Por Severino Lopes (jornalista)
Entre as aulas de curso de Química que assiste no Centro de Ciências e Tecnologia (CCT) da Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), o estudante Geraldo Pereira de Oliveira vai construindo a sua história. Quando não está na sala de aula ou em casa, estudando fórmulas e assuntos relacionados a átomos, moléculas e reações químicas, Geraldo é facilmente encontrado em sua oficina improvisada na cidade de Salgado de São Félix, onde trabalha cercado de peças antigas e algumas raridades. O aluno do último ano de Química da UEPB é o único da Paraíba e um dos poucos do Nordeste a desenvolver o raro ofício de afinar pianos.
Sentado em um velho tamborete de madeira, bem no fundo da oficina, no Brejo paraibano, ele coloca as mãos sobre o piano e com sensibilidade poética procura ouvir o som que ele produz, distinguindo uma nota da outra. Alguns instrumentos são raros, como o piano pertencente ao Teatro Municipal Severino Cabral que, inclusive, já foi devolvido à casa de espetáculo. Quem chega na oficina e vê o rapaz em atividade pode pensar que ele está ensaiando para um daqueles concertos magistrais que fazem os fãs da música clássica viajarem no tempo. Só que ao invés de partituras com o conjunto de notas musicais, o que se vê são ferramentas espalhadas no chão.
Mesmo passando a maior parte do dia cercado por pianos, alguns verdadeiras relíquias de valor inestimável, Geraldo não se considera pianista. Afinal, nunca participou de nenhum concerto. Ele é um dos raros afinadores e restauradores de piano da Paraíba no momento. A arte de afinar piano é um dos seus maiores prazeres. Como todo nordestino que mora em uma das mais secas regiões do Estado, Geraldo batalha duro para tirar o sustento. O mestre dos pianos divide seu tempo como pai de família, estudante de Química da UEPB, professor de Matemática, além de prestar serviço a Coordenação de Cultura do seu município.
Mas que relação pode existir entre o curso de Química e a arte de afinar e recuperar pianos? Geraldo garante que a ponte que une uma atividade e outra é mais curta do que se imagina. Segundo ele, a UEPB foi fundamental para o aperfeiçoamento da técnica, fazendo dele um solicitado afinador de pianos. Nos bancos da Instituição, aprendeu as técnicas para usar na pintura e restauração das raridades. “Eu uso produtos químicos no trabalhado de restauração e, por isso, preciso saber a fórmula e a dose certa para cada instrumento”, explicou.
Geraldo contou que começou a se interessar por essa atividade aos 18 anos, na cidade de Recife (PE), onde nasceu. Reprovado em teste no Conservatório de Música de Pernambuco, ganhou uma oportunidade para aprender a manusear piano no Sertão paraibano. Em 1991, já morando em Salgado de São Félix, foi chamado para ajudar o amigo Jonas Chateaubriand a afinar um piano. Jonas tinha uma oficina no fundo de casa, mas não sabia afinar o instrumento. Quando estava tentando, com as mãos sobre a peça, Geraldo foi surpreendido por um afinador de piano que estava de passagem pelo município e logo descobriu o valor do jovem.
No mesmo ano, Geraldo foi convidado para fazer um curso na fábrica F.Essenfelder na cidade de Curitiba (PR). Lá, ele aperfeiçoou a arte de afinar e restaurar piano. Quando voltou para Salgado de São Félix já estava experiente na arte de consertar piano. Os conhecimentos que herdou do professor e mestre Benine foram suficientes para ele ajudar a salvar estes preciosos instrumentos musicais ainda preferidos pelos amantes de uma boa música. Há cinco anos, Geraldo montou a sua própria oficina.
Atividade é bastante procurada
Quem pensa que recuperar e afinar piano é uma atividade pouco procurada, se engana. Segundo Geraldo Pereira, ele trabalha, em alguns momentos, sem descanso no final de semana para poder atender a demanda de pedidos. Afora ele, mais três pessoas auxiliam no trabalho. “São jovens que ajudamos a aprender essa atividade para nos substituir no futuro”, comentou. Por ano, ele conserta uma média de 15 pianos e faz a manutenção de pelo menos 80 peças.
Por ser um profissional raro, o pernambucano que adotou a Paraíba para morar, percorre o Nordeste todo afinando e restaurando pianos. Ele tem clientes na Paraíba, em Pernambuco e no Rio Grande do Norte. Instrumentos raros, verdadeiras relíquias de igrejas, universidades e museus chegam nas mãos habilidosas do artesão. Muitos pianos chegam em estado de conservação deplorável e saem da oficina novinhos. A restauração completa de um piano requer tempo, dedicação e paciência. Ele passa, em média, três meses para recuperar um piano. A manutenção é mais rápida. Em apenas um dia o piano fica no ponto para tocar em qualquer concerto.