Por Eliezer Aguiar (Jornalista)
Primeiro de novembro é uma data marcante no
calendário cristão. Neste dia é celebrado o Dia de Todos os Santos. As
celebrações tiveram início por volta do ano 600 D.C. Muitos anos depois, mais
precisamente em novembro de 1922, o dia passou a ser referência na literatura
quando do falecimento de Afonso Henriques de Lima Barreto, nascido em 1881.
Negro, neto de escravos, ele era filho de
João Henriques de Lima Barreto (negro nascido escravo) e de Amália Augusta
(filha de escrava agregada da família Pereira Carvalho). Ironicamente, recebeu
nome de rei, mas sempre foi consciente dos preconceitos sofridos. Mais
conhecido como Lima Barreto, foi jornalista e um dos mais importantes
escritores libertários brasileiros.
Os pontos altos
de suas obras partem de sua autoafirmação enquanto negro, visto sempre dizer: nasci
pobre, neto de escravos e mulatos. Desenvolveu uma literatura militante de tal
forma que eram corriqueiras nos seus escritos as denúncias contra os problemas sociais.
Criado e vivido em uma época conturbada, o autor assistiu, emocionado, a
abolição da escravidão aos sete anos de idade, em 1888. Também foi testemunha
das festas promovidas pelo advento e acompanhou a demissão do pai da Tipografia
Nacional, pelo novo governo republicano.
Defendia a função transformadora da
literatura, exercendo a literatura de inclusão. Inclusão essa diferente da
atual, uma vez que à época a ascensão social era algo raro. Para exemplificar
podemos citar a presença do negro em suas obras e também do uso de uma fluência
verbal criticada pelas elites da época. A exclusão das baixas camadas sociais
acontecia de tal forma que os autores de então ignoravam completamente suas
existências.
De acordo com o professor da UEPB, Jomar
Ricardo, desenvolvedor de tese de doutorado tomando como base a obra de Lima
Barreto, o autor sempre fazia uso de sua forte consciência étnica e,
frequentemente, denunciava a visão da mulher negra apenas como objeto sexual da
elite branca. Jomar acrescenta que Barreto foi um escritor vanguardista e de
visão futurística.
À sua época, criticou o incipiente
movimento feminista. Ele acusava as mulheres da classe média de não defender
uma causa em busca de justiça e igualdade social, mas sim de ampliar benefícios
como o acesso a cargos públicos restritos apenas aos homens de então. Funcionário
público concursado, Lima Barreto militou na imprensa de forma independente para
complementar sua renda. Em seus escritos defendeu a reforma agrária, no livro
Triste Fim de Policarpo Quaresma, e o aborto. Apesar de ter falecido no início
do século 20, tinha ideias que geram polêmicas até nos dias de hoje, 90 anos
depois de sua morte.
Após nove décadas de seu falecimento, Lima
Barreto ainda não obteve seu devido reconhecimento. De acordo com o professor
Jomar Ricardo, o fato do autor ainda não constar na lista dos escritores
canônicos da literatura brasileira é algo positivo, visto que o elitizaria e
descaracterizaria o discurso em prol das camadas inferiores. O entendimento da
necessidade de se estabelecer cotas raciais tem seus fundamentos na literatura
de Lima Barreto, quando propunha a mesma como ferramenta de promoção de
mudanças, tendo em vista ser inspirado em escritores russos que tinham mais
compromissos éticos sociais que estéticos, fator que tem contribuído para que o
neto de escravos e filho de mulatos tenha se tornado personagem importante nas
pesquisas de historiadores brasileiros.