quinta-feira, 22 de novembro de 2012

Dom José Maria Pires e os quilombolas



Imagine um bispo da igreja católica dançando ciranda com um grupo de cirandeiras remanescentes de um dos quilombos da Paraíba. A apresentação, realizada de forma surpreendente pelo arcebispo Emérito da Paraíba Dom José Maria Pires e um grupo de Ciranda do Quilombo Caiana dos Crioulos, aconteceu no último dia 20 de novembro, no Museu Assis Chateaubriand (MAC) da Universidade Estadual da Paraíba (MAC), onde está sendo realizada a exposição “Quilombos da Paraíba – a realidade de hoje e os desafios para o futuro”, com fotografias do fotógrafo italiano Alberto Banal e dos 52 alunos quilombolas do projeto “Fotógrafos de Rua”.

O momento fez parte das comemorações alusivas ao Dia da Consciência Negra e foi incentivado pela Associação de Apoio às Comunidades Afrodescendentes – AACADE, a Coordenação Estadual das Comunidades Quilombolas – CECNEQ, bem como pelo Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros e Indígenas (NEAB-Í).

Cirandeiras do Grilo e da Caiana dos Crioulos, além de outros membros das comunidades Matão, Grilo, Pedra d’Água, Senhor do Bonfim, Negros das Barreiras e Os Rufinos, fizeram uma apresentação cultural e, para surpresa de todos, Dom José Maria Pires, arcebispo emérito da Paraíba, se envolveu com o ritmo dos quilombolas e não se conteve em ser apenas um espectador de tão bela manifestação afro-brasileira.

quinta-feira, 1 de novembro de 2012

90 anos sem Lima Barreto


Por Eliezer Aguiar (Jornalista)


Primeiro de novembro é uma data marcante no calendário cristão. Neste dia é celebrado o Dia de Todos os Santos. As celebrações tiveram início por volta do ano 600 D.C. Muitos anos depois, mais precisamente em novembro de 1922, o dia passou a ser referência na literatura quando do falecimento de Afonso Henriques de Lima Barreto, nascido em 1881.

Negro, neto de escravos, ele era filho de João Henriques de Lima Barreto (negro nascido escravo) e de Amália Augusta (filha de escrava agregada da família Pereira Carvalho). Ironicamente, recebeu nome de rei, mas sempre foi consciente dos preconceitos sofridos. Mais conhecido como Lima Barreto, foi jornalista e um dos mais importantes escritores libertários brasileiros.

Os pontos altos de suas obras partem de sua autoafirmação enquanto negro, visto sempre dizer: nasci pobre, neto de escravos e mulatos. Desenvolveu uma literatura militante de tal forma que eram corriqueiras nos seus escritos as denúncias contra os problemas sociais. Criado e vivido em uma época conturbada, o autor assistiu, emocionado, a abolição da escravidão aos sete anos de idade, em 1888. Também foi testemunha das festas promovidas pelo advento e acompanhou a demissão do pai da Tipografia Nacional, pelo novo governo republicano.

Defendia a função transformadora da literatura, exercendo a literatura de inclusão. Inclusão essa diferente da atual, uma vez que à época a ascensão social era algo raro. Para exemplificar podemos citar a presença do negro em suas obras e também do uso de uma fluência verbal criticada pelas elites da época. A exclusão das baixas camadas sociais acontecia de tal forma que os autores de então ignoravam completamente suas existências.

De acordo com o professor da UEPB, Jomar Ricardo, desenvolvedor de tese de doutorado tomando como base a obra de Lima Barreto, o autor sempre fazia uso de sua forte consciência étnica e, frequentemente, denunciava a visão da mulher negra apenas como objeto sexual da elite branca. Jomar acrescenta que Barreto foi um escritor vanguardista e de visão futurística.

À sua época, criticou o incipiente movimento feminista. Ele acusava as mulheres da classe média de não defender uma causa em busca de justiça e igualdade social, mas sim de ampliar benefícios como o acesso a cargos públicos restritos apenas aos homens de então. Funcionário público concursado, Lima Barreto militou na imprensa de forma independente para complementar sua renda. Em seus escritos defendeu a reforma agrária, no livro Triste Fim de Policarpo Quaresma, e o aborto. Apesar de ter falecido no início do século 20, tinha ideias que geram polêmicas até nos dias de hoje, 90 anos depois de sua morte.

Após nove décadas de seu falecimento, Lima Barreto ainda não obteve seu devido reconhecimento. De acordo com o professor Jomar Ricardo, o fato do autor ainda não constar na lista dos escritores canônicos da literatura brasileira é algo positivo, visto que o elitizaria e descaracterizaria o discurso em prol das camadas inferiores. O entendimento da necessidade de se estabelecer cotas raciais tem seus fundamentos na literatura de Lima Barreto, quando propunha a mesma como ferramenta de promoção de mudanças, tendo em vista ser inspirado em escritores russos que tinham mais compromissos éticos sociais que estéticos, fator que tem contribuído para que o neto de escravos e filho de mulatos tenha se tornado personagem importante nas pesquisas de historiadores brasileiros.