segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

I Intercâmbio Regional das Juventudes ocorrerá na Roliúde Nordestina


Por Oziella Inocêncio, da ASCOM/UEPB

A cidade de Cabaceiras, localizada no Cariri do Estado, será receptáculo de um grande evento no mês de maio. Trata-se do I Intercâmbio Regional das Juventudes dos Territórios Rurais do Nordeste, que acontecerá entre os dias 19, 20, 21 e 22, e pretende reunir cerca de 350 jovens oriundos de várias localidades da região. O Intercâmbio ocorrerá numa realização  da Escola de Formação Quilombo dos Palmares (EQUIP) e da Rede de Jovens do Nordeste, através  de convênio firmado com o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA).

O encontro objetiva  discutir e debater políticas públicas voltadas ao progresso local, tomando como base as aspirações da juventude. De acordo com o representante da Rede e coordenador do evento, Cleiton Mendes Albuquerque, a ocasião proporcionará a tomada de decisões importantes, enviadas  em seguida às instâncias governamentais na busca de efetivação de políticas públicas para o segmento. 

“Será uma oportunidade importante para que sejam partilhadas experiências e para a criação de projetos que possam favorecer o êxito territorial. Não podemos parar. É importante nos engajarmos de modo mais intenso e fortalecer o movimento. Precisamos voltar às ruas de maneira mais maciça, contar com mais apoio, o que não pode é ficar sentado esperando o contexto melhorar. Estamos criando mecanismos de contribuição direta com os governos o que nos dá a possibilidade de debater cada vez mais e de igual para igual", enfatizou Cleiton.

Na última semana, representantes da coordenação estiveram na cidade para avaliar os espaços que serão utilizados pelos participantes e a comissão organizadora durante os quatro dias do encontro, a axemplo de escolas, pousadas e restaurantes. 


O Intercâmbio ainda recebe o apoio do Governo do Estado, Sebrae e da Prefeitura Municipal de Cabaceiras.


Mais sobre as entidades realizadoras

A Rede de Jovens do Nordeste trabalha no fortalecimento de grupos, organizações, entidades e movimentos juvenis. Surgiu em 1989 e conta com a participação direta de mais de 300 organizações que militam pelos direitos das juventudes. 

Fundada em julho de 1988, a Escola de Formação Quilombo dos Palmares é fruto do amadurecimento e da organização dos movimentos sindical e popular do Nordeste, nas décadas de 70 e 80. Sua história está entrelaçada com os caminhos de luta e resistência trilhados pelas lideranças sindicais e populares nordestinas. Procura potencializar o gosto e o respeito pela igualdade, liberdade e solidariedade nas relações de gênero, etnia e entre gerações.

sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

A Decadência do Roda Viva

Por Juliana Rosas, da ASCOM/UEPB

Na última segunda-feira (24), ao ver mais uma edição do programa Roda Viva, da TV Cultura, comprovei o que já sentia há tempos: a decadência deste que já foi um dos maiores programas jornalísticos da televisão brasileira. A decadência começou, mais especialmente com a mudança do formato do programa, que trouxe à barca a apresentadora Marília Gabriela, o formato gravado, a mudança de cenário e duas das piores coisas: dois “jornalistas” fixos, Paulo Moreira Leite e Augusto Nunes.

Jornalistas bem entre aspas mesmo. Porque aqueles ali são dois metidos a intelectuais que tem comportamento primário, capazes de produzir as mais imbecis das perguntas e de uma arrogância não digna de entrevistadores. Já começam julgando-se melhores que o entrevistado. Isso ou o oposto: a completa adoração, incapaz de produzir perguntas decentes.

Na entrevista com Wagner Moura, a dúvida que pairava no ar era se ao fim do programa, Augusto Nunes iria ao camarim do ator fazer outra proposta...

Mas, comentemos o último programa, que recebeu a doutora Carmita Abdo, médica, psiquiatra e especialista em medicina sexual. Uma mulher com um grande currículo e requisitos para falar de um tema “tabu” na sociedade brasileira, frase tantas vezes repetida pela apresentadora.

Pois bem, uma convidada e tanto, para falar de um assunto que dá pano pra manga, subaproveitado com perguntinhas sobre sexualidade de programa de adolescente. Assunto que dá pano pra manga, porém, pensamos, num programa dito sério, com profissional que têm o que falar, não poderiam ter elevado o nível? E não ficar com perguntinhas rasas, de conteúdo fútil e muitas vezes sexista. Como foi a do “jornalista” Paulo Moreira Leite. “Por que a mulher fala mais sobre sexo? Por que ela está mais acostumada a sofrer?” Pô!! Que espécie de pergunta é esta?? A mulher está acostumada a sofrer???

E o que dizer das primeiras perguntas de Marília Gabriela, “Você não acha que as pessoas mentem nessas pesquisas?”, “Você não acha que a internet faz as pessoas se passarem por outras?”. Gente!! Que espécie de perguntas são essas?? Não é raso demais, primário demais, besta demais? E o brasileiro, que dá tanto cabimento a Marília Gabriela, creio que esperaria mais. A primeira pergunta só serviu para a médica explicar para a apresentadora critérios científicos do que é pesquisa. Coisa que ela própria deveria saber e não duvidar que é impossível pesquisar sexologia de forma séria. E a segunda, para confirmar que sim, as pessoas podem mentir sobre sexo pela internet. E daí? Que novidade traz essa informação? Não é o que se confirma desde que surgiu a rede mundial de computadores?

Depois desse início besta, não consegui mais assistir. No outro dia, ao chegar ao trabalho, nem mencionei nada, um colega logo veio justamente comentar sobre o programa. E acrescentar que houve muitas outras perguntas imbecis. Do tipo “Você não acha que a sociedade está monogâmica demais?” Nossa!! Olha, eu me considero uma pessoa liberal, mas por favor, esta pergunta não se salva sob nenhum aspecto.

O que ela quer? Promover a poligamia em rede nacional? Quando a lei a proíbe? E esse comentário só reflete a falta de contato com a realidade, uma vez que o mundo e suas relações, inclusive as afetivas, encontram-se cada vez mais líquidas (lembrando nosso querido Zygmunt Bauman). Ou seja, mais etéreas, menos duradouras, mais frágeis. Casamentos são mais raros, ocorrem cada vez mais tarde, aumentou o número de divórcios, as pessoas traem mais. Desde quando estamos mais monogâmicos? E isso é lá pergunta de jornalista? E isso lá caberia no programa?

Há inúmeros outros problemas neste atual programa. O atual formato, com menos entrevistadores e menor espaço físico, não acabou com o problema das interrupções, com a falta de espaço de resposta para o entrevistado, com a dominação de um entrevistador sobre outros, uns fazendo perguntas demais, outros de menos, alguns querendo monopolizar certos assuntos, enfim. Paro por aqui. Mas com a esperança de que este programa recupere a pujança, ou pelo menos, a dignidade perdida.

quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

Zabé da Loca e Ceguinhas de Campina juntas em Festival de Monteiro

 Por Rosa Maria Correia

A “Rainha do Pífano” Zabé da Loca e as três irmãs Maroca, Poroca e Indaiá, as Ceguinhas de Campina farão um encontro histórico durante o II Festival de Cultura Popular Zabé da Loca – Homenagem Ilmar Cavalcante, que acontecerá em Monteiro entre os dias 23 a 27 de fevereiro. O evento conta com o apoio da Universidade Estadual da Paraíba, através do Campus de Monteiro.
O momento será um marco para o Cariri Paraibano, pela presença de duas grandes atrações da cultura popular, que se apresentarão no mesmo palco, na noite do dia 26. A história de vida tanto de Zabé, qaunto das irmãs campinenses se confunde pelo sofrimento e o sucesso.
Zabé morou por mais de trinta anos debaixo de uma loca na zona rural de Monteiro, onde criou seus filhos. Desde os sete anos de idade tocava a arte do pífano, fabricado por ela própria, que se utiliza de caniço retirado do mato. Hoje aos 87 anos, Isabel Marques mora em uma casa doada pelo INCRA e já recebeu importantes prêmios como Revelação da Música Popular Brasileira e Ordem do Mérito Cultural.
Maroca, Poroca e Indaiá ficaram famosas nacionalmente com o documentário “A Pessoa é Para o Que Nasce”. O filme retrata a história de vida das irmãs que desde cedo cantavam e tocavam ganzá pelas ruas de Campina Grande pedindo esmolas para sobreviver. Elas também já foram premiadas com importantes comendas, com a medalha de Ordem do Mérito Cultural, em Brasília.
A presença da Rainha do Pífano e das Ceguinhas no II Festival de Cultura Popular em Monteiro tocando e cantando juntas será um marco cultural.
Segundo informações do Secretário de Cultura, Edcarlos Farias, o Festival é um importante evento turístico-cultural já consolidado na programação da região caririzeira e a programação deste ano atenderá aos mais diversos públicos.
“O Festival também terá mostra de teatro, festival de cinema, festival de violeiros e o encontro dos amigos de Ilmar Cavalcante, o maior evento da cultura popular do Cariri Paraibano”, afirmou Edcarlos. O II Festival de Cultura Popular Zabé da Loca – Homenagem a Ilmar Cavalcante é uma realização da Prefeitura de Monteiro, conta com patrocínio do Banco do Nordeste, Governo Federal e Governo do Estado, além de apoio do Sebrae e projetos Vínculus e Dom Helder.

quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

"Sinto-me mais em casa na América Latina", diz Hobsbawm

Por Tristram Hunt (Do Guardian, em Londres)
Tradução de Clara Allain

Hampstead Heath, em Londres, orgulha-se do seu papel na história do marxismo. Era lá que, aos domingos, Karl Marx subia o Parliament Hill com sua família. Nos dias de semana, Marx se juntava a Friedrich Engels para caminhar pelo parque. A ambição marxista permanece viva na casa de Eric Hobsbawm, numa rua lateral que sai do parque. Na última vez em que o entrevistei, em 2002, ele enfrentava outro ataque da mídia pela ligação com o Partido Comunista.

As coisas mudaram: a crise global transformou os termos da discussão, e a crítica marxista da instabilidade do capitalismo ressurgiu. Parecia não haver momento melhor para Hobsbawm reunir seus ensaios mais famosos sobre Marx em um volume, com material sobre o marxismo visto à luz do crash.

"Guardian" - Há no âmago desse livro um senso de algo que provou seu valor? De que, mesmo que as propostas de Marx possam não mais ser relevantes, ele fez as perguntas certas sobre o capitalismo?

Eric Hobsbawm - Com certeza. A redescoberta de Marx está acontecendo porque ele previu muito mais sobre o mundo moderno do que qualquer outra pessoa em 1848. É isso, acredito, o que atrai a atenção de vários observadores novos -atenção essa que, paradoxalmente, surge antes entre empresários e comentaristas de negócios, não entre a esquerda.

O sr. tem a impressão de que o que pessoas como George Soros apreciam em parte em Marx é o modo brilhante com que ele descreve a energia e o potencial do capitalismo?

Acho que é o fato de ele ter previsto a globalização que os impressionou. Mas acredito que os mais inteligentes também enxergaram uma teoria que previa o risco de crises. A teoria oficial do período, fim dos anos 90, descartava essa possibilidade.

E o sr. acha que o interesse renovado por Marx também foi beneficiado pelo fim dos Estados marxistas-leninistas?

Com a queda da União Soviética, os capitalistas deixaram de sentir medo, e desse modo tanto eles quanto nós pudemos analisar o problema de maneira muito mais equilibrada. Mas foi mais a instabilidade da economia globalizada neoliberal que, creio, começou a ficar tão evidente no fim do século.

O sr. não está surpreso com o fato de a esquerda marxista e a social-democrata não terem explorado politicamente a crise dos últimos anos?

Sim, é claro. Na realidade, uma das coisas que procuro mostrar no livro é que a crise do marxismo não é só do seu braço revolucionário, mas também do seu ramal social-democrata. O reformismo social-democrático era, essencialmente, a classe trabalhadora pressionando seus Estados-nações. Com a globalização, a capacidade dos Estados de reagir a essa pressão se reduziu concretamente. Assim, a esquerda recuou.

O sr. acha que o problema da esquerda está em parte no fim da classe trabalhadora consciente e identificável?

Historicamente falando, isso é verdade. O que ainda é possível é que a classe trabalhadora forme o esqueleto de movimentos mais amplos de transformação social.

Um bom exemplo é o Brasil, que tem um caso clássico de partido trabalhista nos moldes do fim do século 19 -baseado numa aliança de sindicatos, trabalhadores, pobres em geral, intelectuais e tipos diversos de esquerda- que gerou uma coalizão governista notável. E não se pode dizer que não seja bem-sucedida, após oito anos de governo e um presidente em final de mandato [a entrevista foi feita no final de 2010] com 80% de aprovação.

Ideologicamente, hoje me sinto mais em casa na América Latina. É o único lugar no mundo em que as pessoas fazem política e falam dela na velha linguagem -a dos séculos 19 e 20, de socialismo, comunismo e marxismo.

O título de seu novo livro é "How to Change the World". No final, o sr. escreve: "A substituição do capitalismo ainda me parece possível". A esperança continua forte?

Não existe esperança reduzida hoje. O que digo agora é que os problemas do século 21 exigem soluções com as quais nem o mercado puro nem a democracia liberal pura conseguem lidar adequadamente. É preciso calcular uma combinação diferente.

Que nome será dado a isso não sei. Mas é bem capaz de não ser mais capitalismo, não no sentido em que o conhecemos aqui e nos EUA.


RAIO-X
ERIC HOBSBAWM

VIDA
Nasceu no Egito em 1917; vive no Reino Unido desde 1933

OBRA
Historiador, tem entre seus livros mais famosos "A Era dos Extremos". Acaba de lançar "How to Change the World" ("Como mudar o mundo"), que deve ser publicado no Brasil em 2012.

terça-feira, 25 de janeiro de 2011

O homem da cabeça de papelão

 
[Clique na imagem para ampliar]


Por Allan Sieber, da Revista Piauí  
Inserção da imagem: Dannylo Xavier, da Coordenadoria de Informática da UEPB

segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

"É melhor ser a avó do ano do que ser Prêmio Nobel"

Maternidade e Carreira -  A Prêmio Nobel Ada Yonath de 71 anos diz que é plenamente possível conciliar os dois

Por Sabine Righeti, da Carta Capital
Foto: Letícia Moreira


A israelense Ada Yonath, Prêmio Nobel de química em 2009, coleciona também uma vasta lista de outras premiações. Mas é do título "avó do ano", concedido pela sua neta de 15 anos de idade, que ela gosta mais.
Yonath foi laureada com o prêmio internacional mais importante de ciência por seus estudos com os ribossomos: estruturas celulares que fabricam proteínas e que abriram caminhos para novos antibióticos.
Os trabalhos dela, junto com dois norte-americanos, mostraram ao mundo, pela primeira vez, imagens dos ribossomos com uma definição que permitia interpretar as suas posições atômicas.
Em entrevista exclusiva concedida em Campinas (SP), durante sua participação na Escola São Paulo de Ciência Avançada, do LNLS (Laboratório Nacional de Luz Síncrotron), ela falou sobre sua vida pessoal e suas atuais pesquisas.
Aos 71 anos, ela ainda trabalha no Instituto de Ciência Weizmann, em Israel, onde tem nove orientandos. Mas revelou não ter uma obsessão científica específica. Só gosta muito de estudar.

A senhora foi a primeira cientista mulher israelense a ganhar um Nobel. Foi difícil entrar no mundo da ciência sendo uma mulher? 
Ada Yonath - Não, não foi difícil. Existem, sim, problemas de gênero em toda a sociedade, incluindo na ciência. A sociedade ainda acredita que as mulheres devem ser só mães. Mas é a sociedade que deve mudar, e não só os homens. Mas eu não me atenho a questões de gênero.
O fato é que há muitas mulheres na ciência hoje em dia. Todos têm dificuldades: a ciência pode ser difícil para homens ou para mulheres.
Entendo que a única diferença entre homens e mulheres é biológica: mulheres podem dar à luz. Só isso. Não sou uma militante de gênero.

A senhora tem uma filha que é médica. Acha que foi um exemplo para ela seguir nessa carreira?
O fato de eu ter uma filha mostra que é possível ter filhos e trabalhar duro com ciência. Não acredito que eu seja um modelo para a minha filha. As pessoas devem fazer o que amam, sem modelos.

A senhora teve modelos na sua família?
Não, eu sou de uma família muito pobre de agricultores de Israel. Meu pai era agricultor e minha mãe era uma mulher normal.

Quando a senhora decidiu ser química?
Eu sempre fui interessada em tudo, era curiosa, gostava de entender processos naturais. Quando eu era adolescente, eu queria ir para um kibutz [comunidade agrícola comum em Israel], mas acabei estudando. Quando descobri que existia uma profissão em que era possível estudar e receber por isso, eu decidi seguir essa profissão. Você faz perguntas interessantes a si mesmo e tenta respondê-las. Isso é fantástico.

A senhora começou a trabalhar em Israel e agora está de volta ao seu país, depois de passar alguns anos nos EUA e mais de duas décadas na Alemanha. Como foi viver nesses países?
Eu não vivi, na verdade. Eu apenas trabalhei. Foi um pouco difícil, especialmente na Alemanha. Até hoje eu não falo alemão. Mas devo reconhecer que os alemães sempre tentaram me receber muito bem. Foi difícil dentro de mim, porque eu estava longe de casa. Hoje eu me sinto mais feliz em Israel.

E o que a senhora acha da ciência no Brasil?
Tenho ouvido que a ciência brasileira tem progredido muito. Sei que há muitos cientistas que estão vindo trabalhar no Brasil. Se isso for mantido, o Brasil poderá ser um país pioneiro em alguns anos.

E, sobre o Prêmio Nobel, como foi receber a ligação dizendo "você ganhou"?
Você me pergunta se foi bom? Nossa, foi muito bom! Eu trabalhei por muitos anos, muitas vezes contra a vontade dos outros. Na ciência, durante muito tempo, você pode trabalhar sem chegar a resultado nenhum. Eu sempre quis ganhar um Nobel, claro, mas eu realmente não esperava ganhá-lo. Mas o melhor prêmio que ganhei na vida foi de "melhor avó do ano", dado pela minha neta de 15 anos. E ela renova o título a cada ano.

Quando a senhora começou a trabalhar com ribossomos?

Eu estava interessada em informação genética, e os ribossomos são uma parte disso. Eu comecei a focar os ribossomos quando estava em Berlim. Tive sorte porque encontrei um resultado interessante. Estudar os ribossomos não era uma obsessão. Acho que eu não tenho nenhuma obsessão. Não sei se isso é bom, mas não tenho.

O que mudou na sua vida depois do Prêmio Nobel?
Eu me tornei conhecida e, com isso, posso usar essa notoriedade para, por exemplo, estimular jovens para que sigam a carreira científica. Vou a escolas, converso com adolescentes, mas eu não acordo e penso "sou uma Prêmio Nobel". Na verdade, nem tenho muito tempo para pensar sobre isso porque eu ainda trabalho [no Instituto de Ciência Weizmann, em Israel]. Continuo estudando antibióticos. Tenho nove orientandos, de mestrado e doutorado.

A senhora é uma Prêmio Nobel com orientandos de mestrado? Isso é raro. A maioria prefere os doutorandos ou pós-doutorandos, não?
Por que eu não teria um mestrando para orientar? Isso não faz sentido. Gosto de ver a carreira acadêmica dos meus orientandos evoluindo. Tenho uma estudante que veio passar dez semanas comigo e está há 13 anos.

A senhora é dura com seus orientandos?
Pergunte a eles! (risos) A ciência é dura por si só, há muitas dificuldades a serem vencidas na vida de um cientista. Dificuldades técnicas e conceituais. Você só deve pensar: por que vou abandonar o que estou fazendo?

O que a senhora diria pra alguém de uma família pobre que quer ser cientista?
Diria para não desistir. Eu fiz todo o possível pra ter dinheiro e continuar estudando: lavei louça, lavei o chão. Pra ser cientista, você tem de ser curioso, de querer muito responder a uma pergunta. E, claro, tem de ter também a capacidade de convencer os gestores a pagarem a sua pesquisa (risos).

Além da ciência, a senhora tem hobbies?
Gosto de cozinhar, de nadar, de conversar com crianças e jovens. E amo escrever. Estou escrevendo um romance, mas ainda não pretendo publicá-lo. Estou escrevendo para mim mesma. É um romance que fala sobre um pouco de tudo. Mas os personagens ainda estão em construção. Como eu.

sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

Brasil pode ser um dos líderes do processo de paz no Oriente Médio

Por Marcelo Ninio, da Folhapress

O Brasil tem capacidade de influir no Oriente Médio, e seu envolvimento crescente na região é bem-vindo.
A opinião é do ex-presidente dos EUA (1977-1981) e ganhador do prêmio Nobel da Paz em 2002,  Jimmy Carter. Ele elogiou a iniciativa do governo brasileiro de reconhecer o Estado palestino e exortou outros países a fazerem o mesmo.
De Atlanta, Carter falou sobre o impasse no processo de paz entre palestinos e israelenses. Ele tem experiência no assunto. Seu governo intermediou o mais importante acordo de paz assinado na região, o de Camp David (1978), entre Israel e Egito.
Hoje com 86 anos, Carter continua mergulhado no assunto. É parte do grupo de "sábios" The Elders (mais velhos, em inglês), por meio do qual tenta promover a paz ao lado de personalidades como o bispo sul-africano Desmond Tutu.
É crítico contumaz da ocupação israelense dos territórios ocorrida em 1967, que comparou ao apartheid -o antigo regime segregacionista da África do Sul. Para o ex-presidente, os recentes fracassos mostram que os EUA sozinhos não são capazes de intermediar um acordo. "Negociações só com o patrocínio dos EUA não funcionarão", disse o ex-presidente, em seu forte sotaque sulista.
Sobre as revelações do site WikiLeaks, Carter está menos preocupado que a secretária de Estado dos EUA, Hillary Clinton, para quem o vazamento foi um "ataque" à comunidade internacional.
"Nenhum dano permanente foi causado", disse Carter.

Washington admitiu que fracassou em convencer Israel a congelar a construção nos territórios ocupados. Foi um erro dos EUA insistir nesse ponto?
Jimmy Carter - Foi um bom esforço, mas fracassou. Agora, minha esperança é que EUA, UE e ONU unam esforços para reconhecer o fato de que Israel se recusa a cumprir o mandato das resoluções da ONU, as Convenções de Genebra e as decisões das cortes internacionais de Justiça e a Declaração Universal dos Direitos Humanos e que os palestinos estão sofrendo sob a contínua ocupação.

Os EUA ofereceram um pacote de benefícios políticos e militares a Israel, mas tiveram seu pedido rejeitado. Acha que só a pressão sobre Israel pode trazer resultados?
A única forma de obter progresso é com os líderes mundiais apoiando uma solução que honre os compromissos da comunidade internacional e leve ao cumprimento do plano de paz árabe.
Precisamos usar toda a nossa influência para induzir israelenses e palestinos a aceitarem essa proposta.
Temos que buscar o apoio de outros países. Fiquei muito feliz ao ver que o Brasil reconheceu o Estado palestino nas fronteiras de 1967.

Em 1988, a proclamação de independência palestina foi aprovada na ONU com o apoio de 104 países, incluindo o Brasil, mas até hoje não há um Estado palestino. Por que um novo reconhecimento teria efeito diferente?
Tudo depende de haver um apoio maciço. É preciso haver um esforço coordenado na Assembleia Geral para que mais e mais países reconheçam a Palestina. E usar essa alavanca para fazer com que os israelenses aceitem a solução de dois Estados.
Agora, Israel se move para uma solução de um Estado, o que seria um desastre para os próprios israelenses.

A Câmara dos Deputados dos EUA aprovou na semana passada resolução contrária ao reconhecimento da Palestina e que defende o veto americano à iniciativa no Conselho de Segurança. Sem o apoio dos EUA, essa campanha internacional pode avançar?
O Congresso dos EUA apóia a posição de Israel, seja ela correta ou incorreta. A alternativa a isso é levar a questão à Assembleia Geral.

O fracasso dos EUA indica que outros países deveriam participar das negociações, como defende o Brasil?

Concordo com o Brasil. Não se pode contar com os EUA sozinhos para trazer a paz, pois concordam com quase tudo o que Israel faz. O Brasil pode ajudar, porque tem muita influência entre os países em desenvolvimento.
Na verdade, tem muita em todos os países, incluindo os EUA. O Brasil pode ser um dos líderes desse processo.

O sr. ajudou a mediar o acordo de paz de Camp David, que se mantém sólido. Que lições aplicaria para resolver o conflito entre Israel e palestinos?

O acordo de Camp David não só estabelece a paz entre Israel e Egito mas reconhece a aplicação das resoluções 242 e 338. Israel concordou que iria retirar seu controle político e militar dos territórios palestinos e que os palestinos têm o direito de estabelecer seu próprio governo.
Foi o que o Acordo de Camp David declarou e o que o governo de Israel aceitou em 78. Mas não cumpriu seu compromisso.

Os palestinos continuam divididos entre Fatah e Hamas...
[A divisão palestina] é um grande obstáculo. Com mediação do Egito, EUA e Israel tentaram se comunicar com o Hamas. Isso é importante.

O que acha da opinião de Hillary Clinton sobre os vazamentos do WikiLeaks?

Não causaram nenhum dano real à diplomacia mundial. Os diplomatas terão mais cuidado com a linguagem e talvez líderes não queiram compartilhar o que pensam com o Departamento de Estado. Haverá mais cautela, mas não causou nenhum dano permanente.

quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

Para Conselho Nacional de Juventude é hora de ocupar as ruas

Militância - Presidente do Conjuve cumula dez anos de dedicação ao movimento estudantil

Por Ana Cristina Santos
Foto: Beto Monteiro


Irrequieto Gabriel Medina conserva um jeito impaciente característico das grandes cidades. Quando o assunto requer atenção exclusiva ele redobra a concentração: ouve, assume um ar sério, para logo depois retomar a expressão tranquila e o sorriso fácil. Aos 28 anos este psicólogo paulistano com sorriso de menino assume uma das atividades mais expressivas do movimento juvenil brasileiro: a presidência do Conselho Nacional de Juventude, o Conjuve.

Natural de Araraquara, interior de São Paulo, Medina cursou Psicologia na Universidade São Marcos, onde se formou em 2005. No currículo os dez anos de militância no movimento juvenil refletem a sua inquietude: Fóruns Sociais Mundiais, Projeto Juventude, movimento estudantil, assessorias nos poderes executivo e legislativo, Plano Nacional de Juventude e até uma suplência de vereador na sua cidade natal.

Eleito com base em uma ampla aliança entre os vários segmentos do movimento de juventude na última reunião do Conjuve, em 14 de dezembro, Gabriel Medina respondeu a algumas perguntas do Juventude que você acompanha na entrevista a seguir:

Há quanto tempo você faz parte do Conselho Nacional de Juventude?

Há um ano. A partir de uma decisão das organizações, movimentos, redes e fóruns que compõem o Fórum Nacional de Movimentos e Organizações Juvenis – Fonajuves, disputamos uma cadeira de redes e fóruns para o biênio 2010/2011. A princípio tínhamos muitas críticas ao processo inicial de criação do Conjuve por apresentar uma composição das entidades por indicação do Governo Federal e não por meio de uma eleição. O Fonajuves foi a única organização a se manifestar criticamente a respeito, o que impulsionou a criação de um GT (Grupo de Trabalho) para repensar este processo e resultou no método atual de eleição.

Em sua segunda composição o Conjuve abriu-se para uma maior participação de movimentos e organizações juvenis e neste momento definimos por compô-lo com a expectativa de travar um debate franco sobre a importância de a sociedade civil construir espaços autônomos, permanentes de diálogo e elaboração de estratégias coletivas.

Por que se candidatou a presidente do Conjuve?

Há cerca de cinco anos, o Fonajuves luta para fortalecer a intervenção dos movimentos e organizações juvenis no âmbito das PPJ´s (Políticas Públicas de Juventude) no país. Desde os Fóruns Sociais Mundiais, na construção de atividades no Acampamento Intercontinental da Juventude, nas assembléias feitas à noite durante a elaboração do Plano Nacional de Juventude e na 1ª Conferência Nacional de Juventude, na realização do Festival das Juventudes em Fortaleza e no fortalecimento do Pacto pela Juventude, consolidamos um movimento político importante no debate público sobre o tema da juventude.

A indicação de minha candidatura partiu de uma construção coletiva com as organizações e movimentos que estiveram juntos nesse caminho. Participamos ativamente da gestão de 2010 no Conjuve e com diálogo e construção de alianças mais amplas abrimos o caminho para uma candidatura forte da sociedade civil.

Você teve maioria de votos no primeiro (24x16x15) e no segundo turno (38×16). Qual o significado dessa ampla maioria de votantes nesta eleição?

Para que tenhamos uma gestão forte no Conjuve ganhar com ampla maioria é fundamental. Quero destacar alguns símbolos da vitória. O primeiro foi a marca da diversidade no apoio. Fui o candidato dos movimentos, organizações, fóruns, redes, de juventudes partidárias e inclusive de vários Ministérios do governo Lula. Fizeram parte desta composição, jovens religiosos, feministas, trabalhadores/as, homossexuais, jovens rurais, ambientalistas, jovens com deficiência, militantes do movimento estudantil. Portanto, as mais variadas lutas somaram-se a esta candidatura. Outro elemento central foi o método de construção pautado na coletividade, no diálogo e na necessidade de unificação das pautas para os avanços nas PPJ´s.

Vale destacar o esforço para representar um campo político sólido, com a autonomia necessária para exercer pressão e crítica construtiva no novo período que iniciamos com a vitória da presidenta Dilma. Por fim, a candidatura foi construída com bases programáticas e um amplo acordo com as pautas prioritárias para o ano de 2011.

O que significa ter a sociedade civil na presidência do Conjuve já no primeiro ano do novo governo federal?

Significa possibilidade de alcançarmos avanços na pauta de juventude do país por meio de uma ação protagonista dos movimentos juvenis em conjunto com as lutas do movimento social brasileiro. Aponta para maior autonomia do Conjuve em relação ao governo e para a capacidade de exercermos mais pressão social e consolidar o Conselho como espaço de controle social.

Esta é a terceira gestão da sociedade civil do Conjuve e a primeira exercida em um momento de transição. Cabe-nos a tarefa de defender o legado do presidente Lula, primeiro Governo do país e se preocupar com a especificidade da pauta, mas com a capacidade de produzir uma análise crítica e propositiva para os próximos anos do governo Dilma.

O Conjuve, por meio da Comissão de Políticas e Programas, produziu um rico documento de análise da política de juventude. Além de construir um balanço dos cinco anos das PPJ´s no país, apresenta um conjunto de sugestões ao próximo governo. Temos a tarefa, como presidente, de criar as condições para aperfeiçoar o documento e garantir que seja considerado pelo conjunto do Governo para a elaboração e fortalecimento das políticas de juventude nos próximos quatro anos. É preciso, ainda, garantir a estrutura necessária para que o Conjuve monitore a execução das PPJ´s, fortalecendo-se como referência para todos os ministérios que desenvolvem ações com a juventude.

Quais as prioridades para o seu mandato à frente do Conjuve?

Como espaço de participação e controle social, a prioridade do Conjuve deve ser o fortalecimento da participação e protagonismo dos movimentos juvenis na elaboração e avaliação das políticas públicas de juventude, contribuindo para a sua consolidação. Para tanto, é preciso defender as prioridades da 1ª Conferência Nacional de Juventude que continuam atuais, e garantir a realização de uma  2ª Conferência ainda mais representativa.

Pretendemos trabalhar firme para a realização da  2ª. Conferência Nacional de Juventude, para que amplie sua capilaridade, qualidade e para que vá além da identificação das bandeiras e reivindicações gerais, mas que busque apresentar propostas mais consolidadas de políticas públicas. Chegou a hora de afirmarmos quais são as políticas prioritárias do Governo Dilma e como implementá-las com participação ativa da juventude.

O avanço nos marcos legais é uma pauta permanente. É necessário consolidar os direitos assegurados na Emenda Constitucional 65, assim como defender a aprovação do Plano Nacional de Juventude e do Estatuto da Juventude no Congresso Nacional.

Garantir maior capilaridade das PPJ´s por meio do incentivo à criação  de Conselhos de Juventude nos Estados e Municípios, bem como a de assessorias, coordenadorias e políticas específicas de juventude.

Outra ação que considero prioritária é a de estimular maior protagonismo do Conjuve no âmbito internacional, aprofundando as relações na América Latina, Ásia, África e  outros continentes, além da interlocução com organismos internacionais, na busca do estabelecimento de cooperações e avanço dos direitos dos/as jovens mundialmente.

Por fim, fortalecer o Conselho com instrumentos que melhorem sua gestão, transparência, visibilidade pública e força política para intervir decisivamente nas definições governamentais.

E qual a expectativa para a 2ª Conferência Nacional de Juventude? Arriscaria alguma meta?

A prioridade do ano de 2011 deverá ser o engajamento do Conjuve na organização da  2ª Conferência Nacional de Juventude. Fundamental será que a Conferência aponte caminhos para a consolidação da Política Nacional de Juventude, como uma prioridade na agenda do Governo Federal e com força para se enraizar nos Estados e Municípios. Para tanto, o CONJUVE deve protagonizar a condução da II Conferência, tanto na comissão organizadora nacional, como na construção das etapas municipais e estaduais.

A meta da 2ª Conferência, em minha opinião, não deve ser apenas quantitativa, mas, sobretudo qualitativa. Precisamos definir, por meio da participação popular, as prioridades políticas e as formas de implementá-las. A Conferência precisa dialogar com as leis que tramitam no Congresso, como o Plano Nacional de Juventude e o Estatuto da Juventude, gerando pressão social pela sua aprovação. Por meio destes instrumentos poderemos ter metas as ser alcançadas nos próximos anos na política de juventude.

Lutarei para que possamos ampliar as formas de participação, como as conferências livres, os processos de participação virtual, e uma novidade que apareceu no último regimento que são as Conferências Territoriais, que permitirão maior protagonismo dos/as jovens rurais, quilombolas, ribeirinhos e indígenas.

A Conferência também é um momento especial de formação e renovação de lideranças para que tenhamos mais jovens engajados na defesa dos direitos juvenis. Como a juventude marca um período de transição da vida, entre a infância e o mundo adulto, a realização de Conferência de dois em dois anos possibilita incentivar  a renovação política necessária para que a nossa pauta se consolide no país.

Por fim, a 2ª Conferência deve propiciar a construção de uma pauta unificada da juventude que ajude a consolidar um calendário de lutas para este ano. É a hora de ocuparmos as ruas, as praças, as escolas, a roça, as tribos e mostrar que nossos sonhos podem se transformar em realidade.

quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

Um matemático fala do derradeiro mistério do universo


Por João Moreira Salles, da Revista Piauí

Não eram nem 17h03 nem 16h59, mas precisamente 17h, quando César Camacho, diretor do Impa – Instituto Nacional de Matemática Pura e Aplicada –, tomou o microfone: “É uma honra receber aqui o professor Michael Atiyah, que como vocês sabem é ganhador da Medalha Fields e do Prêmio Abel. O título da palestra dele é Da Física Quântica à Teoria dos Números: Um Geômetra Explora o Universo. Muito obrigado.”

Na plateia, alguém comentou com o vizinho: “Só duas coisas começam na hora no Brasil, jogo no Maracanã e palestra no Impa.” Obrigações com a tevê explicam a pontualidade do Maracanã; no caso do Impa, trata-se tão somente de rigor, um dos bens mais cultivados por ali.

O inglês Michael Atiyah é um senhor baixo, calvo, rechonchudo e extremamente jovial. Se disser que está chegando aos 70, ninguém objetará. (Ele está com 81.) Na beira de um campo de futebol, seria confundido com o médico Lídio Toledo, aquele da Seleção Brasileira. Numa boa churrascaria, poderiam tomá-lo por maître, e ele provavelmente não ligaria se lhe pedissem para trazer logo a fraldinha. A etiqueta, porém, recomendaria pingar um Sir antes do seu nome, pois em 1983 a rainha Elizabeth II o honrou com o título.

Ali no Impa, em todo caso, a real condecoração impressionava bem menos do que a Medalha Fields, a láurea mais prestigiosa da matemática. Atiyah ganhou a sua em 1966, aos 37 anos, pela contribuição que deu à topologia algébrica, área que, em síntese, descreve maneiras de torcer o espaço.

Ele foi logo ao ponto: “Nos últimos trinta anos tem havido uma interação cada vez maior entre a matemática e a física. Minha palestra é sobre isso: física quântica, teoria dos números e o universo. É o pacote completo. E, quando digo universo, refiro-me não apenas às coisas concretas, mas também ao mundo das ideias.” Um garoto de short e chinelo no qual se lia Full Tilt Poker (um dos maiores sites de pôquer do mundo) inclinou o corpo para a frente.

Atiyah, quando fala, lembra um personagem de filme da BBC. Parece estar com um ovo na boca. Suas frases aceleram do meio em diante, como se as palavras, entediadas com o andar da carruagem, decidissem apostar corrida para ver quem chega primeiro ao ponto-final.

Para ouvidos brasileiros, não é fácil. Benditos slides. Acionando a projeção, o matemático disse: “Gosto muito de citações.” Einstein era o autor das três primeiras: Quero saber como Deus criou este mundo. Não estou interessado nesse ou naquele fenômeno. Quero saber como Ele pensa. O resto é detalhe. Era a ambição. Em seguida, veio o espanto: O aspecto mais incompreensível do mundo é o fato de ele ser compreensível.

Atiyah reflete: “Não há nenhuma razão para que o mundo obedeça a leis matemáticas, mas nós acreditamos que é assim. É um ato de fé nosso, que alguns poderiam, com razão, comparar ao sentimento religioso. Até agora nossa aposta tem dado certo, explicamos muitos fenômenos naturais. Mas não está claro por que dá certo.” Durante os 90 minutos seguintes, ele tentaria converter os jovens à fé. Deus é esperto, mas não malicioso – Einstein, ainda. Melhor pensar que, se existe uma ordem, ela não é obra de um espírito irônico que tenha decidido se divertir às nossas custas.

Talvez por passarem a vida contemplando objetos ideais, alguns matemáticos adotam um vocabulário comum aos homens de religião. Naquela tarde, Deus apareceu muitas vezes no Impa. Não ficou claro se Atiyah se referia a um demiurgo engenheiro ou à força ordenadora da natureza; que cada um preenchesse a lacuna segundo as próprias convicções.

O importante era transmitir a absoluta convicção quanto à força epistemológica da beleza: “Se existe uma teoria última do universo, ela certamente é bela”, disse Atiyah, dando voz a uma de suas crenças mais arraigadas: a de que a beleza explica e é um dos indícios da verdade. O belo, para os matemáticos, é a intuição da totalidade. Onde só se viam partes, alguém percebe um corpo. Era disso que ele falava naquela tarde.

Há meio século os cientistas vêm tentando unificar a teoria quântica e a teoria da relatividade – a primeira, sobre o imensamente pequeno; a segunda, sobre o imensamente grande. Somadas, elas descrevem a totalidade dos fenômenos naturais, mas com sintaxe autônoma, como se a linguagem matemática de cada uma se tornasse agramatical no ambiente da outra. Conciliar as duas teorias é o maior problema que um físico pode se dar. Atiyah estava ali para estimular os seus jovens ouvintes a serem ambiciosos.

Não deve causar espanto o fato de que falava para futuros matemáticos, não físicos. Cientistas acreditam que a máquina do universo provavelmente corresponde a uma estrutura matemática. Descoberta essa estrutura, tudo se tornaria inteligível, tal como um palácio se deixa compreender por sua planta baixa. Referindo-se a uma hipótese formulada há 150 anos pelo alemão Bernhard Riemann, Atiyah disse: “Muita gente acredita que...” – agora havia um brilho metafórico nele – “a solução da hipótese de Riemann” – um problema eminentemente matemático, anterior à física moderna – “oferecerá automaticamente a síntese entre a relatividade de Einstein e a física quântica. Refiro-me a uma Teoria Matemática do Universo...” O silêncio do auditório era bom, desses de cortar com uma faca.

Atiyah seguiu assim, falando do sonho da unidade, dos vários caminhos teóricos possíveis, de vários profetas da física contemporânea – cristãos, ortodoxos, hereges... “Pois eu sou o místico. E, como vocês sabem, os místicos sintetizam.” Atiyah sorriu: “Deus não jogaria fora a beleza de todas essas teorias para ficar com uma só.”

Ele não garante que a Teoria Matemática do Universo vá ser encontrada, mas a intuição lhe diz que sim. “É uma linda hipótese, e assim deve ser quando se faz uma previsão. Qual a graça em imaginar que a verdade virá sob a forma de uma teoria horrorosa? Por que Deus faria o universo com base em matemática vagabunda? Não acredito nisso. Se um dia chegarmos a essa conclusão, será uma pena. Em todo caso, significaria apenas que Ele é um péssimo matemático.”

A palestra foi encerrada com os versos “de um poeta famoso, eu mesmo, que só escrevi um poema na vida”. Em poucas linhas, os alunos foram convocados a não abrir mão do rigor – mas só de dia. À noite, devem se libertar dele, para “sonhar, deslumbrados com o milagre dos céus.”

O auditório demorou a esvaziar. Atiyah ficou cercado de jovens de bermuda e chinelo – garotos talentosos, de todas as classes sociais. Queriam uma fotografia.

segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

"A África do Sul não está livre do apartheid"

Ainda segregados - Nontombi Naomi Tutu filha do ganhador do Prêmio Nobel da Paz diz que o poder econômico continua com os brancos

Por Solange Azevedo, da Revista Istoé

Nontombi Naomi Tutu, 50 anos, fala de maneira eloquente sobre a própria história e sobre a sólida experiência como ativista de direitos humanos. Terceira filha do arcebispo anglicano Desmond Tutu – ganhador do Prêmio Nobel da Paz de 1984 pela luta contra o apartheid –, Nontombi lecionou em universidades como a de Cidade do Cabo, na África do Sul, e de Hartford e Connecticut, nos Estados Unidos. Atualmente, é consultora de ONGs internacionais que combatem a violência contra a mulher e dão suporte para famílias devastadas por doenças como Aids e câncer em países africanos. Mãe de dois filhos, Nontombi vive atualmente em Nashville, capital do Estado americano de Tennessee. “O fim do apartheid não trouxe benefícios econômicos para a maior parte da população negra”, disse à reportagem. “Quem viveu sob o regime do apartheid sabe que, apesar de a Constituição sul-africana pregar que todos são iguais, as coisas ainda não são bem assim.” A seguir, os principais trechos da entrevista.

A segregação racial ainda é forte na África do Sul?

Nontombi Naomi Tutu - Infelizmente, sim. A África do Sul não está completamente livre do apartheid. O racismo ainda existe e é muito forte. Mas isso não é uma surpresa porque somos uma democracia jovem. Nossa primeira eleição democrática ocorreu apenas 17 anos atrás. Além disso, o fim do apartheid não trouxe benefícios econômicos para a maior parte da população negra. Diversas gerações cresceram aprendendo que os negros eram menos seres humanos do que os brancos e viveram segregadas durante décadas. Isso não se muda de uma hora para outra. Quem viveu sob o regime do apartheid sabe que, apesar de a Constituição sul-africana pregar que todos são iguais, as coisas ainda não são bem assim.

O combate ao racismo foi ineficaz?

O papel da Comissão de Reconciliação e Verdade, de certa maneira, foi mostrar o significado do apartheid para o povo sul-africano e quanto ele desumanizou as pessoas. O trabalho foi bom, uma tentativa bastante corajosa de lidar com a população e suas expectativas pós-conflito. Mas não ocorreu nenhum milagre. Foi um bom e importante primeiro passo. Acho que a comissão deveria ter funcionado por mais tempo, já que os efeitos do apartheid ainda estão muito fortes e presentes nas relações sociais ainda hoje. A maior parte dos negros continua nos mesmos distritos em que viviam durante o apartheid e a grande maioria das crianças negras continua em escolas segregadas. Com isso, as possibilidades futuras de disputarem vagas com os brancos no mercado de trabalho ou mesmo de abrirem negócios próprios ficam muito limitadas. Além disso, muitas das pessoas que comandaram atrocidades não foram responsabilizadas.

Analistas dizem que a “nação arco-íris”, termo defendido pelo seu pai, é um conto de fadas. A sra. concorda?

Não concordo plenamente. A nação arco-íris é um sonho que ainda não foi alcançado. É verdade que a miscigenação não é uma realidade. Mas percebo que há diversos lugares em que as pessoas estão tentando fazer da África do Sul um país de diversidade.

Principalmente por causa do apartheid econômico, o papel de Nelson Mandela tem sido questionado nos últimos tempos...

É verdade que o poder econômico permanece nas mãos dos homens brancos e que a democratização da economia não ocorreu. Esse foi um dos fracassos da transição política. Mas Nelson Mandela exerceu um papel incrível e a sua importância para a África do Sul não pode ser minimizada. Deveríamos, sim, ter dado mais importância para o apartheid econômico – e não apenas para o apartheid político e racial. Mas isso não significa que Mandela fez pouco. Ele nos moveu em direção à esperança. Quando ele foi eleito, muita gente achou que haveria conflito racial no País, e não houve. Por isso, a luta de Mandela pela reconciliação entre brancos e negros foi fundamental.

Recentemente, houve episódios de xenofobia quando imigrantes de ­países vizinhos foram mortos na África do Sul. A sensação de conflito é iminente?

Isso está ocorrendo em vários países, e não apenas na África do Sul. O que nos deixa numa posição mais frágil é sermos uma democracia recente. Mas nosso povo é bastante resiliente e corajoso. Não fomos destruídos pelo apartheid e não acredito que seremos destruídos agora. Culpar os estrangeiros pelas altas taxas de desemprego é um caminho mais fácil do que perguntar por que os nossos serviços não funcionam bem. Hoje, a África do Sul não tem um líder político forte o suficiente para dizer que isso não é aceitável no País.

Assim como em outros países, as mulheres sul-africanas ainda são tratadas como cidadãs de segunda classe?

A África do Sul continua sendo um país extremamente patriarcal. A ideia de que o homem tem o direito de fazer o que achar que é correto com sua esposa, suas filhas e com as outras mulheres da sociedade ainda é muito forte. Por isso, as taxas de violência doméstica e sexual são altíssimas. A Constituição sul-africana, em termos de acesso e direitos, é uma das melhores do mundo. Mas ela não é respeitada. Além de ser um problema de saúde pública, a pandemia de Aids também é uma questão de gênero porque as mulheres são infectadas por seus parceiros e têm desenvolvido a doença mais cedo do que os homens. O impacto social disso é enorme. Há muitas mulheres criando netos ou filhos de vizinhos porque os pais das crianças morreram em decorrência da Aids.

Como foi crescer na África do Sul, durante o apartheid, sendo negra e mulher?

Ser considerada uma cidadã incompleta e menos ser humano do que as outras pessoas é muito duro. Cresci vendo placas espalhadas por diversos lugares onde os negros não podiam entrar ou onde havia espaços reservados para os brancos. A exclusão é dolorosa. Eu tinha 6 anos e meio quando, junto com a minha irmã, fui estudar num país vizinho. Meus pais eram privilegiados porque tiveram a opção de nos mandar para fora e evitar que permanecêssemos num sistema educacional excludente e que privilegiava os brancos. Sei que tive sorte, mas naquela idade eu achava que não era um privilégio ficar tão longe dos meus pais e ter a oportunidade de vê-los apenas três vezes ao ano. Por ser mulher, o desafio era maior. E ainda é hoje em dia.

Inclusive na sua família?

Sim. O meu avô dava muito mais importância para o meu irmão do que para mim e para as outras netas. Isso pode parecer irrelevante hoje, mas quando eu era pequena não era. O que acontecia na minha casa era comum em toda a comunidade. Nas escolas, os meninos eram encorajados a agir com franqueza e ser comunicativos. Mas se as meninas tivessem as mesmas atitudes eram consideradas mal-educadas. Certas características que eram vistas como positivas nos meninos eram questionáveis nas meninas.

Ser filha de Desmond Tutu foi um desafio?

Durante a minha infância, meu pai não era famoso mundialmente. Cresci sendo a filha de um sacerdote e rodeada por pessoas que tinham uma série de expectativas sobre como eu deveria me comportar e que tipo de pessoa eu deveria ser. Elas cobravam, por exemplo, que eu me engajasse em grupos religiosos. Quando a minha família se mudou para a Inglaterra e entrei numa escola de lá, muitos alunos achavam que eu deveria me tornar líder de alguma organização cristã. Mas eu não tinha o menor interesse nisso. Ser filha de Desmond Tutu, por outro lado, também me trouxe uma série de oportunidades – como a de estudar fora da África do Sul e conhecer pessoas que pensavam e agiam de maneiras diferentes.

Quanto se perde quando uma pessoa é julgada pela cor da pele ou pelo sexo?

A perda não é apenas individual, é coletiva. Quem é oprimido perde porque suas oportunidades ficam limitadas. Mas a sociedade também perde porque desperdiça o verdadeiro potencial dessas pessoas. Cresci com pessoas inteligentíssimas na África do Sul que tiveram suas possibilidades cerceadas por causa do apartheid. Quem essas pessoas seriam hoje se tivessem tido as mesmas oportunidades que as crianças brancas? O que elas teriam dado de retorno para a África do Sul e para o mundo?

Como o preconceito e a discriminação são construídos socialmente?

Todo mundo cresce aprendendo que negros não são boas pessoas. Os estereótipos são reforçados diariamente pela mídia e nas conversas que temos em casa ou fora dela. Recentemente, um amigo do meu filho suspeitou que ele tivesse roubado um cartão de crédito só porque é negro. Onde esse amigo aprendeu que negros são assaltantes? Mensagens de que a maioria dos negros é criminosa e de que a maioria dos criminosos é negra estão todos os dias na mídia. Isso acaba gerando insegurança de ambos os lados.

Qual foi a sua experiência mais forte com relação ao racismo?

Costumo dizer que a mais forte é sempre a mais recente. E foi justamente esse episódio envolvendo o meu filho, de 13 anos. Ele chegou em casa arrasado. É doloroso perceber que não podemos proteger nossos filhos desse tipo de experiência. Conversei com a mãe do garoto porque conheço a família e sabia que ela não estava educando o menino daquela maneira. Ela colocou os dois frente a frente para fazer as pazes e o filho dela pediu desculpas para o meu filho e para mim. Por alguma razão, o ser humano tem a necessidade de se sentir melhor do que os outros e de projetar os seus demônios.

sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

Transição na UEPB - Do TAO ao Trabalho de Conclusão de Curso

Por Giuliana Rodrigues, da ASCOM/UEPB

Desde o segundo semestre de 2010, os alunos dos cursos de graduação da Universidade Estadual da Paraíba estão tendo a chance de apresentar seus trabalhos de fim de curso de maneira diversa das tradicionais monografias. A mudança foi aprovada pelo Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão (CONSEPE) através da Resolução 32/2009, que visualizou esta possibilidade diante das constantes transformações didático-pedagógicas e científicas - inerentes ao processo de ensino-aprendizagem da Instituição.

As monografias, chamadas anteriormente Trabalho Acadêmico Orientado (TAO), continuam como opção para os alunos mais identificados com as vocações acadêmicas, a exemplo dos que desejam fazer Mestrado e Doutorado. Outros, que pretendem enveredar por outras práticas, poderão aplicar o saber absorvido em sala de aula através de seus Trabalhos de Conclusão de Curso (TCC), nova denominação adotada pela UEPB.

Assim, a apresentação do TCC resulta de uma atividade acadêmica de natureza técnica e/ou filosófica e/ou científica e/ou artística, de livre escolha do aluno, desde que estejam interrelacionadas e articuladas com os conteúdos dos componentes curriculares estudados.

Experiência no DECOM 

Um exemplo desta inovação pode ser visto no Departamento de Comunicação Social (DECOM), cujos alunos podem apresentar, no lugar da monografia, algumas produções midiáticas, a exemplo de jornais impressos, radiofônicos, telejornais, portais, documentários, filmes, revistas, entre outras.

De acordo com o professor de Jornalismo, Luiz Custódio da Silva, este é o momento do estudante expor as técnicas, a concepção de linguagem e a sua visão de mundo, por meio de  algo que transite na esfera  da Comunicação. “A resolução aprovada ficou muito rica em possibilidades porque contempla também os relatórios de Pesquisa e de Extensão. Do ponto de vista pedagógico, entendo que houve um grande avanço do DECOM e da UEPB”, disse.

Para o professor Custódio, uma das maiores vantagens do TCC é que muitos alunos faziam as monografias sem encontrar afinidade naquilo que desenvolviam e agora existe outra opção. “Representa também um estímulo para que todos possam concluir a graduação a partir de suas habilidades e vocações”, enfatizou.


quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

Compositor campinense Toninho Borbo apresentará novo espetáculo


Por Severino Lopes, do Diário da Borborema


Com três CDs gravados e uma carreira em ascensão, o cantor e compositor campinense Toninho Borbo está preparando um novo show. Toninho Borbo apresentará o espetáculo no dia 28 deste mês no Ponto Cem Réis, em João Pessoa, dividindo o palco com o cantor Zeca Baleiro. A apresentação acontece dentro do projeto Estação Nordeste 2011.


No show, Toninho vai misturar músicas do 3º disco de sua carreira "Para Fins de Mercado" e do futuro álbum "Esperimental Samba Groove", que será gravado este ano. O novo CD é um dos projetos de Toninho Borbo para 2011. Ele espera entrar em estúdio ainda neste primeiro semestre para gravar o 4º trabalho de sua carreira.
 
 
Borbo ainda cantará em fevereiro, em João Pessoa, até seguir para terras mais distantes. No dia 28 de março exibirá o mesmo espetáculo em São Paulo. Toninho Borbo iniciou sua carreira cantando nos bares de Campina Grande e participando de festivais.
 

terça-feira, 11 de janeiro de 2011

I Encontro de Jovens Escritores da Paraíba ocorrerá neste sábado (15)


Neste sábado (15), a partir das 15h,  será realizado o I  Encontro de Jovens Escritores da Paraíba. O evento ocorrerá no Bar do Elvis, localizado no bairro do Castelo Branco, em João Pessoa.

O Encontro, que será inicialmente informal, tem como propósito criar uma maior sociabilidade intelectual entre os jovens que se dedicam ao ofício da escrita na Paraíba,  possibilitando assim a troca de informações, bem como de livros entre os futuros membros e frequentadores. A ideia é que futuramente a atividade  permita uma série de projetos coletivos, tais como antologias, círculos de debates e eventos.

Mais informações podem ser obtidas contatando Jairo César e Bruno Gaudêncio, por meio dos telefones (083) 8895- 2705 e 8844-9131, respectivamente.

segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

Leia o conto Angústia, de Anton Tchekhov

Tradução: Boris Schnaidermann
Ilustração: Van Gogh - Velho homem triste (No limiar da eternidade), 1890
                                                                      A quem confiar minha tristeza? (1)

Crepúsculo vespertino. Uma neve úmida, em grandes flocos, remoinha preguiçosa junto aos lampiões recém-acesos, cobrindo com uma camada fina e macia os telhados das casas, os dorsos dos cavalos, os ombros das pessoas, os chapéus. O cocheiro Iona Potapov está completamente branco, como um fantasma. Encolhido o mais que pode se encolher um corpo vivo, está sentado na boléia, sem se mover.
 Tem-se a impressão de que, mesmo que caísse sobre ele um montão de neve, não consideraria necessário sacudi-la... Seu rocim está igualmente branco e imóvel. Graças a sua imobilidade, à angulosidade das formas e à perpendicularidade de estaca de suas patas, parece mesmo, de perto, um cavalinho de pão-de-ló de um copeque. Seguramente, ele está imerso em meditação.

Não pode deixar de meditar quem foi arrancado do arado, da paisagem cinzenta e familiar, e atirado nessa voragem, repleta de luzes monstruosas, de um barulho incessante e de gente correndo...

Faz muito tempo que Iona e seu rocim não se mexem do lugar. Saíram de casa ainda antes do jantar, e, até agora, não apareceu trabalho. Mas, eis que a treva noturna desce sobre a cidade. A palidez das luzes dos lampiões cede lugar a cores vivas e a confusão das ruas torna-se mais barulhenta.

- Cocheiro, para a Víborgskaia! - ouve Iona. - Cocheiro!

Estremece e vê, através das pestanas cobertas de neve, um militar de capote com capuz.

- Para a Viborgskaia! - repete o militar. - Está dormindo? Para a Víborgskaia!

Em sinal de consentimento, Iona puxa as rédeas, e a neve cai em camadas de seus ombros e do dorso do cavalo...

O militar senta-se no trenó. O cocheiro faz ruído com os lábios, estende o pescoço à feição de cisne, ergue-se um pouco e agita o chicote, mais por hábito que por necessidade. O cavalinho estica também o pescoço, entorta as pernas, que parecem estacas, e desloca-se com indecisão...

- Onde vai, demônio?! - ouve, logo depois, Iona exclamações partidas da massa escura de gente, que se desloca em ambos os sentidos. - Para onde te empurram os diabos? Mantenha-se à direita!

- Não sabe dirigir! Olha a direita - zanga-se o militar.

O cocheiro de uma carruagem solta impropérios; um transeunte, que atravessou a rua correndo e chocou-se com o ombro contra a cara do rocim, lança um olhar rancoroso e sacode a neve da manga. Na boléia, Iona parece sentado sobre alfinetes e aponta com os cotovelos para os lados; seus olhos tontos perpassam pelas coisas, como se não compreendesse onde se encontra e o que está fazendo ali.

- Que gente canalha! - graceja o militar. - Eles se esforçam em chocar-se contra você ou cair embaixo do cavalo.

Combinaram isso.

Iona volta-se para o passageiro e move os lábios...

Sem dúvida, quer dizer algo, mas apenas uns sons vagos lhe saem da garganta.

- O quê? - pergunta o militar.

Iona torce a boca num sorriso, faz um esforço com a garganta e cicia:

- Pois é, meu senhor, assim é... perdi um filho esta semana.

- Hum!... De que foi que morreu?

Iona volta todo o corpo na direção do passageiro e diz:

- Quem é que pode saber! Acho que foi de febre... Passou três dias no hospital e morreu... Deus quis.

- Dá a volta, diabo! - ressoa nas trevas uma voz. - Não está mais enxergando, cachorro velho? É com os olhos que tem que olhar!

- Anda, anda... - diz o passageiro. - Assim, não chegamos nem amanhã. Mais depressa!

O cocheiro estica novamente o pescoço, ergue-se um pouco e agita o chicote, com uma graciosidade pesada. Depois, torna a olhar algumas vezes para o passageiro, mas este fechou os olhos e parece pouco disposto a ouvir. Depois de deixá-lo na Víborgskaia, pára diante de uma taverna, encurva-se sobre a boléia e fica novamente imóvel... A neve molhada torna a pintá-lo de branco, juntamente com o rocim. Decorre uma hora... outra...

Três jovens passam pela calçada, fazendo muito barulho com as galochas e trocando impropérios: dois deles são altos e magros, o terceiro é pequeno e corcunda.

- Cocheiro, para a Ponte Politzéiski! - grita o corcunda, com voz surda. - Damos vinte copeques... os três!

Iona sacode as rédeas e faz ruído com os lábios. Vinte copeques são um preço inadequado, mas, agora, pouco lhe importa o preço... Tanto faz seja um rublo ou cinco copeques, contanto que haja passageiros... Empurrando-se e soltando palavrões, os jovens acercam-se do trenó e sobem para os assentos, os três ao mesmo tempo. Começam a discutir a questão: dois deles irão sentados, e quem vai ficar de pé?

Depois de uma longa troca de insultos, manhas e recriminações, chegam à conclusão de que o corcunda é quem deve ficar de pé, por ser o menor.

- Bem, faz o cavalo andar! - grita com voz trêmula o corcunda, ajeitando-se de pé e soprando no pescoço de Iona. - Dá nele! Que chapéu você tem, irmão! Não se encontra um pior em toda Petersburgo...

- Hi-i... hi-i... - ri Iona. - Assim é...

- Ora, você assim é, bate no cavalo! Vai andar desse jeito o tempo todo? Sim? E se eu te torcer o pescoço?

- Estou com a cabeça estalando... - diz um dos moços compridos. - Ontem, em casa dos Dukmassov, eu e Vaska(2) tornamos quatro garrafas de conhaque.

Não compreendo para que mentir! - irrita-se o outro moço comprido. - Mente como um animal.

- Que Deus me castigue, é verdade...

- Tão verdade como um piolho tossindo.

- Hi-i! - ri Iona entre dentes. - Que senhores alegres!

- Irra, com todos os diabos!... - indigna-se o corcunda. - Você vai andar ou não, velha peste? É assim que se anda? Estala o chicote no cavalo! Eh, diabo! Eh! Dá nele!

Iona sente, atrás de si, o corpo agitado e a voz trêmula do corcunda. Ouve os insultos que lhe são dirigidos, vê gente, e o sentimento de solidão começa, pouco a pouco, a deixar-lhe o peito. O corcunda continua os impropérios e, por fim, engasga com um insulto rebuscado, descomunal, e desanda a tossir. Os moços compridos começam a falar de uma certa Nadiejda Pietrovna. Iona volta a cabeça para olhá-los. Aproveitando uma pausa curta, olha mais uma vez e balbucia:

- Esta semana... assim, perdi meu filho!

- Todos vamos morrer. - suspira o corcunda, enxugando os lábios, após o acesso de tosse. - Bem, bate nele, bate nele! Minha gente, decididamente, não posso continuar andando assim! Esta corrida não acaba mais?

- Você deve animá-lo um pouco... umas pancadas no pescoço!

- Está ouvindo, velha peste? Vou te moer o pescoço de pancada! Não se pode fazer cerimônia com gente como você, senão é melhor andar a pé! Está ouvindo, Zmiéi Gorínitch(3)? Ou você não se importa com o que a gente diz?

E Iona ouve, mais que sente, os sons de uma pancada no pescoço.

- Hi-i... - ri ele. - Senhores alegres... que Deus lhes dê saúde!

- Cocheiro, você é casado? - pergunta um dos compridos.

Eu? Hi-i... que senhores alegres! Agora, só tenho uma mulher, a terra fria... Hi-ho-ho... O túmulo, quer dizer!... Meu filho morreu, e eu continuo vivo... Coisa esquisita, a morte errou de porta... Em vez de vir me buscar, foi procurar o filho...

E Iona volta-se, para contar como lhe morreu o filho, mas, nesse momento, o corcunda solta um suspiro de alívio e declara que, graças a Deus, chegaram ao destino. Tendo recebido vinte copeques, Iona fica por muito tempo olhando os pândegos, que vão desaparecendo no escuro saguão. Está novamente só e, de novo, o silêncio desce sobre ele... A angústia que amainara por algum tempo torna a aparecer, inflando-lhe o peito com redobrada força. Os olhos de Iona correm, inquietos e sofredores, pela multidão que se agita de ambos os lados da rua: não haverá, entre esses milhares de pessoas, uma ao menos que possa ouvi-lo? Mas a multidão corre, sem reparar nele, nem na sua angústia... Uma angústia imensa, que não conhece fronteiras. Dá a impressão de que, se o peito de Iona estourasse e dele fluísse para fora aquela angústia, daria para inundar o mundo e, no entanto, não se pode vê-la. Conseguiu caber numa casca tão insignificante, que não se pode percebê-la mesmo de dia, com muita luz...

Iona vê o zelador de uma casa, carregando um embrulho, e resolve travar conversa.

- Que horas são, meu caro? - pergunta.

- Mais de nove... Por que você parou aqui? Passa!

Iona afasta-se alguns passos, torce o corpo e entrega-se à angústia... Considera já inútìl dirigir-se às pessoas. Mas, decorridos menos de cinco minutos, endireita-se, sacode a cabeça, como se houvesse sentido uma dor aguda e puxa as rédeas... Não pode mais.

"Para casa", pensa, "para casa".

E o cavalinho, como se tivesse compreendido seu pensamento, começa a trotar ligeiramente. Uma hora e meia depois, Iona está sentado junto ao fogão grande e sujo. Há gente roncando em cima do fogão, no chão e sobre os bancos. O ar é abafado, sufocante... Iona olha para os que dormem, coça a cabeça e lamenta haver voltado tão cedo para casa...

"Não ganhei nem para a aveia", pensa. "Daí essa angústia. Uma pessoa que conhece o ofício... que está bem alimentada e tem o cavalo bem nutrido também, está sempre calma..."

Num dos cantos, levanta-se um jovem cocheiro, funga, sonolento, e arrasta-se para o balde d'água.

- Ficou com sede? - pergunta Iona.

- Com sede, sim!

- Bem... Que lhe faça proveito... Pois é, irmão, e eu perdi um filho... Está ouvindo? Foi esta semana, no hospital... Que coisa!

Iona procura ver o efeito que causaram suas palavras, mas não vê nada. O jovem se cobriu até a cabeça e já está dormindo. O velho suspira e se coça... Assim como o jovem quis beber, assim ele quer falar. Vai fazer uma semana que lhe morreu o filho e ele ainda não conversou direito com alguém sobre aquilo... É preciso falar com método, lentamente...

É preciso contar como o filho adoeceu, como padeceu, o que disse antes de morrer e como morreu... É preciso descrever o enterro e a ida ao hospital, para buscar a roupa do defunto. Na aldeia, ficou a filha Aníssia... É preciso falar sobre ela também... De quantas coisas mais poderia falar agora? O ouvinte deve soltar exclamações, suspirar, lamentar... E é ainda melhor falar com mulheres. São umas bobas, mas desandam a chorar depois de duas palavras.

"É bom ir ver o cavalo", pensa Iona. "Sempre há tempo para dormir..."

Veste-se e vai para a cocheira, onde está seu cavalo. Iona pensa sobre a aveia, o feno, o tempo... Estando sozinho, não pode pensar no filho... Pode-se falar sobre ele com alguém, mas pensar nele sozinho, desenhar mentalmente sua imagem, dá um medo insuportável...

Está mastigando? - pergunta Iona ao cavalo, vendo seus olhos brilhantes. - Ora, mastiga, mastiga... Se não ganhamos para a aveia, vamos comer feno... Sim... Já estou velho para trabalhar de cocheiro... O filho é que devia trabalhar, não eu... Era um cocheiro de verdade... Só faltou viver mais...

Iona permanece algum tempo em silêncio e prossegue:

- Assim é, irmão, minha egüinha... Não existe mais Kuzmá Iônitch... Foi-se para o outro mundo... Morreu assim, por nada... Agora, vamos dizer, você tem um potrinho, que é teu filho... E, de repente, vamos dizer, esse mesmo potrinho vai para o outro mundo... Dá pena, não é verdade?

O cavalinho vai mastigando, escuta e sopra na mão de seu amo... Iona anima-se e conta-lhe tudo...

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(1). Versículo de um canto da Igreja Russa.

(2). Diminutivo de Vassíli.

(3). Nas lendas russas, um dragão que repreeenta o mal. No entanto, o nome Gorínitch dá também idéia de tristeza, aflição.

(Conto escrito em 1886)

sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

Amor platônico?


Da Revista Cult
Por Marcelo P. Marques - Professor de Filosofia

O “amor platônico” é um dos estereótipos mais conhecidos da tradição ocidental. Se olharmos de perto os textos de Platão, ficaremos surpresos com o quanto suas ideias são distorcidas. É comum dizer que o “amor platônico” refere-se a uma relação na qual aquele que ama idealiza o outro: a pessoa amada é ideal e, portanto, inatingível. Tamanha é a distância entre o sujeito e o objeto de seu “amor”, que o outro nem fica sabendo que é amado. O texto mais conhecido de Platão sobre o amor é o diálogo O Banquete, no qual se narra o encontro de cidadãos atenienses dispostos a elogiar o deus Eros.

O amor é e não é um deus
Para os gregos antigos, o amor é um deus e tem nome próprio, Eros. Segundo Hesíodo, por exemplo, ele é um dos deuses mais antigos e atua no universo agregando os elementos e os seres.

Em O Banquete, de Platão, o personagem Fedro começa elogiando Eros como fonte dos maiores bens, inspirador dos amantes e instigador do arrebatamento nos heróis. O segundo a falar é Pausânias, para quem, na verdade, existem dois deuses: Eros urânio (celeste) e Eros pandêmio (popular), um associado à força educadora da excelência humana (virtude), outro ligado à satisfação dos apetites, de maneira irrefletida. Para o médico Erixímaco, Eros organiza os movimentos dos astros, ordena as estações e atua nos corpos de todos os seres, provocando cópulas e associações variadas. É assim que as ações do agricultor e do médico devem levar em conta a força erótica divina, seja para ter boas colheitas, seja para promover a saúde. 
Também o músico deve contar com o favor do deus para criar acordes, ou, sem ele, provocar dissonâncias. Agathon, o poeta trágico, propõe, por sua vez, um só Eros, do qual pinta uma imagem positiva exacerbada: ele é o mais belo, o mais jovem, o mais feliz, o mais hábil, o mais corajoso, o mais temperante; ao agir, só favorece coisas boas, como a paz e a familiaridade entre os seres.

Mas, por outro lado, o amor não é um deus. Na verdade, ele é uma dimensão interna ou estrutural dos seres humanos, força que determina as modalidades de atração, seja no sentido da procriação, seja no sentido da satisfação dos apetites, propiciando um apaziguamento que ameniza a vida e permite que todos se ocupem de seus afazeres. Segundo Aristófanes, o poder de Eros surge do fato de os humanos terem sido cortados ao meio, o que faz com que passem a vida buscando suas metades perdidas. Seja pela reprodução, seja pela satisfação proporcionada pelo sexo, é eroticamente que os indivíduos tentam restaurar sua antiga natureza.

Quando chega a vez de Sócrates falar, ele recorre à fala da sacerdotisa Diotima, para quem Eros não pode ser um deus, afinal, quem ama deseja algo que não tem; logo, o amor é uma carência. Se ele é desejo de coisas belas e boas, não pode ser belo nem bom, pois, como potência interna ao humano, não tem ou não é aquilo que busca. Os pais de Eros seriam Penia (pobreza) e Poros (recurso); mas, em vez de deuses, eles acabam se transformando em causas imanentes que fazem parte de uma nova concepção do amor: não sendo nem bom nem mau, nem belo nem feio, nem sábio nem ignorante, ele é um ser intermediário, uma potência que se situa entre o divino e o humano.

O amor é e não é um sentimento
Segundo alguns, o amor é um sentimento, ou melhor, um modo como os seres humanos são afetados perante objetos ou seres que os atraem e os marcam. Para Fedro, o amor é uma espécie de sentimento de solidariedade civil, que move os indivíduos a se associar e a construir pactos; um sentimento de amizade, reciprocidade, levando ao cuidado com o bem do outro, nobre e elevado. Em seu grau máximo, ele é o que leva o amigo guerreiro a morrer pelo seu companheiro de armas, ou ainda a fazer com que a esposa se sacrifique pelo marido.

Quando Pausânias propõe dois tipos de Eros, separa o ato de amar da maneira como realizamos esse ato. Se o ato de amar é, em si mesmo, indiferente, o sentimento que marca o modo como amamos faz a diferença; o amor instintivo e irrefletido é vil, porque não traduz uma consciência do outro. Mas o amor elevado é o sentimento que nos leva a desejar e promover o bem e o crescimento do amado.

Já na perspectiva de Aristófanes, o amor não é mero sentimento, mas algo permanente, como um modo de ser da espécie humana, na medida em que está presente no fato de sermos estruturalmente incompletos. A busca de completude determina-nos, fazendo-nos estar sempre voltados para o outro. A essa estrutura carente combinam-se graus maiores ou menores de consciência, que, por sua vez, determinam nosso modo de ser e agir.

Entre o sentimento e a estrutura, passam a entrar em jogo ainda as dimensões da significação e do conhecimento, pela dimensão da consciência da falta, que está relacionada com a consciência do outro: depois de cortar os seres humanos ao meio, Zeus gira o rosto para o lado do corte. O que eu entendo que sou, aquilo que eu significo para mim mesmo é correlato ao que eu entendo que o outro é, ou o que o outro significa para mim.

A consciência do corte está ligada ao sentimento, mas é mais do que uma experiência transitória: o indivíduo cortado tem a oportunidade de aprender que o outro não vai restaurar sua unidade originária; ele pode, assim, pela vida compartilhada e a satisfação que a convivência proporciona, amar e trabalhar de modo construtivo, menos desesperado, talvez. Sócrates critica, por um lado, a ideia de que o amor seja apenas a busca de uma suposta cara-metade; por outro lado, reforça a perspectiva que leva em conta a consciência da carência: quem sequer imagina que é deficiente naquilo que não acredita ser-lhe necessário não é capaz de desejar verdadeiramente.

Segundo Diotima, se o amor é busca, ele é um movimento que parte da falta e vai na direção de uma possibilidade de plenitude. Mas, se ele se tornar posse, deixa de ser o que é, pois perderá a qualidade de ser intermediário. Como processo, o amor parte de uma determinação ou qualidade e vai na direção do seu oposto; o feio busca o belo, o sem recurso busca o recurso, o que é ruim tende a buscar o que é bom, o ignorante deve tomar consciência de sua falta de conhecimento. O amor é decisivamente “um ser entre”.

Essa ideia do amor como processo permite associar intimamente amor e conhecimento: o amor fica entre a ignorância e o saber pleno, e a reflexão sobre o amor pode ser lida como uma definição da própria filosofia. Pois, quando o ser carente encontra o que busca, na beleza ou na excelência do outro, torna-se grávido e tem necessidade de gerar. Amar, então, é gerar na beleza, ou seja, produzir algo perante o que é belo. Para falarmos em geração, temos de supor alguma plenitude, alguma suficiência que, finalmente, transborda, vai além da mera falta e produz algo novo.

A geração deve ser pensada tanto no plano natural como no cultural. Os seres vivos estão em permanente transformação, tornando-se constantemente outros, perdendo o que têm e fabricando-se novamente. No plano biológico, a geração de outro ser é preservação da espécie; na dimensão cultural, a geração dá-se no plano da significação e do conhecimento. Um ato justo, uma atitude significativa, a produção de bens culturais são modos de constituir eroticamente a rede de valores e significações que o mundo humano é. Seja como preservação da espécie, seja como fabricação da cultura, amar significa buscar recursos para lidarmos com nossa mortalidade. Como indivíduos, nascemos carentes e morremos sozinhos, mas, como membros de uma espécie e parte integrante da comunidade humana, reunimo-nos aos nossos iguais e sobrevivemos, ou seja, permanecemos como sentido humano maior.

O amor é loucura e filosofia
No mito dos seres andróginos, contado por Aristófanes, quando dois seres cortados encontram suas metades, perdem a noção das coisas, ou seja, ficam agarrados, numa busca enlouquecida de saciedade. Por isso, param de cuidar de suas vidas, não se alimentam e acabam por morrer de amor, uma metade acoplada à outra.

A ideia de que o amor seja um tipo de loucura aparece também em outro diálogo platônico, chamado Fedro, no qual Sócrates discute os benefícios e os prejuízos de uma relação amorosa. Haveria tipos diferentes de delírios divinos, dependendo do deus responsável pela possessão: ser possuído pela Musa leva-nos a fazer poesia; ser possuído por Apolo permite-nos prever o futuro; ser possuído por Dioniso torna-nos iniciados em certos mistérios; ser possuído por Eros torna-nos filósofos. Mas, se filosofia é amor pelo conhecimento, não pode ser um desvario irracional. Deuses e ignorantes não filosofam, porque se creem sábios. A maioria dos humanos ignora sua própria ignorância, por isso age irrefletidamente. Quem toma consciência da ignorância estrutural da humanidade são os que filosofam, buscando nas coisas toda a racionalidade de que são capazes. No horizonte dessa busca, o filósofo postula um máximo de inteligibilidade, chamado de “ideia”, “forma” ou “essência” inteligível.

Por ideal, em Platão, não devemos entender algo idealizado, mas um modo de ser radical, cujas determinações sejam puramente inteligíveis. Esse máximo de ideação é mais uma aposta e uma exigência do que uma constatação; aquele que filosofa parte da precariedade e da finitude das coisas e dos homens. Para compreendê-los e educá-los (pensá-los no seu melhor), é levado a postular algo que não conhece, mas entende dever existir, apesar de invisível. A essência, então, é alguma coisa à qual temos acesso por meio da inteligência. À medida que é pensada e desenvolvida reflexivamente (diálogo), passa a ser posta como referência; algo divino, porque para além da mortalidade humana; objeto que atrai e orienta o amor e a linguagem humana.

Assim, o objeto dito “ideal” não é um objeto perfeito imaginado nem mera projeção gerada pela carência. O objeto inteligível é proposto como algo a ser pensado, conhecido e amado. Se o amor é filósofo, ele é construção racional e progressiva desse objeto. Não é a idealização ingênua da figura do ser amado, mas é abertura para o outro e, progressivamente, para uma alteridade inteligível; ele implica a relação entre corpos e almas, sempre em movimento, rumo a algum tipo de imortalidade.
O movimento do amor não pode parar: além dos belos corpos, das belas ocupações, do bem comum, dos valores políticos, da convivência na cidade (pólis), ele é exigência máxima de racionalidade, buscando a causa de tudo o que é bom e de toda beleza.

Busca de consciência e conhecimento máximos, o amor filosófico é exigência de beleza pura, mas sabe-se finito e limitado, mesmo que desejando sempre mais.