porque eu tirei também. E quando duas pessoas começam a se expor, ambas ficam mais interessantes.
Uma pessoa pode ser interessante antes de abrir a boca. Pode ser também que ela nunca tire os sapatos e só revele que prefere se esconder.
Mas quem não corre o risco de se expor também paga um preço. Afinal, uma pérola só tem valor fora da ostra.

quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

Casa de Fernando Pessoa na web


Por Jair Rattner, do Estadão

Conhecer o que lia Fernando Pessoa, as anotações que fazia nos seus livros, como ideias para poemas surgiam durante suas leituras. Isso é possível a qualquer pessoa. É que está disponível na internet a biblioteca digital do poeta português, no site da casa-museu dedicada a ele (http://casafernandopessoa.cm-lisboa.pt).

Os livros são os que acompanharam o poeta desde a adolescência - na época em que ele ainda morava na África do Sul. "O livro mais antigo é do século 19, quando Pessoa tinha 12 a 14 anos. São livros que vão desde essa época até sua morte, com 47 anos", conta o professor Jerônimo Pizarro, responsável pelo trabalho. O último livro foi parar na biblioteca do escritor em outubro de 1935, um mês antes de sua morte.

No total, o espólio de Fernando Pessoa que está na casa-museu reúne 1.312 títulos. No entanto, apenas pouco mais de 1.100 estarão disponíveis para consulta. "Não podemos colocar na internet todos os livros, por motivos de direitos autorais, porque alguns ainda não caíram no domínio público. Por exemplo, a família do poeta Antônio Boto não autorizou que os livros dele estivessem na rede, mas ainda vou falar novamente com eles", relata Pizarro. A legislação portuguesa prevê que os livros caiam no domínio público 70 anos após a morte do autor.

Pyp. 
 
Uma parte dos livros tem anotações feitas por Pessoa. Pizarro conta que nas margens dos livros aparecem os pré-heterônimos, o primeiro deles em um livro de quando Pessoa tinha perto de 15 anos. "Num livro de latim de 1904 aparece o nome de F. Pyps. Um dos primeiros heterônimos a assinar um poema em português é Pyp."

Ele conta que o acesso à biblioteca também permite entender como Pessoa construía seu pensamentos. Pizarro diz que os livros com mais anotações de Pessoa são os que ele leu durante a adolescência.

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

Violência contra homossexuais


Por Dráuzio Varella

A homossexualidade é uma ilha cercada de ignorância por todos os lados. Nesse sentido, não existe aspecto do comportamento humano que se lhe compare.
Não há descrição de civilização alguma, de qualquer época, que não faça referência a mulheres e a homens homossexuais. Apesar de tal constatação, esse comportamento ainda é chamado de antinatural.
Os que assim o julgam partem do princípio de que a natureza (leia-se Deus) criou os órgãos sexuais para a procriação; portanto, qualquer relacionamento que não envolva pênis e vagina vai contra ela (ou Ele).
Se partirmos de princípio tão frágil, como justificar a prática de sexo anal entre heterossexuais? E o sexo oral? E o beijo na boca? Deus não teria criado a boca para comer e a língua para articular palavras?
Se a homossexualidade fosse apenas uma perversão humana, não seria encontrada em outros animais. Desde o início do século 20, no entanto, ela tem sido descrita em grande variedade de invertebrados e em vertebrados, como répteis, pássaros e mamíferos.
Em alguma fase da vida de virtualmente todas as espécies de pássaros, ocorrem interações homossexuais que, pelo menos entre os machos, ocasionalmente terminam em orgasmo e ejaculação.
Comportamento homossexual foi documentado em fêmeas e machos de ao menos 71 espécies de mamíferos, incluindo ratos, camundongos, hamsters, cobaias, coelhos, porcos-espinhos, cães, gatos, cabritos, gado, porcos, antílopes, carneiros, macacos e até leões, os reis da selva.
A homossexualidade entre primatas não humanos está fartamente documentada na literatura científica. Já em 1914, Hamilton publicou no "Journal of Animal Behaviour" um estudo sobre as tendências sexuais em macacos e babuínos, no qual descreveu intercursos com contato vaginal entre as fêmeas e penetração anal entre os machos dessas espécies. Em 1917, Kempf relatou observações semelhantes.
Masturbação mútua e penetração anal estão no repertório sexual de todos os primatas já estudados, inclusive bonobos e chimpanzés, nossos parentes mais próximos.
Considerar contra a natureza as práticas homossexuais da espécie humana é ignorar todo o conhecimento adquirido pelos etologistas em mais de um século de pesquisas.
Os que se sentem pessoalmente ofendidos pela existência de homossexuais talvez imaginem que eles escolheram pertencer a essa minoria por mero capricho. Quer dizer, num belo dia, pensaram: eu poderia ser heterossexual, mas, como sou sem-vergonha, prefiro me relacionar com pessoas do mesmo sexo.
Não sejamos ridículos; quem escolheria a homossexualidade se pudesse ser como a maioria dominante? Se a vida já é dura para os heterossexuais, imagine para os outros.
A sexualidade não admite opções, simplesmente se impõe. Podemos controlar nosso comportamento; o desejo, jamais. O desejo brota da alma humana, indomável como a água que despenca da cachoeira.
Mais antiga do que a roda, a homossexualidade é tão legítima e inevitável quanto a heterossexualidade. Reprimi-la é ato de violência que deve ser punido de forma exemplar, como alguns países o fazem com o racismo.
Os que se sentem ultrajados pela presença de homossexuais que procurem no âmago das próprias inclinações sexuais as razões para justificar o ultraje. Ao contrário dos conturbados e inseguros, mulheres e homens em paz com a sexualidade pessoal aceitam a alheia com respeito e naturalidade.
Negar a pessoas do mesmo sexo permissão para viverem em uniões estáveis com os mesmos direitos das uniões heterossexuais é uma imposição abusiva que vai contra os princípios mais elementares de justiça social.
Os pastores de almas que se opõem ao casamento entre homossexuais têm o direito de recomendar a seus rebanhos que não o façam, mas não podem ser nazistas a ponto de pretender impor sua vontade aos mais esclarecidos.
Afinal, caro leitor, a menos que suas noites sejam atormentadas por fantasias sexuais inconfessáveis, que diferença faz se a colega de escritório é apaixonada por uma mulher? Se o vizinho dorme com outro homem? Se, ao morrer, o apartamento dele será herdado por um sobrinho ou pelo companheiro com quem viveu por 30 anos?

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

Quem é o estagiário do STJ demitido grosseiramente pelo presidente da corte?


Por Ivan Marsiglia, do Estado de S. Paulo
Crédito da foto: Pablo Valadares

A testemunha descreve a cena tal qual a vítima fez constar no boletim de ocorrência. Por volta das 16h do dia 19 de outubro, o estagiário, após entregar um processo na seção de documentos administrativos, que fica no subsolo do Superior Tribunal de Justiça (STJ), em Brasília, dirigiu-se para a agência do Banco do Brasil no complexo de prédios da corte a fim de fazer um depósito por envelope para uma amiga. Vestindo camisa polo, calça jeans e sapato social, foi informado por um funcionário da agência de que em apenas um dos caixas eletrônicos poderia ser feita a transação. Justamente aquele, em uso por um homem de terno e gravata, aparentando 1,60 metro, que ele inicialmente não reconheceu. Postou-se atrás de linha de espera, traçada no chão da agência. O diálogo que se seguiu foi o seguinte:

- Quer sair daqui? Estou fazendo uma transação pessoal - disse o senhor, após voltar-se duas ou três vezes para trás, "de forma um tanto áspera", como relataria o jovem, em seu português impecável.
- Senhor, eu estou atrás da linha de espera. - foi a resposta, "em tom brando", como contou, ou "de forma muito educada", na confirmação da testemunha.
- Vá fazer o que tem que fazer em outro lugar! - esbravejou o homem em frente ao caixa eletrônico.
- Mas, senhor, minha transação só pode ser feita neste caixa...
- Fora daqui! - o grito, a essa altura, chamou a atenção de pessoas que passavam e aguardavam na agência.
E foi completada pelo veredicto, aos brados:
- Eu sou Ari Pargendler, presidente deste tribunal. Você está demitido, entendeu? Você está fora daqui, isto aqui acabou para você. De-mi-ti-do!

Assim terminou a carreira do estudante de administração Marco Paulo dos Santos, de 24 anos, na segunda mais alta corte do País. Ele entrara no STJ no início do ano, após passar por um processo seletivo do Centro de Integração Empresa-Escola (CIEE), na capital federal, do qual participaram mais de 200 candidatos. Marco ficou entre os dez primeiros. Todos os dias, saía do apartamento onde mora com a mãe e o irmão em Valparaíso de Goiás, cidade-satélite a 35 km de Brasília, e levava uma hora de ônibus até chegar ao estágio. Dava expediente das 13h às 19h, pelo que recebia R$ 600 por mês, mais R$ 8 por dia de auxílio-transporte. Pouco importa. Martelo batido.

"Foi uma violência gratuita", avalia a brasiliense Fabiane Cadete, de 32 anos, que estava sentada com uma amiga na fila de cadeiras ao lado dos caixas eletrônicos naquele dia. "Ele (Pargendler) gritava, gesticulava e levantava o peito na direção do Marco." Chamou-lhe especialmente a atenção a diferença de estatura - literal, no caso - dos dois protagonistas. Marco tem 1,83 metro. "O juiz puxou tanto o cordão do crachá para ler o nome do menino, que as orelhas dele faziam assim, ó", mostra ela, empurrando as suas próprias como se fossem de abano.

Batalha difícil
Fabiane conta que ficou receosa antes de decidir depor em favor de Marco - que, no dia seguinte, registrou queixa por "injúria real" contra o presidente do STJ na 5ª delegacia da Polícia Civil do Distrito Federal. Funcionária de uma empresa que presta serviços ao tribunal, ela jura que nunca tinha visto Marco antes na vida, mas ainda assim se dispôs a contar o que viu. A amiga, que tem mais anos de casa no STJ, preferiu se preservar. "Eu não me sentiria em paz comigo mesma se não falasse", explica Fabiane, que cursa direito no Instituto de Educação Superior de Brasília (Iesb). "Como futura advogada, fiquei decepcionada com o ministro."

Como Ari Pargendler só pode ser julgado em instância superior no Judiciário, o delegado Laércio Rossetto encaminhou o caso ao Supremo Tribunal Federal (STF), onde o processo corre em segredo de Justiça. Remetido inicialmente para a ministra Ellen Gracie, esta se declarou impedida por manter relações de amizade com Pargendler. Redistribuído pelo presidente do Supremo, Cezar Peluso, caiu nas mãos do ministro Celso de Mello, jurista que não tem por hábito "sentar em cima" dos casos mais polêmicos.

O depoimento de Fabiane animou o até então cauteloso advogado de Marco, preocupado em não expor seu cliente a uma contraofensiva judicial. "Não tenho vocação nenhuma para Policarpo Quaresma", diz Antonielle Julio, que teve uma prévia das dificuldades que vai enfrentar quando solicitou à gerência do Banco do Brasil no STJ as imagens do circuito interno de segurança, que revelariam facilmente quem está com a razão. Ouviu que o sistema apresentou falha técnica e "não há imagem alguma".

A Bíblia e os 'policiais'
Marco Paulo dos Santos é negro, filho de brasileira com africano e nascido na Grécia. Vista de perto, sua história de vida é tão espantosa quanto o diálogo supostamente travado na agência bancária do STJ. Sua mãe, a doméstica Joana D’Arc dos Santos, de 56 anos, natural de Raul Soares (MG), passou como ele por um concurso que mudaria o rumo de sua existência. Ainda solteira, na década de 80, leu um anúncio no jornal Estado de Minas em que a esposa de um diplomata mineiro procurava uma empregada para acompanhar a família em seu novo posto no exterior. Quando chegou a Belo Horizonte para a entrevista, uma centena de candidatas já havia passado pelo crivo da patroa, mas foi Joana quem levou. "Ela agradou mais de mim", conta, na construção típica da zona da mata mineira.

Em Atenas, Joana conheceu o marinheiro cabo-verdiano José Manoel da Graça, que trabalhava em um navio petroleiro. O namoro deslizava em mar de rosas, quando o patrão recebeu ordens do Itamaraty para se transferir para a Embaixada do Brasil no Chile. E lá se foi Joana D’Arc de volta para a América. Mas, com banzo de seu africano, em pouco tempo abandonava o emprego para voltar a sua odisseia grega. Amigou-se com Manoel em Atenas e teve com ele dois filhos: Daniel David e Marco Paulo.

Cinco anos depois, foi a saudade do Brasil que bateu e Joana embarcou de volta com os meninos. Primeiro, para Minas; depois, Brasília. Manoel foi navegar outros mares. "Fiquei esperando, porque ele nunca disse que não vinha. Os telefonemas foram rareando, só Natal, aniversário... E Manoel acabou não vindo", dá de ombros. Hoje, é com a tormenta jurídica do caçula que ela se preocupa. "Sabe como é, a gente foi criada no negócio do ‘deixa pra lá’. Mas ele decidiu assim, entrego nas mãos de Deus."

Em casa, o primogênito Daniel, hoje com 27 anos, é o voluntarioso e bem-humorado. Já Marco sempre foi introvertido e responsável. A mãe conta que, enquanto faxinava nas casas de família, o garoto dava um jeito de se enfurnar na biblioteca dos patrões. "Sempre foi menino de ler. Passava duas, três horas... eu até esquecia dele." Daí a facilidade, talvez, com que passou em todos os testes que fez até hoje, inclusive o do Prouni - programa de bolsas de estudos do governo, que lhe permite cursar administração no Iesb.

vangélico, como toda a família, Marco traz sempre a Bíblia debaixo do braço. E algum romance policial de Agatha Christie e Conan Doyle. Mas também passeou por leituras mais substanciosas, como O Príncipe, de Nicolau Maquiavel. "É uma aula de vida. Ele juntou todo o conhecimento de como se governar, lidar com as pessoas, a política e o poder. É muito útil para um administrador", ensina o estagiário defenestrado do STJ.

Na melodia do Supremo

Outro dos talentos de Marco é a música. Na igreja, deu seus primeiros acordes. E logo conseguiu uma bolsa no tradicional Clube do Choro de Brasília, onde estuda violão de sete cordas. O professor, o instrumentista carioca Fernando César, de 40 anos, é só elogios: "Ele é um cara supertranquilo, aplicado e musical. Lê muito bem partitura". Empreendedor precoce, escreveu e lançou em junho, por uma editora evangélica, um método de ensino de violão para os fiéis sem condições de pagar por um curso. Agora, ainda desempregado, dedica-se com mais afinco à execução de clássicos como Vou Vivendo, de Pixinguinha, cujos versos finais são: "Vou vivendo assim/ Porque o destino me fez um vadio/ Novo endereço ele vai traçar/ E virei para te avisar/ Quando à noite uma toalha de estrela/ Tiver para me cobrir".

Mesmo apreensiva, Joana D’Arc não esconde o orgulho pela coragem do filho em enfrentar o presidente de uma das instituições mais poderosas do País. "Antes de ir para a Grécia eu era um bicho assustado. Achava que por ser negra e pobre era normal ser humilhada e maltratada. Mas lá, a gente entrava num restaurante ou em qualquer lugar chique e era recebido como todo mundo. Então, não deixei meus filhos crescerem com esse pensamento meu."

Procurado pela reportagem para dar sua versão dos fatos, o ministro Ari Pargendler disse por intermédio da assessoria que não vai se manifestar. No telefone da corte, em chamada de espera, ouve-se a seguinte mensagem: "Ter acesso rápido e fácil à Justiça é um direito seu. STJ, o Tribunal da Cidadania".

sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

Artistas se apresentam hoje no Parque do Povo em favor das pessoas que vivem com o HIV/Aids

Estrela confirmada - Val Donato integra o grupo de artistas 
que abrilhantará o evento

Por Severino Lopes, do Diário da Borborema

Artistas campinenses que representam os diversos estilos musicais, como o forró, a MPB e até música internacional, unem-se no mesmo palco para formar uma corrente de solidariedade na luta contra a AIDS. O show beneficente será realizado hoje, a partir das 20h, na pirâmide do Parque do Povo. Com título "Um encontro marcado com a vida", o show terá a participação de artistas como Tan, Val Donato, Janine, Sandra Medeiros, Roberta Silvana, Ranniery Gomes, Pepysho Neto, Tony Dumond, entre outros. O show acontece dentro da programação do Dia Mundial de Luta Contra a Aids, que tem como tema "Somos iguais, preconceitos não". A entrada será 2 kg de alimentos que serão doados para pessoas que vivem com HIV/Aids e portadores de tuberculose.
Um dos primeiros artistas a pisar no palco será o cantor campinense Alexandre Barros (Tan). O cantor preparou um repertório com músicas de intérpretes consagrados da MPB, como Caetano Veloso, Emílio Santiago, Cazuza, Tom Jobim, Cauby Peixoto e Roberto Carlos. Tan, que no ano passado lançou o DVD Bolero & Canções, garante que a música tem o poder de levar alegria e estimular a solidariedade.

Depois de Tan será a vez da cantora campinense Sandra Medeiros soltar a sua voz. Entre o show de Tan e o de Sandra Medeiros, a cantora, compositora e instrumentista campinense Roberta Silvana subirá ao palco. A artista está divulgando o seu quarto trabalho.

O CD faz uma releitura de músicas de MPB gravadas por artistas consagrados. Roberta faz viagem por Zeca Baleiro, passando por Adriana Calcanhoto, Ana Calorina até Nando Reis. Com uma voz afinadíssima e melodiosa, passeia pela MPB, o pop e a música internacional de boa qualidade. Com mais de 20 anos de carreira, Roberta Silvana já gravou quatro CDs, sendo que o mais recente trabalho reúne músicas da MPB. Roberta também está preparando um CD com músicas internacionais.

Val Donato: eclética

Recentemente ela abriu o show de Oswaldo Montenegro. Vivendo um momento especial de sua carreira, a cantora Val Donato não poderia ficar de fora dessa corrente de solidariedade. Ela sobe para dividir com os amigos esse momento novo.

Val é uma das melhores intérpretes da nova geração da música campinense. Aos 27 anos já gravou um CD, denominado Versões, com músicas de vários artistas nacionais, e está se preparando para gravar o primeiro DVD com canções inéditas. Em seu eclético repertório estão principalmente MPB e pop rock. É o que ela promete mostrar hoje.

Com sangue de nordestino correndo nas veias, o sanfoneiro Ranniery Gomes vai levar o forró pé de serra para o show. Desde 2005, ele vem conquistando espaços privilegiados nos palcos de Campina Grande e da Paraíba. Na mala, possui quatro CDs gravados, a maioria com composições próprias e um DVD recém lançado, gravado no Maior São João do Mundo. Outros artistas do cenário local confirmaram presença.

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

"A grande literatura do século vem da América Latina", diz Francis Ford Coppola

Fonte da Juventude - "Me sinto com 20 anos", diz Coppola, 71

Por Bruno Yutaka Saito, da Folha Ilustrada

Está longe o tempo em que Francis Ford Coppola era o "chefão" de Hollywood. Mas, ainda assim, quando entra na sala para a coletiva de imprensa, o respeito que impõe é digno de Don Corleone em "O Poderoso Chefão" (1972).
Mas logo a tensão se desfaz. O diretor norte-americano conversou calmamente com jornalistas ontem, na Faap, para divulgar seu mais recente filme, "Tetro".
"Estou em um momento da vida em que posso fazer o filme que quiser, desde que esteja dentro do meu orçamento", diz Coppola.
Aos 71 anos, o cineasta diz começar a segunda fase de sua carreira. Alçado ao estrelato nos anos 70, foi à falência com o fracasso de "O Fundo do Coração" (82). Passou boa parte dos anos 80 fazendo filmes sob encomenda para pagar dívidas e, nos anos 90, fez apenas três filmes.
Acabou se reinventando como empresário. Com os lucros de vinícola na Califórnia e outros empreendimentos, Coppola hoje financia seus próprios filmes. "Tetro" é o segundo filme nesse modelo. "Velha Juventude" (2007) marcou o retorno às telas após hiato de dez anos.
Pouco antes de chegar ao Brasil havia finalizado o terceiro, "Twixt Now and Sunrise", com Val Kilmer. "Veja, ainda tenho lama nos meus pés", disse para o jornalista, sobre o filme que, segundo ele, marca um retorno às suas origens no terror, quando trabalhava para o produtor e diretor Roger Corman.
"Tetro", drama sobre uma família fraturada por traumas, foi filmado na Argentina. "A grande literatura do século vem da América Latina: Cortázar, Borges, Bolaño, Jorge Amado...Esperava que, indo lá, seria inspirado por essa tradição."
O diretor não descarta a possibilidade de, um dia, filmar no Brasil. "O real tem se valorizado e há uma ótima prosperidade. Mas parece que filmar aqui é tão caro quanto em outros países. Romênia e Argentina são mais vantajosos por causa da cotação da moeda local em relação ao dólar. Você sabe se é muito caro filmar no Brasil?"
Não seria o primeiro envolvimento do diretor com o país. Em 1998, Coppola veio ao Brasil e participou de eventos relacionados a "Chatô", filme não concluído até hoje por Guilherme Fontes.
"Ele queria a tecnologia moderna da Zoetrope [estúdio de Coppola e George Lucas]. Mas, quando cheguei ao Rio, ele queria que eu dirigisse o filme."
"Eu falei: "Bem, não sei se é algo que quero fazer, mas te darei os todos os conselhos que você precisar. Fiquei surpreso depois quando disse que ele mesmo iria dirigir. Por que você não escolhe Hector Babenco ou Bruno Barreto, perguntei (...) Ele chegou a terminar o filme?"


RAIO-X COPPOLA

VIDA
Nasceu em 1939, em Detroit, mas cresceu em um subúrbio nova-iorquino que serve de referência para alguns filmes. A família é de artistas: o pai é músico e a mãe, atriz. É pai da também cineasta Sofia ("Encontros e Desencontros")

CARREIRA

Com uma trajetória de cerca de 50 anos, produziu, escreveu e dirigiu dezenas de filmes. Em 1972, assinou a direção e o roteiro, ao lado do autor Mario Puzo, de "O Poderoso Chefão", sucesso de público e de crítica

PRÊMIOS

Recebeu cinco Oscars. Três em 1975, por "O Poderoso Chefão 2": melhor filme, diretor e roteiro adaptado. Também ganhou duas vezes a Palma de Ouro em Cannes, por "Apocalypse Now" (1979) e "A Conversação" (1974)

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

Ginzburg e o enigma da "Flagelação de Cristo"

Controvérsia - Historiador italiano fez investigação obssessiva engrossando o debate em torno da obra

Por Bernardo Carvalho  

RESUMO
Em ensaio já clássico, o historiador Carlo Ginzburg procura, nas circunstâncias políticas de cidades italianas como Roma, Arezzo e Florença e na oposição entre igreja do Oriente e do Ocidente no século 15, os sinais que o levaram à atribuição do quadro "A Flagelação de Cristo" ao mestre da pintura Piero della Francesca.
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UM DOS MAIORES ENIGMAS da história da pintura tem 81 por 58 centímetros. E permanece até hoje no palácio renascentista que um duque zarolho mandou construir, em meados do século 15, com o dinheiro de seu exército mercenário (depois de perder o olho direito num torneio), determinado a fazer de sua pequena cidade, encarapitada no alto de uma colina, um centro humanista e artístico à altura de Florença.
O esforço acabou dando algum resultado. Tanto que foi no palácio ducal de Urbino que Castiglione se inspirou para escrever, décadas depois, um dos grandes clássicos do Renascimento italiano e da literatura ocidental, o best-seller "O Cortesão", manual de comportamento na corte. E é lá, numa das salas espartanas com paredes caiadas, que está exposto o pequeno "A Flagelação de Cristo", uma das maiores obras-primas da história da pintura e "um dos casos mais controversos da hermenêutica artística", como o define o historiador Carlo Ginzburg em seu arrebatador "Investigando Piero", ensaio escrito à maneira de um romance policial, sobre um quadro em relação ao qual a única certeza (graças ao detalhe de uma inscrição que faz referência explícita ao local de nascimento do pintor) é a autoria de Piero della Francesca.

MISTÉRIO Quase nada se sabe sobre Piero -como é conhecido o mestre de Borgo Sansepolcro, vilarejo nos arredores de Arezzo, onde ele nasceu, entre 1415 e 1420, e onde morreu, em 1492, enquanto era descoberto o Novo Mundo.
"A Flagelação de Cristo" nunca facilitou descoberta nenhuma. Ao contrário, o mistério do quadro é inversamente proporcional à modéstia de suas dimensões -o que não impede que as proporções internas da cena representada na pintura correspondam (segundo a "mística da medida" perfeitamente dominada por Piero, teórico e inovador notável da perspectiva) à suposta altura de Cristo, "modelo da perfeição física do Homem-Deus", deduzida de relíquias transferidas de Jerusalém para a cidade de Roma.
Em 1981, Carlo Ginzburg, hoje professor da Escola Normal Superior, em Pisa, e um dos expoentes da chamada "micro-história" (escola que privilegia as anomalias, as especificidades e os casos particulares na composição do contexto histórico), resolveu dar a sua contribuição à controvérsia. E foi mexer logo na cronologia.
Baseado em toda uma teoria que combina os poucos dados biográficos conhecidos do pintor com a conjuntura política e religiosa da Itália depois da queda de Constantinopla, capital do Império Romano do Oriente, em 1453, Ginzburg contestou a data atribuída à obra por especialistas da estatura de Roberto Longhi -autor de uma "Breve mas Verídica História da Pintura Italiana" e de um estudo seminal sobre Piero, de 1927 (ambos também publicados pela Cosac Naify). E propôs uma ousada reinterpretação dos personagens em cena, chegando a uma explicação espetacular da obra.

DISPUTAS Tudo gira em torno das disputas e dos esforços de reconciliação entre a igreja do Oriente, sediada em Constantinopla (atual Istambul) antes da invasão turca, e a igreja de Roma. Tudo se resume às disputas e troca de favores entre as cortes italianas -e entre estas e a igreja.
Boa parte da igreja do Oriente se opunha à reconciliação com a igreja de Roma, enquanto os humanistas de ambos os lados, zelosos do que a Antiguidade grega representava para o Ocidente, não poupavam esforços em favor da unidade.
Ginzburg sustenta a tese de que "A Flagelação de Cristo" seria uma encomenda enviada ao duque de Urbino, Federico da Montefeltro, como forma de pressioná-lo a levantar seu Exército contra os turcos, em defesa do último bastião do cristianismo no Oriente, depois da queda de Constantinopla, que marca o fim da Idade Média.
O duque resistia à ideia de uma cruzada para salvar o pouco que restava do Império Bizantino -o Despotado da Moreia, na Grécia, que viria a cair de qualquer jeito, sete anos depois de Constantinopla. E o mais extraordinário nesse quebra-cabeças romanesco montado por Ginzburg é o argumento de que, para convencê-lo a ir à guerra, o quadro vai associar simbolicamente a grande história à anomalia e à tragédia de sua vida privada.

ENCOMENDA O primeiro passo da investigação é saber quem encomendou o quadro. A resposta depende da articulação entre os dois planos representados na pintura. À esquerda, e ao fundo, Cristo é espancado, amarrado a uma coluna, sob o olhar impassível de Pilatos, sentado num trono. Ginzburg o identifica, pelos trajes, com o imperador bizantino, João 8º Paleólogo, que, em sua inércia, refém do movimento contrário à união das duas igrejas, acabou sendo cúmplice dos martírios infligidos aos cristãos pelos turcos. A arquitetura da cena alude a edifícios específicos e relíquias mantidas em Roma, dando munição ao historiador para situar o quadro cronologicamente à altura da passagem de Piero pela cidade, em 1458-59, e refutar as datações anteriores.
No primeiro plano, à direita, estão três personagens. É a cena principal, a despeito do nome da obra. Diante da dificuldade de identificação, Ginzburg resiste a entendê-los apenas como alegorias ou representações de tipos anônimos. São retratos. O historiador vai identificar o personagem mais à direita com figuras recorrentes em outras obras de Piero, sobretudo no célebre ciclo de Arezzo, sua obra-prima.
Quando esteve em Florença, ainda jovem, Piero frequentou os humanistas toscanos, com os quais também mantinha relações de amizade, como o comerciante aretino Giovanni Bacci, futuro protetor do artista. É Bacci quem vai encomendar os afrescos da igreja de San Francesco, em Arezzo, que contam a "lenda da verdadeira Cruz" (a história da madeira na qual Cristo foi crucificado). É um homem do poder, que terá um papel importante dentro da igreja. É ele o personagem à direita.
O da esquerda, identificado pela indumentária e pela barba de estrangeiro, é o bispo grego Bessarion, ilustre representante da igreja do Oriente e militante da causa da unidade entre as duas igrejas, que depois Roma vai nomear cardeal. É ele quem faz a ligação entre os dois planos da pintura. Seus lábios estão entreabertos. E o que ele conta é o sofrimento dos cristãos nas mãos dos turcos, que a cena secundária, da flagelação de Cristo ao fundo, representa como alegoria.

PONTO CEGO Graças a uma investigação obsessiva, recorrendo às provas sempre que possível (mas também incorporando ao relato os próprios percalços da pesquisa), Ginzburg faz o leitor imaginar o encontro entre Piero, seu protetor aretino e o cardeal grego, em Roma, com o objetivo de exortar o duque de Urbino à Cruzada, por meio de uma pintura. E o principal argumento para convencê-lo será esse ponto cego da iconografia que é a terceira figura angelical e misteriosa entre os dois personagens em primeiro plano.
O rapaz, que lembra os anjos de outras obras de Piero, como o "Batismo de Cristo", está descalço, ao contrário dos que o cercam, e olha para fora do quadro, para o além -para o mundo do espectador, talvez, e de Federico da Montefeltro, a quem a encomenda se dirige.
É uma figura que não está na mesma dimensão das outras. "Os olhos do misterioso jovem louro fitam algo que não vemos", insinua Ginzburg. Era preciso falar ao coração do duque. E é esse apelo, na interpretação do historiador, que revela afinal a identidade do jovem, figura-chave do mistério, que aqui vai permanecer incógnito para não estragar a surpresa e o encanto do leitor.

OBJETOS DA NATUREZA Federico da Montefeltro chegou ao poder em 1444, substituindo o irmão assassinado numa emboscada da qual não está excluída a sua participação. Piero della Francesca pintou um díptico famoso, hoje no museu dos Uffizi, em Florença, composto pelos retratos de Federico (de perfil, para evitar a visão sinistra da face direita, desfigurada pela lança que lhe arrancou o olho durante um torneio) e de sua mulher, Battista Sforza, recém-falecida. Sobre o díptico, o crítico Bernard Berenson escreveu: "Os retratos do duque e da duquesa de Urbino foram concebidos como se ambos fossem objetos da natureza, rochas, colinas". E sobre Piero: "Parece ter sido contrário à manifestação do sentimento, disposto a tudo para evitá-la. Hesitava até mesmo em reproduzir a reação natural acarretada pela investida de uma força contra um objeto inanimado, como por exemplo o ricochete de um tronco golpeado por um machado".
Uma impassibilidade capaz de levar um duque zarolho às lágrimas e à guerra.